RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Uma corrida pelo registro de novos projetos de energias renováveis preocupa autoridades do setor elétrico brasileiro, que temem impactos no bolso do consumidor com o aumento dos custos de transmissão de eletricidade no país.
O mercado vê um movimento de especulação com os registros, que estariam sendo obtidos por empresas interessadas apenas em negociar a papelada no futuro, o que poderia dificultar o planejamento do sistema elétrico brasileiro.
Em 2021, o número de pedidos de informações sobre acesso à rede para conexão de novas usinas renováveis praticamente triplicou, chegando a uma média de 43 por mês, contra 15 no ano anterior. Ao todo, entre janeiro e a última sexta (17), foram 387 pedidos, contra 185 em todo o ano de 2020.
O ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) diz que a grande maioria vem de projetos de geração solar, com destaque para as regiões norte de Minas Gerais e oeste e sul da Bahia, que experimentam grande volume de investimentos nesse segmento.
A aceleração dos pedidos é fruto da lei 14.120 de 2021, que garantiu benefícios a projetos de fontes renováveis que solicitarem outorga para operação até do dia 2 de março de 2022. A partir daí, os projetos começam a perder gradualmente esse desconto.
O setor compara o cenário a uma “corrida do ouro” em busca de garantir o benefício, que é um desconto de 50% sobre a tarifa de uso do sistema de transmissão. “Este fato aumentou o interesse para a obtenção de autorização pelos empreendedores que desejam construir novas usinas.”, diz o ONS.
O pedido de informação de acesso é parte do processo de outorga e tem o objetivo de avaliar a viabilidade de conexão de um projeto à rede de transmissão. Quando não há capacidade disponível, os acessos dependem de investimentos na ampliação da rede, o que é definido pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética).
A preocupação é que eventuais novas linhas de transmissão fiquem ociosas caso os projetos não saiam do papel, onerando desnecessariamente o consumidor. “O desafio é que a maioria são projetos visando ao mercado livre, o que traz um fator maior de incerteza para o planejamento”, diz o presidente da EPE, Thiago Barral.
Com a elevação das tarifas de energia e a busca por moldar uma imagem sustentável, é cada vez maior o número de empresas que busca investir em geração própria por meio de usinas renováveis. O movimento começou com eólicas, mas a solar vem ganhando espaço
Na Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), o número de requerimentos de outorga disparou, com grande maioria de projetos solares, diz a consultoria ePowerBay. Em junho, 777 projetos, com potência de cerca de 33 GW haviam dado.
Em setembro, quando a MP que deu origem à lei foi enviada ao Congresso, eram 165, com capacidade instalada de 7 GW (gigawatts). “Muitos desses projetos não vão de fato virar realidade. Tem potência muito grande e não tem muito espaço na transmissão”, diz Afonso Lugo, sócio da consultoria.
A EPE diz que tenta trabalhar com associações e empresas do setor para reduzir as incertezas desse processo sobre o planejamento de novas linhas de transmissão. A aceleração dos pedidos de outorga de usinas renováveis foi tema de um workshop entre os órgãos federais do setor elétrico e o mercado.
Gargalos no sistema de transmissão limitaram nos últimos anos a transferência de energia renovável do Nordeste, primeiro foco de crescimento deste segmento, para as outras regiões do país. Em determinados momentos, o ONS teve que cortar geração de usinas para liberar espaço na rede para a energia hídrica.
Na semana passada, o governo participou de cerimônia de início das operações de uma linha ligando a Bahia e Minas Gerais, planejada para reduzir estes gargalos ao acrescentar 1,3 mil MW (megawatts) em capacidade de exportação de energia do Nordeste.
“Hoje o Brasil está num processo de expansão da energia solar e eólica e o planejamento prevê essa expansão”, diz Rodrigo Sauaia, presidente da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica), lembrando que uma série de investimentos em ampliação da rede já foram feitos.
“O que discutimos é como podemos melhor expandir a infraestrutura de transmissão que ajuda a transferir o excedente de energia e fortalece dispersão geográfica, mas sem investir excesso de dinheiro em linhas que fiquem ociosas.”
Sauaia frisa que o desconto no uso da rede foi fundamental para viabilizar a expansão da geração solar no Brasil. O setor, que representa cerca de 1,5% da produção de energia no país, tem experimentado evolução tanto em grandes usinas como em projetos de geração distribuída, com usinas de menor porte.
Também nesse último segmento, que inclui desde os painéis solares instalados em telhados a fazendas solares que vendem energia para diversos clientes, há no momento uma corrida por registros, já que o novo marco legal em debate no Congresso também estipula prazo para redução de descontos.
Também neste caso, o setor vê um movimento especulador com os registros, que se tornaram um negócio nas mãos de atravessadores para venda posterior a empresas que vão de fato investir. Em Minas Gerais, o preço chegaria a R$ 200 mil por MW (megawatt).
Até a semana passada, 211,6 mil novos consumidores aderiram ao modelo de geração própria, número já superior aos 211,1 mil registrados em todo o ano anterior e 72% acima do verificado em 2019. Também neste caso, a lei garantirá o benefício atual a projetos registrados em até 12 meses após sua promulgação.