A demora na aprovação pelo Congresso e na sanção pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) da lei sobre divisão do ICMS nas vendas interestaduais deve provocar uma nova batalha judicial em torno do tema.
Está em jogo uma arrecadação de R$ 9,5 bilhões em 2022, valor que representa cerca de 2% da receita anual com esse tributo. Proporcionalmente, estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste tendem a ser mais prejudicados.
O presidente sancionou nesta quarta-feira (5), sem vetos, uma proposta que regulamenta a cobrança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) na venda de produtos e serviços nos casos em que o consumidor final reside em um estado diferente de onde o item foi originado -caso das compras feitas online.
A lei era uma exigência do STF (Supremo Tribunal Federal) para garantir, a partir de 2022, o recolhimento de parte do imposto nas vendas dos estados produtores para aqueles onde estão os consumidores.
A cobrança do chamado Difal ICMS -diferença entre o tributo na origem e no destino- começou em 2015, após aprovação de uma Emenda Constitucional e assinatura de convênio entre os estados.
Após uma longa disputa judicial, o Supremo declarou no início de 2021 que a tributação era inconstitucional, devido à falta de regulamentação por lei complementar. Mas permitiu aos estados manterem a cobrança até final do ano passado, para não prejudicar o caixa desses entes.
A adoção dessa modalidade de recolhimento tenta equilibrar a repartição do ICMS diante do aumento do comércio pela internet, em que um produto é produzido num estado, mas pode ser estocado num centro de distribuição e vendido em outros locais.
Ou seja, a ideia é que o recolhimento do ICMS não se concentre apenas nos estados produtores, podendo ser dividido também com estados em que estejam os consumidores finais.
A proposta de lei complementar aprovada no Senado em 20 de dezembro, e sancionada agora, possui um artigo que remete aos princípios constitucionais que só permitem cobrança de novos tributos ou aumento de alíquotas após 90 dias -respeitando também a questão da anterioridade anual.
Por isso, especialistas e empresas entendem que a diferença do ICMS no destino só pode ser cobrada a partir de 2023.
Já os secretários de Fazenda dos estados afirmam que a cobrança é imediata. Para eles, não há instituição de imposto ou aumento de alíquota que justifique a questão da anualidade.
“O que tem nessa norma de instituição ou aumento de tributo? Nada. O que a norma continua regrando é a divisão da tributação nas operações interestaduais”, afirma André Horta Melo, diretor institucional do Comsefaz (comitê nacional de secretários de Fazenda).
“Hoje se retomou a cobrança normal, como vinha desde 2015, sem alteração. O que trouxe alguma dificuldade para essa discussão foi o fato de não ter sido sancionado até dia 31 [de dezembro]. Teve esse soluço de quatro, cinco dias. Então isso dá margem a bastante discussão.”
Para o Comsefaz, o Legislativo não colocou na norma a data em que ela entra em vigor. Portanto, aplica-se o artigo 6º da lei geral das normas brasileiras: quando a vigência não for apontada especificamente, os efeitos são imediatos.
Pedro Siqueira, sócio do escritório Bichara Advogados, afirma que o Legislativo optou por colocar no artigo 3º da lei complementar que devem ser observados os princípios da anterioridade. Portanto, os contribuintes vão defender a tese de que a cobrança só é válida a partir de 2023.
Ele afirma que tem orientado os clientes a só deixar de recolher o tributo e fazer o depósito judicial após ingressar com ação judicial. Como é uma questão que deve se arrastar por muito tempo nos tribunais e não pode ser descartada a possibilidade de nova vitória dos estados, ele diz acreditar que as empresas devem continuar repassando o ICMS total para os consumidores.
“Certamente vai ter discussão judicial em relação à produção dos efeitos dessa lei e a possibilidade da cobrança do Dial ainda em 2022”, afirma Siqueira, para quem a discussão deve chegar novamente ao STF e se arrastar por, pelo menos, quatro anos.
Segundo a Confirp Consultoria Contábil, se um produto é vendido de São Paulo para a Bahia, por exemplo, com alíquota do ICMS na operação interestadual de 7%, este percentual é devido para São Paulo. Se o mesmo produto na Bahia tem alíquota de 18%, o vendedor paulista teria que recolher o Difal (de 11%) para o estado onde está o comprador, no Nordeste.
Se a legislação não puder ser aplicada neste ano, esses 11% não serão recolhidos -desde 2015, não existe mais a previsão de recolhimento da alíquota cheia na origem. O diretor tributário da consultoria, Welinton Mota, também afirma que, para o ICMS, prevalece o princípio da anterioridade anual. “Significa dizer que, respeitada essa última regra constitucional, a produção de efeitos inicia-se apenas em 2023.”
A empresa avalia que isso poderá levar à retenção de mercadorias na divisa dos estados e que varejistas terão de lançar mão de medidas cautelares para garantir que as mercadorias cheguem até o consumidor final.
Para que valesse a partir de 1º de janeiro de 2022, a medida deveria ter sido aprovada e sancionada até outubro do ano passado, segundo a consultoria.
A Difal se aplica nos casos em que o destinatário do produto se localiza em outro estado e não é contribuinte de ICMS, o que é o caso das pessoas físicas.
O crescimento do comércio eletrônico foi um dos fatores que impulsionaram a guerra fiscal no começo da década passada. Isso ocorreu porque estados que funcionam como polos de produção e comercialização passaram a centralizar a arrecadação de ICMS, incentivando a concessão de benefícios fiscais para atrair centros de distribuição.
O Congresso buscou solucionar essa questão por meio da emenda constitucional de 2015. O texto definiu que, nas compras online, caberia ao estado de origem apenas a alíquota interestadual do ICMS, ficando o de destino com a diferença entre sua alíquota interna e o que já foi cobrado na origem.
Com isso, as unidades da federação onde estão localizados centros de distribuição de mercadorias para revenda eletrônica a todo o Brasil passaram a ratear o ICMS com os estados de destino dessas mercadorias.