GUARULHOS, SP (FOLHAPRESS) – Em junho de 2009, eram anunciados em Portugal, após uma sequência de shows que incluiu a brasileira Daniela Mercury, os sete monumentos espalhados pelo mundo que, a partir de então, também seriam lembrados como maravilhas de origem lusitana.
Em comum, todos os nomes da lista tinham o fato de terem sido construídos durante a expansão marítima portuguesa, iniciada no século 15. A iniciativa para a competição nascera da fundação New 7 Wonders, baseada na Suíça, e teve apoio da administração pública portuguesa. Cerca de 240 mil pessoas participaram da votação, na qual disputavam 27 monumentos de 16 países.
Ao final, foram escolhidos: Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência (Minas Gerais, Brasil), Igreja e Convento de São Francisco (Bahia, Brasil), Fortaleza de Diu (Índia), Fortaleza de Mazagão (Marrocos), Basílica do Bom Jesus (Índia), Cidade Velha de Santiago (Cabo Verde) e Ruínas de São Paulo (Macau).
Apesar da participação popular, à época algumas críticas também se levantaram. O ponto de tensão era a exaltação do passado português no discurso da identidade nacional em detrimento do presente. O antropólogo João Leal, professor da Universidade Nova de Lisboa, foi um dos que apontaram críticas.
Hoje, à Folha, ele sustenta o argumento. “No fundo disso está um discurso das elites, mas que acaba por ser popular: a ideia de que hoje somos um país pequeno, mas já fomos um país grande.”
O discurso em relação aos descobrimentos e à expansão marítima portuguesa, diz Leal, ainda carece de um contrapeso que fale da violência –como a escravidão–, e não apenas da exaltação do período.
“E o poder político não tem feito o que é necessário para encarar essa realidade de forma complexa, para que não se olhe apenas para as zonas de luxo, mas também para as zonas de sombra”, observa.
Mas faz um adendo: a crítica não exclui a importância de valorizar as sete maravilhas, muitas vezes recurso turístico para os países em que se localizam. O importante, diz, é que os monumentos sejam apresentados ao visitante não apenas como um registro heroico, mas contem a história mais complexa da colonização portuguesa. “É importante que os próprios monumentos estejam ligados a centros de pesquisa que contem a história –o que já acontece em muitos deles.”
Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência
(Minas Gerais, Brasil)
Mais do que parte da história da colonização portuguesa e das ordens religiosas no país, o monumento, localizado na cidade de Ouro Preto, é reconhecido em razão de Antônio Francisco Lisboa (1738 – 1814), o Aleijadinho, arquiteto e escultor brasileiro que por mais de 20 anos trabalhou no edifício, imprimindo a marca do barroco mineiro.
A Ordem Terceira de São Francisco foi fundada em 1746 no país, na Capela do Bom Jesus dos Perdões; dez anos depois, já contava com mais de mil adeptos. Em 1766, teve início a construção da igreja pelo mestre de obras Domingos Moreira de Oliveira, natural da cidade do Porto. Quatro anos depois, Aleijadinho começa a trabalhar no projeto, que também contou com pintura do mineiro Manuel da Costa Ataíde (1762 – 1830), o Mestre Ataíde.
Em 1938, foi tombada pelo recém-criado Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, precursor do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A igreja também faz parte do itinerário do Museu Aleijadinho, pertencente à Paróquia Nossa Senhora da Conceição, Arquidiocese de Mariana.
Cidade Velha (ilha de Santiago, Cabo Verde)
Com frequência descrita por autoridades do arquipélago de Cabo Verde como o “berço da nação cabo-verdiana”, a cidade foi a primeira aglomeração urbana construída pelos portugueses na região dos trópicos, em 1462, dois anos após aportarem e começarem a povoar o conjunto de ilhas. Foi, ainda, a primeira capital de Cabo Verde –até que perdeu o posto para a cidade de Praia, também na ilha de Santiago.
A região foi inicialmente batizada de Ribeira Grande e, ao longo dos séculos 16 e 17, usada como entreposto do comércio escravagista no Atlântico. Ali paravam navios com homens e mulheres capturados na costa da África para reabastecer até que pudessem seguir viagem para a Europa ou a América. Ainda que Cabo Verde seja historicamente marcado por dificuldades no acesso à água, em razão de secas cíclicas, a proximidade de Cidade Velha de uma fonte de água a favoreceu.
