O dólar chegou a sua 2ª maior valorização histórica na semana passada, em um cenário que se moldou às margens do estresse do mercado com a questão fiscal brasileira. Analistas indicaram que sem uma visão de sustentabilidade do arcabouço fiscal a longo prazo, essa tensão deve se intensificar.
O dólar chegou a R$ 5,86 na sessão da sexta-feira (1º), fator que pressionou ainda mais a equipe econômica do governo, que vinha prometendo a divulgação do novo pacote de contenção de gastos públicos para depois das eleições municipais.
Nessa esteira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e o braço econômico do governo Lula começaram esta semana intensificando os trabalhos com a definição dos termos do pacote. O ministro cancelou a viagem à Europa a pedido de Lula para se debruçar sobre o plano de gastos.
Na avaliação de Jefferson Laatus, chefe-estrategista do grupo Laatus, o mercado está sedento por informações, e se nada for apresentado logo, visando este ano e o próximo, o estresse será maior.
“O cancelamento da viagem do Haddad é uma sinalização positiva, mas ao mesmo passo coloca uma pressão maior ainda de que é preciso urgentemente entregar um pacote de corte coerente, que possa ser usado a longo prazo, não algo pontual”, afirmou.
Na visão do estrategista, esse feito se mostra difícil para Haddad no momento, pois todas as opções apresentadas ferem alguma pasta do governo, ou “alguma questão popular”.
“O rali de Natal que todo mundo espera no final de ano pode não acontecer e pode ser sim uma sangria de natal. Não dá para descartar a possibilidade até mesmo de um dólar a R$ 6,00”, apontou o analista.
Dólar deve encarar sessões voláteis pela frente
Por mais que exerça um forte papel, o compromisso fiscal do governo brasileiro não é o único fator que incide sobre o dólar nos últimos dias. As eleições dos EUA e as expectativas para os demais indicadores da economia brasileira devem fazer preço sobre a moeda, disseram especialistas.
O mês de outubro, ressaltou João Fossaluzza, vice-presidente da ATTO Empresarial, aumentou a desconfiança dos investidores com a Bolsa brasileira e a questão fiscal, por isso, mesmo que o foco demonstrado pelo governo com esse tópico desde o final da semana imprima uma sensação de compromisso, será preciso mais.
“Além de um corte de gastos (que o Brasil realmente precisa), o mercado espera que o governo promova reformas estruturais essenciais, como a reforma tributária e a reforma administrativa visando um menor gasto público. Essas reformas são vistas como fundamentais para aumentar a eficiência do gasto público e melhorar a arrecadação”, apontou Fossaluzza.
Nesse mesmo hall, Rodrigo Cohen, analista de investimentos e co-fundador da Escola de Investimentos, alertou que os investidores precisam seguir com o pé atrás se tratando do dólar, e ser seletivo na escolha das operações, pois qualquer notícia pode mexer com a moeda.
“Inclusive, o Boletim Focus veio mais uma vez bem ruim com uma piora para o dólar. Dados bem ruins que acabam corroborando para a decisão do BC de subir juros. Os dias de apuração em relação às eleições nos EUA também vão contribuir para essa volatilidade na moeda, sem dúvidas”, afirmou Cohen.
Para este ano, o relatório Focus do BC (Banco Central) indicou estimativas de que o dólar encerre a R$ 5,50, ante R$ 5,45 anteriores. E também projetou crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) de 3,08% para 3,10%.
Já as expectativas para o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) cresceu de 2024 cresceu de 4,55% para 4,59%. Enquanto a projeção da Selic (taxa básica de juros) seguiu em 11,75% a.a.
Quanto às eleições norte-americanas, Jefferson Laatus analisou que, mesmo sendo compreensível a apreensão, é improvável que haja mudanças significativas na política monetária do país com os candidatos atuais – Kamala Harris e Donald Trump.
“Kamala Harris deve manter a continuidade da administração Biden, enquanto Donald Trump não trouxe alterações drásticas durante seu último mandato”, lembrou.
Apesar de ambos terem planos de estimular a economia, os de Trump podem gerar preocupações inflacionárias e fiscais, além de uma postura mais agressiva comercialmente que pode refletir mal sobre os EUA.
“As decisões sobre juros dependerão principalmente do controle da inflação e não dos resultados das eleições. Porém, qualquer um dos cenários pode sim afetar o Brasil”, disse Laatus.
O foco do mercado com a Bolsa e o dólar, segundo ele, deve ser mais nas projeções inflacionárias do que nas incertezas eleitorais.