DUBAI, EMIRADOS ÁRABES UNIDOS (FOLHAPRESS) – Um dos embates mais acirrados da polarizada política brasileira, a disputa entre Jair Bolsonaro e João Doria ganhou ares internacionais nesta semana, com o governador tucano de São Paulo fustigando o presidente de Dubai a Glasgow.
Os palcos são a Expo Dubai 2020, a primeira grande feira mundial após a eclosão da pandemia, e a COP26, reunião do clima promovida pela ONU que ocorre na pacata cidade escocesa.
Na Península Arábica, Doria foi bem-sucedido ao atacar a inusitada participação brasileira no evento. Ao custo de US$ 25 milhões (cerca de R$ 140 milhões nesta quinta, 28), o governo federal montou um pavilhão anticlimático no evento aberto este mês.
O grande cubo oco, no qual só há um espelho d’água e um pequeno edifício de dois andares ocupado pontualmente, ganha alguma vida à noite, quando são projetadas em suas paredes de tela cenas da biodiversidade brasileira.
São Paulo investiu R$ 10 milhões, 60% auferidos de patrocinadores, para ocupar o local com 12 horas de shows culturais diários por uma semana desde o domingo (24). São 150 artistas no país árabe.
Foi um sucesso no contexto de uma exposição que ainda luta para atrair visitantes na era da peste: 1,5 milhão de pessoas nos seus primeiros 24 dias, abaixo do necessário para chegar à meta de 25 milhões em seis meses de atrações –o evento foi adiado do ano passado para cá devido à pandemia.
Enquanto a média de visitas diárias oscilou de 5.000 a 8.000 pessoas, a primeira jornada com shows paulistas de música, arte urbana, embaixadinhas e dança juntou 12 mil espectadores. O pico de visitantes, 20 mil, ocorreu antes do evento paulista, no dia 21.
Mas o resultado gerou ciúmes. A Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), responsável pelo pavilhão, assumiu para si a paternidade dos eventos paulistas, publicando em seu site a “semana da cultura brasileira”, ainda que o local tenha sido transformado com um palco e o onipresente símbolo “São Paulo Expo Dubai”.
“É vergonhosa a atitude da Apex ao ignorar as ações que São Paulo está fazendo na Expo Dubai para promover o Brasil. Em vez de somar e agregar, prefere dividir”, disse Doria.
Alguns secretários estaduais presentes fizeram coro. “Era um cubo vazio, uma tela em branco. Nós literalmente salvamos a pátria”, afirmou o titular da pasta da Cultura, Sérgio Sá Leitão.
“O crédito deveria ser dado ao estado”, disse Vinicius Lummertz (Turismo). “São Paulo levou vida àquele pavilhão, salvou o Brasil naquela exposição”, completou o secretário da Agricultura, Itamar Borges.
A Apex não quis entrar na polêmica, dizendo apenas que o pavilhão está aberto a qualquer estado interessado –houve delegações de lugares como Bahia e Paraná, mas sem a intervenção incisiva paulista.
“Todas as exibições recebidas no pavilhão são tratadas como atrações nacionais”, afirmou o comissário da Apex na Expo, Elias Martins.
Em comparação com superproduções da Expo, como o pavilhão alemão, que emula um campus universitário, ou o da Arábia Saudita, que faz uso arrebatador de grandes telas em experiências imersivas, o resultado é decepcionante.
O local também tem uma lojinha, onde canecas com a palavra Brasil são vendidas ao equivalente a R$ 45. Não há nada ligado à imagem do governo federal ou, como brincaram brasileiros presentes ao local, réplicas das armas tão caras ao bolsonarismo.
O pavilhão brasileiro foi aberto pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Desde setembro, cerca de 70 servidores e políticos visitaram Dubai, celebrando em redes sociais a agenda “meio trabalho-meio passeio” e “top demais”, na definição do secretário Jorge Seif (Pesca).
O custo previsto com as viagens, segundo o jornal O Globo, foi de R$ 3,6 milhões. O presidente Jair Bolsonaro deverá estar presente no pavilhão no próximo dia 15, para celebrar a data nacional.
“Saímos de Dubai com a imagem de São Paulo e por decorrência do Brasil mais forte do que nunca”, diz Gustavo Junqueira, da InvestSP, a agência paulista que organizou o evento estadual.
Doria, envolvido em uma encarniçada disputa com o governador gaúcho, Eduardo Leite, para ser o candidato a presidente do PSDB em 2022, apostou na agenda internacional.
Além da promoção cultural na Expo, ele lidera uma missão de 42 empresários que buscam abrir oportunidades de negócios em encontros com investidores e firmas dos Emirados Árabes Unidos.
Já Martins, da Apex, afirma que os ganhos de imagem são intangíveis, mas que a Expo poderá gerar até US$ 10 bilhões (R$ 55 bilhões) em investimentos diretos no Brasil.
Parece algo otimista. Mesmo a delegação paulista tem evitado quantificar valores nas suas conversas em Dubai, mais exploratórias do que qualquer coisa.
Doria chegou a Dubai na noite de terça (26) e fica até o sábado (30), quando parte para a segunda etapa de seu giro internacional no qual busca diferenciar-se de Bolsonaro, indo para a reunião ambiental COP26, em Glasgow.
Ali, o governador levará projetos de sua gestão. Um, de impacto localizado, é a despoluição do rio Pinheiros, tocada pela Sabesp.
Outro, ainda sendo estruturado e com apelo direto numa aérea em que Bolsonaro é questionado em fóruns internacionais, será o anúncio da criação de um fundo especial para a Amazônia.
Serão cerca de R$ 100 milhões para pesquisas na região, segundo a secretária Patrícia Ellen (Desenvolvimento Econômico), que podem chegar a R$ 500 milhões se a iniciativa privada aderir à ideia.
“Vamos salvar a imagem do Brasil”, disse Borges. Doria diz em que a agenda ESG (sigla inglesa para ambiente, social e governança), que virou um pré-requisito mundial para fazer negócios com grandes fundos, está no topo das prioridades na Escócia.
“Sabemos que o Brasil está sendo cobrado, e por isso conversei com os outros nove governadores que irão a Glasgow para ter uma posição única”, afirmou o tucano.