Consumo consciente e saudável vai chegar aos biscoitos e chocolates, afirma Liel Miranda

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Era final de 2019, quando Liel Miranda decidiu que a sua vida seria mais doce. Depois de 28 anos na fabricante de cigarros Souza Cruz, onde entrou estagiário e saiu presidente, o administrador de empresas aceitou o convite da multinacional de guloseimas Mondelez para comandar a operação da companhia no Brasil.
Dona de marcas icônicas como os chocolates Lacta, Sonho de Valsa e Bis, os chicletes Trident, a bala Halls e os biscoitos Club Social, Belvita e Oreo, a Mondelez estava começando a se adaptar ao ritmo do novo presidente, que chegou com a missão de destravar processos e torná-la mais ágil, quando veio a pandemia. E Liel teve que se tornar um líder remoto.
“Com apenas cem dias no cargo, passei a gerenciar a Mondelez por WhatsApp, Microsoft Teams, email, telefone”, diz o sul mato-grossense de Aquidauana, que deixou a família no Rio e veio para São Paulo. “Brinco que comando a empresa pelo celular.”
Os perrengues iniciais deixaram dois grandes aprendizados. “Primeiro a sensação de liberdade proporcionada pela conectividade. Estou conectado o tempo todo, em qualquer lugar. É uma sensação de empoderamento para essa vida executiva”, diz.
“Ao mesmo tempo, ficou a impressão de que estamos mais juntos do que imaginávamos. Até então, a gente vivia em bolhas -os líderes, os funcionários, a empresa, qualquer que seja o grupo. Mas a pandemia provou que os problemas que precisamos enfrentar como sociedade são de todos, o vírus não respeita bolhas”, afirma Liel.
O executivo incluiu a Mondelez entre as signatárias do Mover -Movimento pela Equidade Racial, que reúne 46 empresas com a meta de gerar 10 mil novas posições de liderança e capacitar 3 milhões de pessoas negras para o mercado de trabalho ou empreendedorismo, até 2030. Liel é um dos membros do conselho.
“A desigualdade econômica está muito associada à desigualdade racial. Não tem como as empresas continuarem crescendo de forma sustentável se a sociedade brasileira não evoluir de forma sustentável. Essas questões precisam ser endereçadas”, diz Liel. “Participar desse movimento é um sonho. Quero ver isso acontecer.”
Antes de 2030, porém, a Mondelez terá que atingir outras metas. Até o fim de 2024, 100% do chocolate produzido no Brasil será fabricado com cacau sustentável, fruto da parceria com produtores da região amazônica, dentro do programa mundial Cocoa Life.
“Também dentro de três anos queremos que 25% do nosso portfólio seja formado por produtos veganos, sem glúten ou com nutrientes adicionais”, diz Liel. “É uma tendência que veio para ficar.”
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Pergunta – Com a pandemia, o consumidor começou a ficar mais preocupado com a própria saúde e mais atento ao que come, na tentativa de aumentar a sua imunidade. Como a Mondelez vê o futuro do mercado de guloseimas diante desses novos hábitos?
Liel Miranda – Nossas pesquisas dizem que o consumidor quer as duas coisas: uma alimentação mais equilibrada, sem abrir mão do momento indulgente. Se ele teve um dia difícil, quer comer aquela barrinha de chocolate à noite. Durante o dia, se está em momento de estresse e quer ter aquela pequena carga de energia, busca um Bis.
O biscoito nutritivo está no café da manhã, o suco, no almoço, o chiclete, na hora de tensão de uma reunião, o chocolate, no fim do dia, para aquele momento de indulgência. Nosso propósito é oferecer o snack certo, feito da forma certa, para o momento certo.