As construções urbanas foram erguidas por mão de obra cativa e, entre as poucas que se mantêm em pé, está a igreja de Nossa Senhora do Rosário, onde pregou o padre jesuíta António Vieira (1608-1697). Em 2009, Cidade Velha foi tombada como Patrimônio Imaterial da Humanidade.
Ruínas de São Paulo (Macau)
Ponto turístico da região administrativa especial de Macau, na China, as ruínas são formadas pelo que restou de um complexo religioso que alojava a Igreja da Madre de Deus, erguida entre 1601 e 1640, e o Colégio Jesuíta de São Paulo. Um incêndio consumiu a maior parte dos edifícios em 1835, o que fez com que os muros fossem postos abaixo, para não representar perigo à população, restando apenas a fachada.
Ocupada por Portugal desde a segunda metade do século 16, Macau seguiu como território ultramarino português até 1999. Ordens religiosas, como a de franciscanos, dominicanos e jesuítas, atuaram na região. O Colégio de São Paulo é considerado a primeira instituição de ensino superior ocidental em território chinês, na qual eram formados missionários para o Japão e para a China.
Basílica do Bom Jesus em Goa (Índia)
Inaugurada em 1605 em Velha Goa, então capital da ocupação portuguesa na Índia, a basílica foi encomendada pela ordem religiosa dos jesuítas em 1594. Foi construída com o objetivo de abrigar as relíquias de São Francisco Xavier (1506-1552), que foram transferidas em 1624.
A estética do edifício teve inspiração nas construções arquitetônicas europeias, mas é celebrada em Goa por ter sido feita com materiais e mão de obra locais. A basílica sobreviveu mesmo depois que Portugal expulsou os jesuítas de Goa, em 1759.
Apesar da importância do monumento, moradores locais temem que ele entre em colapso devido à ação da água das fortes chuvas das monções, que tem erodido a construção. Em entrevista à agência de notícias Lusa em janeiro, o padre Patrício Fernandes, responsável pelo local, disse que a fragilidade da estrutura foi desencadeada durante a ditadura de António Salazar (1932 – 1968), que retirou parte da argamassa da basílica para fazê-la parecer ainda mais antiga.
Igreja e Convento de São Francisco (Bahia, Brasil)
Considerado uma das construções mais importantes dos franciscanos no Brasil, o conjunto começou a ser erguido em 1686, quase um século após a ordem religiosa se estabelecer no estado da Bahia.
Primeiro, foram construídos os dormitórios dos frades; depois, a partir de 1708, a capela-mor e a igreja. Mesmo incompleta, a igreja, construída com a doação de moradores locais, foi aberta em 1713, e a estrutura foi concluída em 1723. Teve início, então, a ornamentação interna, que hoje atrai muitos turistas.
Na capela-mor estão dois altares –um em devoção a Nossa Senhora da Conceição, outro a Santo Antônio de Lisboa– e também uma lâmpada de prata de quase dois metros de altura. Os azulejos do espaço são provenientes de Lisboa e apresentam passagens da vida de São Francisco.
O monumento conta com um pátio interno, cercado por passagens com painéis de azulejos portugueses, sem autoria conhecida, apresentando cenas mitológicas, e é aberto à visitação do público.
Fortaleza de Diu (Índia)
Localizada na ilha indiana de Diu, a fortaleza foi construída pelos portugueses para defender o crescente comércio de especiarias no século 16. Após tentativas malsucedidas de ataques militares para conquistar o local, Portugal, potência marítima, enfim estabeleceu uma aliança com o governo local para ajudar a defender Diu do império Mogol. Com isso, obteve permissão para construir um forte e colocar seus homens nele.
O território permaneceu sob controle português por mais de quatro séculos, de 1537 a dezembro de 1961, até o governo indiano lançar uma ofensiva militar –conhecida como Operação Vijay– e reconquistar a área.
Cercada por água, a fortaleza possui um cais que ainda é usado. É possível ver os canhões espalhados por todo o parapeito do local. O espaço está atualmente sob a administração do governo indiano.
Fortaleza de Mazagão (El Jadida, Marrocos)
Hoje parte da cidade marroquina de El Jadida, a antiga ocupação portuguesa em Mazagão, que resultou na construção de uma fortaleza, está situada a 90 quilômetros de Casablanca, maior cidade do país. O forte colonial lusitano foi erguido no início do século 16 na costa do Atlântico e reconquistado pelos marroquinos em 1769.
A ocupação foi uma das primeiras dos portugueses na costa ocidental do continente africano em busca de uma rota marítima até a Índia e alcançou rápido desenvolvimento urbano, levando também a construção de quatro igrejas e várias capelas dentro da fortaleza.