Crise da Evergrande deve fazer governo chinês proteger credor local, diz ex-embaixador

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O risco de um abalo sistêmico nos mercados internacionais causado pela crise da incorporadora chinesa Evergrande ainda parece remoto, avalia o ex-embaixador do Brasil em Pequim Marcos Caramuru.
Nesta segunda-feira (4), o grupo imobiliário Evergrande, que enfrenta grandes dificuldades, suspendeu as operações na Bolsa de Hong Kong. As ações da empresa registraram queda de quase 80% desde o início do ano, com o grupo à beira de um colapso por uma dívida gigantesca.
Na terça-feira (5), às 10h, Caramuru vai participar do seminário virtual “A crise da Evergrande e o novo modelo de crescimento chinês”, para discutir essas transformações e seu impacto para o Brasil. O evento é promovido pelo CEBC (Conselho Empresarial Brasil-China), em parceria com o Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais).
As inscrições podem ser feitas por meio do link do evento.
Ao jornal Folha de S.Paulo, Caramuru ressalta que a crise da Evergrande deve ser considerada no contexto de mudanças que o governo chinês tenta implementar no modelo de crescimento do país, que vão da redução do grau de endividamento ao corte no consumo de energia por razões ambientais.
Proteção do investidor
As coisas parecem se encaminhar para uma proteção do investidor interno chinês, já que o mercado imobiliário é uma importante poupança para os chineses e eles tendem a responsabilizar o governo por qualquer perda ou ganho que tenham –sendo assim, o governo tende a intervir para proteger os investidores chineses. O que a gente tem hoje, porém, uma grande dúvida sobre a segurança dos credores internacionais.
Crise sistêmica
A boa notícia é que o risco sistêmico tem sido administrado aos poucos, o próprio banco central começou a injetar liquidez, e não vejo temores tão grandes de uma crise do sistema causada pelo caso Evergrande. Por outro lado, haverá algum impacto sobre as empresas que fornecem serviços e bens para as empresas de construção.
Crescimento menor
Sim, ocorre que o consumo não está crescendo como se esperava e nem o investimento industrial. Não acredito, porém, em uma queda brutal do crescimento da China este ano, mas ele deve ficar em torno de 6% e 7%. O governo chinês tem condições de rapidamente mandar recursos para os governos locais e mudar essa tendência de desaceleração. A aceleração do crescimento é sempre uma decisão do governo, quando ele vê que será baixo, distribui recursos e diz para os governos locais gastarem. Tudo leva a crer, portanto, que eles estão dispostos a aceitar uma taxa de crescimento mais baixa do que se antecipava.
Brasil será afetado?
O preço do minério de ferro já foi afetado, mas não acredito que as commodities agrícolas devam ter um impacto muito grande. As pessoas não vão deixar de comer, e os grãos comprados pela China são necessários para a produção da ração animal. Com a demanda forte por alimentos, não vejo um cenário devastador para as commodities agrícolas, o que pode haver é uma redução pontual que se recompõe adiante. O risco maior para o Brasil era a Evergrande causar uma instabilidade nos mercados internacionais e isso ter um contágio. Mas se o governo chinês administrar essa crise com racionalidade, isso não deve nos afetar de forma muito vigorosa.
Dependência da China
Estrategicamente seria interessante desviar a demanda, mas desviar para qual lugar? Quem poderia comprar do Brasil nessa magnitude? Sem essa resposta, vamos ter uma política que mira em não vender os nossos produtos e esse raciocínio não leva a lugar algum. Temos uma economia com muita dependência do setor agrícola e isso é uma questão estrutural. Não se cria um mercado para as commodities –ele existe ou não. O melhor seria deixar de explorar o mercado chinês? Não creio.
Ciclo das commodities
O ciclo foi positivo, as empresas ganharam bastante e não deixaram de investir em agricultura. O setor agrícola se modernizou. Precisamos ter uma discussão sobre os nossos problemas internos, como a questão fiscal, mas também precisamos discutir a economia que queremos ter. O Brasil não tem propriamente uma política microeconômica, sobre os segmentos da economia que vamos estimular. A última experiência foi a dos campeões nacionais, que não deu bom resultado. A gente sempre trabalha com estímulos horizontais, esperando que o setor privado reaja, mas em lugar disso, precisamos discutir o nosso caminho.
Ataques de Bolsonaro aos chineses
O papel do governo é gerar confiança, e apesar das provocações que aconteceram, a relação com a China segue firme. O setor de commodities vai bem, a China continua investindo no Brasil. Quando as críticas chegam a um nível crítico, os próprios empresários cobram um freio. Mas o cenário parece estar mais calmo agora do que já foi anteriormente. É inevitável ter uma relação amadurecida com a China e o governo percebe isso. O problema é que o governo não é uma entidade uniforme, há pessoas que entendem isso e alguns que tratam a China apenas em uma perspectiva ideológica.
RAIO-X:
Marcos Caramuru, 67
É membro do Comitê Consultivo do CEBC, conselheiro internacional do Cebri e esteve à frente da Embaixada do Brasil na China de 2016 a 2018. Foi secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e diretor-executivo do Banco Mundial, em Washington

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