O aumento da taxa Selic em 1 ponto percentual, para 11,75%, anunciado nesta quarta-feira (16), ainda não chegou às taxas de crédito imobiliário, mas pode ser um risco para quem comprou um imóvel na planta nos últimos anos e vai receber as chaves em 2022.
Simulação feita pela plataforma de crédito imobiliário MelhorTaxa, comparando as condições de financiamento imobiliário de março de 2020 com as atuais, aponta que o custo efetivo total do crédito já subiu de 8,25% ao ano para 10,06%. Na época, a média dos juros cobrados para o financiamento era de 7,49%.
Uma pessoa com cerca de 30 anos, que comprasse um imóvel de R$ 400 mil e, com a retirada de 30% de entrada, precisasse financiar R$ 280 mil, pagaria no final do contrato R$ 618.692,61.
Já neste ano, o mesmo financiamento custaria, no final, R$ 689.495,28, diferença de quase R$ 71 mil.
Além do maior valor gasto, o aumento da taxa de juros significa que é preciso comprovar uma renda maior. Se em 2020 era necessário ter uma renda de R$ 8.517,74 para conseguir o financiamento de R$ 280 mil, hoje o valor subiu para R$ 9.825,27, e poderá aumentar ainda mais caso os bancos elevem as taxas.
A renda mínima necessária afasta novos compradores, que podem adiar a decisão da compra, e é um risco para quem comprou imóvel na planta há dois, três ou quatro anos, e recebe as chaves em 2022.
Nesse tipo de compra, o dono do imóvel só começa a pagar o financiamento efetivamente quando o imóvel é entregue. Se não tiver como comprovar a renda exigida para conseguir o crédito, pode ser forçado a fazer um distrato, e pagar multa que varia de 25% a 50% do valor do imóvel.
“Ela pode financiar junto à construtora ou tomar crédito ainda mais caro com bancos menores que estão precificando esse risco”, diz Paulo Chebat, CEO da MelhorTaxa. Se não conseguir pagar, perde o imóvel.
Segundo levantamento da plataforma, a média neste mês da taxa cobrada pelos cinco principais bancos brasileiros -Banco do Brasil, Bradesco, Santander, Itaú e Caixa- está em 9,33% ao ano, patamar que mantém desde janeiro.
Chebat afirma que um novo aumento nas taxas de financiamento imobiliário é esperado, principalmente porque o Banco Central já sinalizou um novo aumento de 1 ponto percentual para a próxima reunião do Copom, mas que não deve seguir o mesmo ritmo de elevação da Selic.
“Quando a taxa subiu de 6% para 7%, os bancos acompanharam muito rápido, mas agora que está acima de 10%, o repasse desse aumento tende a ser menor e mais alongado”, afirma.
Ele analisa que as grandes instituições financeiras não podem subir suas taxas na velocidade da Selic porque isso significaria tornar o financiamento inacessível ao consumidor. “Os bancos de grande porte, que possuem uma carteira de poupança muito grande, vão segurar um pouco, porque têm a obrigação de colocar parte desse dinheiro em crédito imobiliário e precisam de cliente”, diz.
É a mesma opinião de Ely Wertheim, diretor-executivo do Secovi-SP, que prevê aumento de 1 a 1,5 ponto percentual para o crédito imobiliário. “O financiamento imobiliário tem travas, não vai subir no nível da Selic, da mesma forma que não desceu muito quando a taxa básica estava em 2%”, afirma. “Vai continuar sendo o crédito mais barato que tem”.
Mesmo sem grandes aumentos esperados para o futuro, as taxas cobradas hoje são bem maiores do que há dois anos, quando a Selic atingiu seu valor mínimo de 2% e a média dos juros do financiamento imobiliário ficou em 6,96% ao ano.
Em nota, o presidente da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), Luiz França, afirmou que a entidade entende que o aumento da Selic foi uma medida para conter o processo inflacionário, mas que “seria fundamental que essa elevação não seja repassada às taxas de crédito imobiliário, que é o principal impulsionador do setor da construção”.
O CEO da MelhorTaxa afirma que, por enquanto, não é perceptível um aumento dos distratos, mas que isso pode vir a ocorrer no futuro. O temor é que se repita a onda de desistências registrada em 2015 e 2016, que motivou mudanças nas regras do distrato da compra do imóvel, mais rígidas para o consumidor desde então.
Roy Martelanc, coordenador da FIA Business School, lembra ainda que os contratos de financiamento com taxa fixa são atrelados à TR, que não é mais zerada, o que também aumenta o valor a ser gasto. “A pessoa acostuma que o contato que ela assinou tem taxa fixa, mas não tem. Com os juros altos, a TR não é zero, ela vai pagar mais caro”, afirma.
Wertheim não vê motivo para preocupação com distratos. “Não é um movimento que está acontecendo. Quem comprou apartamento há dois anos está muito satisfeito com o investimento que fez, com a valorização, não vai ser um ponto percentual agora, em um financiamento de 20 ou 30 anos, que vai mudar isso”, diz.
PORTABILIDADE
Se esperar os juros caírem não é uma opção, o que o consumidor pode fazer é tentar renegociar as taxas do seu financiamento com o banco ou pedir a portabilidade para uma instituição que ofereça taxas menores, quando os juros caírem.
Martelanc analisa que é esperada uma redução na Selic e na inflação a partir do próximo ano, o que deve levar a uma redução das taxas de financiamento imobiliário, mas não é possível cravar que isso irá ocorrer.
Enquanto isso, o setor imobiliário deve ter um ano mais difícil do que os dois últimos. “Juros altos atrapalham a venda de qualquer coisa, mas especialmente dos imóveis, que são dependentes de crédito”, diz.
Segundo o diretor-executivo do Secovi-SP, é esperado que o setor tenha de 10% a 15% de queda nas vendas, o que a entidade considera um cenário estável, após os resultados positivos dos últimos anos.