Os preços pagos pelo Tesouro Nacional para pegar novo dinheiro emprestado chegam a subir 71% neste ano com investidores exigindo mais por preocupações com a inflação, as contas públicas e a proposta do governo para driblar o teto de gastos.
O aumento nas taxas acelerou desde que o ministro Paulo Guedes mencionou, em 30 de julho, um meteoro de despesas não previstas, em referência aos precatórios, as dívidas do Estado reconhecidas pela Justiça e que o governo tenta deixar de pagar integralmente em 2022. A partir de então, as taxas das novas emissões, que estavam em 9,3% ao ano no dia anterior à declaração, subiram 29% e chegaram a 12% nos leilões mais recentes, patamar mais elevado desde 2018.
Os números são observados no título indicado pelo Tesouro para verificar as expectativas de longo prazo do mercado, as NTN-F (Notas do Tesouro Nacional, série F) com vencimento de dez anos. Os demais papéis também apresentam elevação no período. A alta tem ligação direta com as informações sobre as contas públicas, segundo o próprio Tesouro. “A gente teve um movimento expressivo nos juros, com alta considerável. Ela basicamente traduz o noticiário fiscal, intenso e com muitas incertezas”, afirmou o coordenador-geral de Operações da Dívida Pública, Luis Felipe Vital, em entrevista recente sobre os números.
A turbulência se intensificou em outubro com a iniciativa do governo de mudar a correção do teto de gastos, que limita o aumento das despesas, e com a indicação de Guedes de que poderia pedir uma licença para furar a regra de forma a atender a classe política.
O drible no teto de gastos gerou uma debandada na equipe de Guedes. Quatro secretários pediram demissão, inclusive os chefes do Tesouro Nacional e da Secretaria Especial de Tesouro e Orçamento. As medidas em discussão se refletiram também em outros indicadores. Desde que Guedes mencionou o meteoro, a Bolsa caiu 16%; o dólar subiu 9%. O CDS (Credit Default Swap, indicador de risco-país) do Brasil subiu de 10,8% na última semana de outubro sobre o mês anterior, para 228 pontos.
Enquanto isso, todos os outros países acompanhados pelo Tesouro tiveram melhora, sendo o Chile (queda de 4,2%, para 84 pontos), México (queda de 6,1%, para 95), Colômbia (queda de 9%, para 153) e Peru (queda de 19,9%, para 84). Como consequência do humor do mercado, o Tesouro teve que ajustar leilões, reduzindo lotes em alguns casos para não pagar tão caro e aguardar momentos de maior estabilidade do mercado.
Cristiano Corrêa, professor de finanças e coordenador do curso de administração da escola de negócios Ibmec, disse que o mercado reage à incerteza do imbróglio fiscal e também aos receios que o não pagamento dos precatórios desperta em relação a outros compromissos do governo, como a dívida pública.
“O medo do investidor é que isso [não pagamento] abra portas para acontecer em outras esferas”, afirmou. Fernando Hadba, responsável pela área de renda fixa da empresa de análises financeiras Eleven Financial, apontou um conjunto de fatores influenciando as taxas. Entre eles, as expectativas de maiores inflação e juros, o que é alimentado pela previsão de mais despesas geradas por medidas como a PEC dos Precatórios.
“O compromisso de ser austero com uma inflação mais baixa perdeu um pouco da credibilidade. Eu reajo, como? Ah, agora você [governo] quer emitir mais um título de renda fixa? Eu [investidor] só aceito com a taxa de juros mais alta”, afirmou.
Os juros mais caros elevam o custo médio da dívida do Tesouro, que chegou a 7,79% ao ano em setembro. O total da dívida pública federal em estoque é de R$ 5,4 trilhões.
Procurado, o Tesouro afirmou que monitora o mercado de títulos públicos e que há uma série de fatores elevando as taxas, mas citou três em particular. O primeiro é a alta dos juros em diversas economias para contenção de pressões inflacionárias. O segundo é o aumento do ciclo de alta da política monetária especificamente no Brasil. E o terceiro são as discussões sobre expansão da política fiscal no país, com impacto nas expectativas dos investidores.