Em dois dias de reuniões fechadas com o Banco Central, entre segunda (8) e terça-feira (9), analistas do mercado financeiro foram unânimes quanto ao estrago causado por incertezas fiscais na economia. Com isso, os economistas devem piorar nas próximas semanas as projeções para a inflação e para o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) do próximo ano.
Para muitos, segundo relatos de participantes à reportagem, independentemente dos próximos passos do Congresso na agenda fiscal, o dano já é permanente. A avaliação é que houve perda de credibilidade em relação à âncora fiscal do país, o que impacta indicadores como inflação, taxa de juros e câmbio.
Um dos participantes, que preferiu não se identificar, contou que há uma crise de confiança, de reputação e perda de credibilidade que já leva a economia para outro equilíbrio, mudando expectativas de câmbio, de inflação, de crescimento, de taxa de juros e de dinâmica da dívida pública.
A manobra do governo para driblar o teto de gastos foi mal recebida pelo mercado e levou a uma mudança de postura do BC na última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), no fim do mês passado. Na ocasião, a taxa básica de juros (Selic) foi elevada em 1,5 ponto percentual, a 7,75% ao ano.
A alta foi maior que a indicada na reunião anterior, em setembro, quando sinalizou que subiria novamente a Selic em 1 ponto percentual. O presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, e diretores reiteraram em eventos dos quais participaram ao longo das últimas semanas que o plano era manter esse ritmo nas decisões seguintes.
Na semana anterior ao Copom, no entanto, o governo e seus aliados no Congresso inseriram na PEC (proposta de emenda à Constituição) que adia o pagamento de precatórios uma mudança na regra de correção do teto de gastos que, na prática, expande o limite das despesas federais com o objetivo principal de financiar o novo programa social do governo, o Auxílio Brasil, que substitui o Bolsa Família.
Diante disso, o BC teve que acelerar o ritmo de aperto monetário para tentar levar a inflação de 2022 e 2023 à meta.
O ruído fiscal em torno do possível rompimento do teto de gastos fez com que economistas piorassem as projeções para o próximo ano.
De acordo com o boletim Focus desta semana, em que o BC divulga expectativas do mercado, a Selic deve terminar 2022 em 11% ao ano, a inflação a 4,63% e o PIB deve crescer 1%. Há quatro semanas, as estimativas eram de 8,75% ao ano, 4,17% e 1,54%, respectivamente.
Um dos participantes resumiu que há consenso sobre os danos produzidos pelas incertezas fiscais e também de que haverá desaceleração econômica e queda da inflação em 2022. Os economistas, contudo, divergem sobre a intensidade da queda da atividade e da desinflação.
Segundo relatos, parte dos economistas diz acreditar que a inflação ficará entre 5% e 6% no próximo ano e outra parte que acha que a desaceleração do índice será maior, 4% e 5%.
Os analistas apresentaram ao BC projeções mais baixas para o PIB com crescimento abaixo de 1% e mostraram preocupação com a possibilidade de retração em 2022.
Um dos participantes contou que todos concordaram que houve uma quebra fiscal relevante. Segundo ele, alguns estão mais pessimistas, outros acham que há exagero na reação do mercado, embora concorde que o movimento de perda de confiança foi significativo.
Outro convidado afirmou que há dúvidas quanto ao patamar que chegará a taxa básica de juros, já que com o novo nível do dólar (em torno de R$ 5,50) seria difícil que o BC conseguisse colocar a inflação no centro da meta em 2022. Para ele, ainda assim, haveria uma desinflação importante, de 9% para 5%.
Com o aumento das incertezas, alguns analistas apresentaram intervalos para as suas projeções, normalmente é apresentado apenas um número para cada indicador.
Nessas reuniões, que ocorrem a cada trimestre, o BC não se pronuncia, apenas ouve análises, demandas e preocupações dos economistas. Os encontros, feitos em dois dias e divididas em três grupos, antecedem a publicação do Relatório de Inflação.