O risco de uma estagflação global -ou pelo menos de um período de crescimento mais baixo com inflação um pouco mais elevada- entrou novamente no radar dos economistas.
As expectativas são de uma inflação mais persistente, amplificada recentemente por um choque nos preços da energia. A fragilidade e a desigualdade na recuperação da economia mundial, no entanto, colocam bancos centrais e autoridades de diversos países diante do dilema de ter de controlar a alta de preços sem derrubar drasticamente a demanda.
Várias instituições multilaterais, como FMI (Fundo Monetário Internacional), Banco Mundial e OCDE (grupo que reúne grandes economias avançadas e emergentes), já alertaram para o risco da retirada abrupta de estímulos econômicos conjugada com uma rodada de aperto monetário que já começou em diversos países em desenvolvimento, entre eles, o Brasil.
A estagflação é caracterizada por uma economia com inflação em alta e que não cresce. Ou seja, uma situação em que estímulos fiscais e monetários não geram crescimento e contribuem para a alta dos preços.
Para alguns analistas, o cenário mais provável para os próximos anos seria um crescimento mais moderado do que na década passada. E com a volta de pressões de preços que não se viam há pelo menos 30 anos em nível global, mas ainda distantes do patamar de dois dígitos em economias desenvolvidas.
A alta da inflação verificada desde a reabertura de algumas atividades no segundo semestre do ano passado é explicada por gargalos de oferta provocados pela pandemia que geram falta de produtos. Há ainda um desequilíbrio da demanda, ora concentrada em bens, ora em serviços, além de excesso de estímulos fiscais e monetários, segundo analistas.
O aumento de custos atinge empresas e famílias. No primeiro caso, impõe dificuldades à produção e incertezas que adiam investimentos. Também corrói a renda das pessoas, em um contexto de alto desemprego em vários países e aumento crescente nos preços de alimentos.
Emerson Marçal, coordenador do curso de Economia da FGV EESP (Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), afirma que o cenário de crescimento econômico combinado com inflação baixa vistos nos últimos anos, dentro daquilo que ficou conhecido como “grande moderação”, ficou para trás. Pelo menos até que o sistema econômico tenha se reorganizado e superado todas as restrições colocadas pela pandemia.
“Estagflação é um termo muito forte. O que a gente deve ter agora é um crescimento mais baixo, principalmente ao longo dos próximos anos. A inflação ficou fora do radar, principalmente nos últimos dez anos no mundo, e o que aconteceu é que ela está voltando”, afirma.
Marçal avalia que os bancos centrais vão agir para colocar a inflação nos trilhos, o que deve levar o mundo a um crescimento um pouco mais baixo no período pós-pandemia. Ele descarta o risco de um descontrole dos índices de preços.
Para o economista, o cenário de juros baixos em todo o mundo que marcou boa parte da década passada também pode ter ficado para trás, outro fator que deve ter repercussões aqui no Brasil.
“O Brasil já estava estagnado antes da pandemia. Agora, voltará a ter crescimento baixo com pressão inflacionária.”
A professora Juliana Inhasz, coordenadora do curso de Economia do Insper, afirma que a economia mundial pode enfrentar um período pontual de estagflação, mas com intensidade e duração bem inferiores a episódios vistos no século passado.
Para ela, é difícil acreditar que a retirada de estímulos e os choques de preços levem as grandes economias a passar por um longo período de estagnação, com uma inflação de dois dígitos em países desenvolvidos, como na década de 1970.
Entretanto, avalia que é importante ajustar as políticas fiscais e monetárias para evitar o risco de uma inflação galopante.
“É um equilíbrio delicado. Os governos vão ter de conciliar uma política que, do ponto de vista econômico, é a ideal, retirar estímulos monetários e ajustar políticas fiscais, em detrimento de uma piora das condições sociais no curto prazo”, afirma.
“Vão ter de avaliar o quanto conseguem ajustar, para que voltem a crescer sem uma inflação que possa gerar não só um problema local, mas global.”
Walter Franco, professor de Macroeconomia no Ibmec SP, avalia que a alta da inflação não é algo temporário e reflete um exagero nos estímulos fiscais e monetários na reação aos efeitos econômicos da pandemia, além dos gargalos de oferta.
Para ele, ainda levará tempo para normalizar linhas de produção que foram interrompidas, o que deve manter alguns preços elevados, mesmo com ações dos bancos centrais de aumento de juros.
Mesmo com a revisão desses estímulos, ainda haverá por muito tempo um colchão de recursos para estimular a demanda mundial, segundo Franco. Por isso, ele discorda da avaliação de que o mundo entraria em um período de estagnação econômica com a revisão dessas políticas.
“Talvez o crescimento não tenha um componente tão vibrante. Há a possibilidade de uma inflação com um crescimento um pouco menor do que gostaríamos, inclusive porque será necessário um aperto monetário, mas não devemos ter uma recessão”, afirma.