À medida que as projeções inflacionárias são divulgadas, somado aos resultados fiscais da economia nacional, a preocupação é reforçada e guia o tom do mercado.
Os agentes do setor financeiro voltaram a demonstrar apreensão em relação ao equilíbrio das contas públicas. A divulgação do relatório bimestral de receitas e despesas, que apresentou uma redução na contenção total de R$ 15 bilhões anunciada anteriormente, gerou frustração entre os investidores.
Essa revisão fiscal, vista como menos rigorosa do que o esperado, desencadeou uma exigência de maiores prêmios de risco, afetando diretamente os juros futuros, além de provocar turbulências nos mercados de câmbio e ações.
“Os resultados fiscais que foram anunciados decepcionaram, não houve contingenciamento. É verdade que a gente pode atingir a meta esse ano mas tem R$ 40 bilhões, que estão fora do arcabouço, especialmente os gastos com o Rio Grande do Sul”, avaliou o Economista-Chefe do Banco Master.
Para somar, as contas do setor público consolidado registraram um déficit primário de R$ 21,4 bilhões em agosto, conforme dados divulgados pelo Banco Central na última segunda-feira (30).
O déficit primário ocorre quando as despesas superam as receitas obtidas com impostos, excluindo os gastos com juros da dívida pública. Se as receitas superam os gastos, há superávit. O dado inclui o desempenho do governo federal, além de estados, municípios e estatais.
Apesar de negativo, o resultado representa uma melhora em comparação com o mesmo período do ano anterior, quando o déficit alcançou R$ 22,8 bilhões. Ainda assim, o dado foi lido sem ânimo pelos especialistas.
Além disso, em agosto, o setor público consolidado registrou um déficit nominal de R$ 90,381 bilhões, conforme dados divulgados pelo Banco Central. No mês anterior, julho, o déficit nominal foi ainda maior, somando R$ 101,472 bilhões.
Para efeito de comparação, em agosto do ano passado, o saldo negativo foi de R$ 106,561 bilhões. No ano, até agosto, o déficit nominal do setor público é de R$ 690,078 bilhões, ou 9,09% do PIB (Produto Interno Bruto).
“O déficit nominal assustador, que dá quase 10% do PIB, que não é pouca coisa”, destaca Paulo Gala. “Não é nenhum absurdo imaginar a dívida pública com 90% do PIB nos próximos anos”, completou.
Fiscal x monetário
Em relatório mensal do Itaú BBA assinado pelo economista Victor Natal, destaca que o Banco Central do Brasil, com sua decisão de elevar os juros, reforçou o compromisso de combater a inflação, e reforçou que a situação fiscal preocupa investidores.
O aumento de 0,25 p.p. na Selic, que levou a taxa para 10,75%, não surpreendeu o mercado, mas o comunicado do Copom deixou dúvidas sobre a extensão do ciclo de alta.
“O crescimento do PIB no segundo trimestre de 2024 trouxe otimismo, a economia cresceu 1,4% no período, superando a expectativa do mercado (0,9%)” destacou.
Enquanto isso, o contexto demonstrou uma inflação controlada, com o IPCA de agosto mostrando leve deflação (-0,02%) e o IPCA-15 de setembro registrando alta moderada de 0,13%, em contraste com as preocupações fiscais, especialmente após o governo reduzir a contenção de despesas e aumentar gastos fora do arcabouço fiscal.
Cenário econômico desafiador
O Boletim Focus divulgado na última segunda-feira (30) destaca um cenário desafiador para a economia brasileira, com a expectativa da taxa Selic alcançando 11,75% em 2024 devido à inflação persistente e questões fiscais.
João Kepler, CEO da Equity Fund Group, enfatiza que “as incertezas globais e a atração de investimentos externos podem oferecer oportunidades para um crescimento mais robusto no futuro, mas a cautela permanece diante da pressão inflacionária e do aumento dos custos, como energia e empregos.”
Volnei Eyng, CEO da Multiplike, complementa que, embora “o juros alto é necessário para ancorar a meta da inflação,” a desvalorização do real pode beneficiar o setor exportador, contanto que o Banco Central mantenha um controle rigoroso sobre a política monetária.
Alex Andrade, CEO da Swiss Capital Investments, alerta que “as incertezas fiscais, a pressão da inflação e o aumento dos custos criam uma tempestade perfeita que obriga o COPOM a subir os juros para manter o poder de compra do brasileiro.”
Por sua vez, Carlos Braga Monteiro, CEO do Grupo Studio, observa que “o cenário global e a atração de investimentos externos podem impulsionar a economia no longo prazo,” mas destaca a necessidade de cautela em meio a pressões inflacionárias.
Fábio Murad, sócio da Ipê Avaliações, resume a complexidade do cenário: “Este cenário exigirá um equilíbrio delicado entre o controle da inflação e o estímulo ao crescimento econômico nos próximos anos.”
Gastos governamentais preocupa mercado
A preocupação do mercado com os gastos governamentais é um tema central nas análises econômicas atuais. Segundo o Economista-Chefe, Paulo Gala, “quanto mais o governo conseguir combater esse excesso de gasto fiscal e deixar as despesas dentro do arcabouço, mais o Banco Central brasileiro poderá cortar os juros lá na frente.”
Entretanto, ele ressalta que, por ora, “ele deve continuar aumentando, e a Selic deve chegar em pelo menos 12% em pequenos passos de 0,25%.”
A situação da economia se mostra aquecida, com um desemprego baixo e um crescimento superior a 3%, mas isso está acompanhado por uma inflação pressionada por um impulso fiscal crescente.
Gala observa que “o fato é que o Ministério da Fazenda está lutando para controlar os gastos, mas não está fácil.”
Essa dificuldade em equilibrar o crescimento com a sustentabilidade fiscal se reflete nos dados do CAGED e do PNAD da semana passada, que revelam um impulso fiscal de demanda muito forte, o qual, embora impulsione o crescimento, também pressiona a inflação e levanta preocupações sobre o aumento da dívida pública.