P. – O que significa “feito da forma certa”?
LM – Queremos oferecer um produto mais equilibrado. A começar pela porção: uma barra pequena, para que ninguém se acabe no chocolate. Biscoito a mesma coisa, uma embalagem individual. Hoje, 20% do faturamento vem de embalagens individuais, para um consumo controlado. Isso deve crescer, é tendência.
A segunda coisa diz respeito à origem dos ingredientes: só usar cacau produzido de forma sustentável. Até 2024, 100% do chocolate fabricado no Brasil será dessa forma, via Cocoa Life, programa mundial da Mondelez baseado em parcerias com pequenos produtores rurais no Brasil, Gana, Costa do Marfim, Indonésia, Índia e República Dominicana. Aqui, temos cerca de 700 produtores da Amazônia registrados no programa. Em vez de desmatar, eles restauram a floresta, que tem o cacau como planta nativa.
Um terceiro aspecto está relacionado à saudabilidade. Ter vitaminas no suco em pó, mais nutrientes no biscoito, oferecer um chocolate sem glúten ou vegano -estamos direcionando o portfólio nessa direção. São produtos que já têm boa aceitação em outros mercados, como Estados Unidos e Europa, e vamos trazê-los para cá. Nossa meta é que, ao fim dos próximos três anos, 25% do nosso portfólio tenha essas características.

P. – Ter mais embalagens individuais não significa gerar mais lixo?
LM – Até 2025, 100% das nossas embalagens serão recicláveis. Hoje já estamos em 85%. O material pode ser reutilizado como embalagem, papel ou plástico, girando a economia circular. A embalagem azul do chocolate Lacta, por exemplo, é reciclável, mas não reciclada -do ponto de vista regulatório, uma embalagem reciclada não pode ser usada em alimentos. Mas pode voltar para a economia de novas formas.

P. – Você citou o Cocoa Life como exemplo de ação sustentável, mas a Mondelez e as fabricantes Nestlé, Cargill, Barry Callebaut, Mars, Olam e Hershey foram alvo de ação nos EUA que associou a indústria do chocolate ao trabalho infantil na África, nas fazendas de cacau. Que mecanismos a empresa precisa adotar para evitar essa prática?
LM – É preciso fazer com que o Cocoa Life abranja 100% do cacau que a empresa compra. Por meio do programa, temos controle sobre o produtor, que tem que seguir padrões de produção em relação ao ambiente, ao não uso de defensivos agrícolas, à proibição ao trabalho infantil.
O problema é que hoje o nosso programa não atinge 100% da nossa cadeia, mas esse é o objetivo. No Brasil, 30% do cacau usado atualmente é obtido de forma sustentável, porque grande parte da matéria-prima ainda é importada. A gente quer que 100% sejam produzidos aqui, de forma sustentável. Vamos atingir até o fim de 2024.

P. – A Nestlé divulgou recentemente um documento que aponta que 60% dos seus produtos não são saudáveis. A Mondelez tem um levantamento semelhante?
LM – A Mondelez acredita no “mindful snack”: as pessoas têm que consumir nossos produtos de forma consciente. Vamos oferecer embalagens pequenas para controlar quantidade, produtos com ingredientes sustentáveis, ou com algum benefício para a saúde. A gente acredita que essa demanda vai crescer, especialmente entre os adultos jovens, de 18 a 30 anos.
Em dois mercados essa demanda está aumentando: EUA e Europa, principalmente Inglaterra e Alemanha, onde a representatividade desse portfólio está entre 20% e 30% do volume vendido. Estamos investindo muito na gestão do portfólio balanceado. Montamos um time focado nessa área, que não existia antes.

P. – O que você percebeu de mudança no comportamento do consumidor durante a pandemia?
LM – As pessoas estão consumindo mais snacks. A alimentação está mais fragmentada ao longo do dia. Outra coisa foi a compra online. Os nossos produtos não eram percebidos pelo consumidor nesse canal, e agora eles entram na cesta de supermercado: biscoitos, chocolate, gomas, barras.
Nossas pesquisas identificaram que o consumidor que compra só online ou só offline tem um tíquete médio “x”. O consumidor que compra nos dois canais gasta de dois a três “x”. Tem uma frequência maior de compra, com tíquete médio maior. Para nós, o ecommerce passou de uma operação pequena, quase uma função do marketing, para um novo canal de vendas.
Antes da pandemia, nossa loja online era usada só em eventos, como Páscoa e Natal. Mas, na Páscoa deste ano, 15% foram vendidos pela internet. Hoje, temos 2.000 lojas parceiras da loja online da Lacta.

