Crise de gás na Europa pode atrapalhar (ainda mais) economia

Europa está se preparando para o inverno e precisa se virar enquanto a Rússia não retoma o fornecimento de gás

Em fevereiro, a Rússia surpreendeu o mundo ao invadir a Ucrânia. Dias após o ataque, muitos países europeus e os EUA promoveram sanções contra a Rússia, cortando quase completamente as relações econômicas com o país.

Na contramão, o país decidiu cortar o fornecimento de gás à Europa, o que, segundo especialistas ouvidos pelo BP Money, poderá causar um aumento no preço das commodities e, assim, elevar a inflação pelo globo. 

Rússia é grande fornecedora de gás

Há uma lógica por trás dessas exceções entre as sanções. O país comandado por Vladimir Putin é o maior fornecedor de gás natural para a Europa e um dos maiores exportadores mundiais de petróleo. No entanto, quando as primeiras sanções foram tomadas, a Rússia gradualmente começou a cortar o fornecimento de gás para a Europa e firmou novas parcerias. Por exemplo, em junho, o país virou o maior fornecedor de petróleo para a China.

“O continente europeu depende completamente do gás russo para manter sua produção industrial e o aquecimento da população nos períodos de invernos. De uns anos para cá, a Europa tem usado o argumento de preservação ambiental para reduzir a capacidade de produção energética interna, ficando completamente dependente da Rússia”, explicou Caio Mastrodomênico, analista político e CEO da Vallus Capital. 

Com a chegada do inverno na Europa, muitos países estão receosos com um possível corte de gás definitivo por parte da Rússia. O medo não é irracional: em 31 de agosto, a estatal russa de energia Gazprom cortou o fornecimento de gás para a Europa, alegando precisar fazer uma manutenção de 3 dias. Desde então, o fluxo de gás através do duto Nord Stream 1, principal canal russo para os mercados europeus, não foi retomado.

Para evitar uma crise energética no continente, os países europeus já estão se movimentando politicamente conforme o inverno chega. Por exemplo, dois dias após assumir o cargo de nova primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss já anunciou um teto sobre as contas de energia para residências e empresas que deve custar pelo menos 150 bilhões de libras.

Segundo Sidnei Lima, analista da Top Gain, além da chegada do frio da Europa, os países da zona do euro precisarão se preocupar com um desequilíbrio entre oferta e demanda, causado pelo corte de fornecimento do gás russo.   

“Com o fato de a Europa começar a se aproximar do inverno, torna-se essencial para a sobrevivência das pessoas o gás utilizado para aquecimento. Ao suspender o fornecimento de gás para a Europa, a Rússia tem potencial de afetar diretamente a estabilidade da relação demanda e oferta. Com uma queda na oferta, é natural que o preço das commodities suba consideravelmente, tendo em vista que a demanda continua a mesma”, afirmou.

“A zona euro e o povo europeu irão sofrer com essas sanções. Ao longo dos próximos períodos, esperamos uma escassez na produção da Europa, colocando os índices de inflação nos níveis mais elevados”, acrescentou Mastrodomênico.

Economia mundial pode sofrer com impasse do gás russo

Segundo os analistas consultados pelo BP Money, por efeito cascata, o mundo inteiro poderá sentir as consequências do corte de gás russo para a Europa. Um desequilíbrio na lógica de oferta e demanda pode ser prejudicial para o mundo, causando um aumento no preço das commodities, por exemplo. 

“No contexto de falta de oferta, o continente europeu precisará comprar em outro lugar, impulsionando assim a procura, fazendo com que os preços subam, já que teremos menos oferta e maior demanda”, explicou Lima.

“Posteriormente, mais um cenário de inflação alta pode ser percebido. O que pode afetar consumo, PIB, empregos e toda a sustentabilidade econômica dos países, que já lutam para sair das consequências relacionadas aos desdobramentos das crises da Covid”, completou. 

Para Maria Levorin, gestora da Multiplica Capital, o corte do gás russo na Europa tem consequências tanto a curto quanto a longo prazo para o mundo. Caso o corte de gás prossiga no futuro, ela acredita que os países da Europa podem encontrar algum meio de substituição. 

“No curto prazo, teremos um aumento na inflação que, consequentemente, levará a um aumento dos juros, trazendo ainda mais volatilidade nos mercados, além de poder haver corte na cadeia de suprimentos. Tais fatores podem acarretar em uma grave deterioração da situação financeira dos países dependentes de importação”, afirmou

“No longo prazo, se o corte de gás perdurar, provavelmente será possível encontrar algum meio de substituição e não vemos muito mais risco neste sentido. O grande problema está no curto e médio prazo”, acrescentou Levorin. 

Brasil pode ser prejudicado e beneficiado com a crise

Mesmo com a Europa pegando fogo e tendo a possibilidade dessa crise energética atingir economicamente o globo, Mastrodomênico acredita que o conflito entre Rússia e Europa pode ser vantajoso para o Brasil.

“Ao mesmo tempo que a gente espera uma crise nos países europeus, vislumbramos oportunidades de outros países subsidiarem o fornecimento de energia para a Europa.  Também abrem-se oportunidades de novos acordos comerciais com outros países. Aqui no Brasil, onde somos ricos em energia renovável, podemos sair beneficiados de toda essa situação”, disse.

Levorin, partilhando do mesmo pensamento de Mastrodomênico, explicou que o País poderá ser beneficiado e prejudicado com a crise energética europeia.

“Em relação à economia brasileira, devemos ser afetados pela alta da inflação e aumento do dólar. O que acabou beneficiando o Brasil é que muitos investimentos em emergentes que eram direcionados para a Rússia e para a China vieram para cá, o que ajudou na bolsa brasileira e deve impulsionar os investimentos no país”, afirmou.

Para Lima, o Brasil sentirá os impactos do aumento no preço das commodities, porém os efeitos não serão tão devastadores.

“Em contexto local, podemos também sentir os mesmos efeitos que o resto do mundo, porém não tão agressivamente. Contudo poderá ser totalmente perceptível, tanto nos postos de combustíveis, quanto esses repasses aos alimentos e produtos do mercado, já que toda a cadeia logística de distribuição do Brasil é feita sob rodas”, disse.