P. – O mercado de guloseimas é marcado pela compra por impulso, muitos itens expostos ao lado do caixa. Com o home office, isso não se perdeu?
LM – A Mondelez tem as categorias de impulso -bombom, Tridente, Halls, que você vê no caixa. A venda desses produtos realmente caiu. Mas também tem biscoitos, chocolates, suco em pó, que as pessoas compram e levam para casa. Nestas, o consumo aumentou 10%, porque pais e filhos estão o dia todo em casa.

P. – Qual a importância do Brasil para a Mondelez?
LM – O Brasil é um dos quatro mercados mais importantes da companhia no mundo. A briga pelo quarto lugar é entre Brasil, China e Índia. Dependendo do câmbio, um passa à frente do outro. Os três primeiros são EUA (com destaque para as marcas Oreo e Ritz), Europa Ocidental (na Inglaterra, somos fortes com Cadburry) e Europa Central (com Milka).

P. – Qual será o perfil do consumidor da Mondelez daqui a dez anos?
LM – Temos observado uma preocupação crescente do consumidor com o propósito das marcas e das empresas. Com a Covid, isso ficou mais evidente. Tivemos boas experiências com nossas marcas, à medida que elas se conectaram com essa preocupação, estabeleceram uma conversa mais humana.
Lançamos, por exemplo, a campanha “Oreo Faz de Contos”, revisita aos contos de fadas com perspectiva de diversidade e inclusão. A Rapunzel era uma menina negra, a história do João e o Pé de Feijão era com um menino cadeirante, e o Patinho Feio era de dois meninos adotados por um casal homoafetivo. As histórias foram escritas pelo ator Lázaro Ramos, que também narrou a da Rapunzel. A repercussão foi excepcional!
Durante a pandemia, Oreo assumiu a liderança de biscoito recheado no Brasil. Há dois anos, era o sexto em participação, agora é o número um.
Não sei se está relacionado à campanha, mas a marca falou direto com o consumidor em momento delicado. Incentivou que ele continuasse brincando com os filhos, ou soltando a imaginação. Quando você se conecta com o ser humano, com as questões que permeiam a sociedade, você passa a ser relevante.

P. – Quão diversa é a Mondelez?
LM – Hoje temos 40% de mulheres, sendo que a liderança feminina já soma 45% do total. A nossa grande meta agora é trabalhar com pessoas negras e ter negros na liderança sênior. Queremos atingir representatividade de 30% até 2023 para todo o time administrativo, a partir dos níveis de entrada até a liderança. Hoje, está em 8%.
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RAIO X
LIEL MIRANDA, 52
Formado em administração pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), com MBA em administração pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), começou na Souza Cruz como trainee. Passou por diversas áreas da companhia no Brasil, controlada pela British American Tobacco. Assumiu posições na China, no Canadá e na Inglaterra, até se tornar presidente da empresa, em 2017. Em dezembro de 2019, assumiu o comando da filial brasileira da Mondelez.

RAIO-X DA MONDELEZ*
Fundação: 2012, Estados Unidos (ex-Kraft Foods)
Funcionários: 8.000
Fábricas: Curitiba (PR) e Vitória de Santo Antão (PE)
Receita líquida: US$ 26,6 bilhões (mundo) e US$ 2,5 bilhões América Latina
Lucro: US$ 3,6 bilhões (mundo)
Principais marcas: Bis, Lacta, Oreo, Tang, Club Social, Halls e Trident
Concorrentes: Nestlé, Perfetti Van Melle, Hershey, Bauducco
*Dados de 2020