O mercado financeiro já tem em mãos um novo passo da política monetária do Copom (Comitê de Política Monetária) decidiu na noite desta quarta-feira (29) subir a taxa de juros para 13,25% ao ano. A intenção é controlar a inflação, no entanto, o radar do mercado já começa a apitar novamente para o tópico dominância fiscal, uma possibilidade a qual os analistas ainda divergem.
A dominância fiscal acontece quando a política fiscal se sobrepõe à política monetária, nesse caso, os esforços do BC (Banco Central) para controlar a inflação começam a perder o efeito.
Para o especialista em mercados da Star Desk, Felipe Sant’Anna, esse quadro tende a se concretizar, dependendo da postura do governo federal com os gastos públicos.
“Estamos comemorando a evolução do PIB enquanto o governo está injetando dinheiro em programas sociais, mas tem muito dinheiro público na mão dos consumidores que está pressionando também várias pontas a economia. Se o governo continuar desta forma, teremos um quadro de dominância fiscal muito complexo”, disse.
O especialista ainda apontou que o governo tem perdido a credibilidade nesse campo há muito tempo, e que o pacote de medidas fiscais anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no final do ano passado foi “pífio”.
“O sistema financeiro que vinha passando um pano para o governo, tentando convencer os outros pares a acreditar que daria certo, até essas pessoas já jogaram a toalha, já saíram da Bolsa brasileira e o cenário tende a se deteriorar agora no retorno efetivo do congresso”, explicou.
Por outro lado, a proximidade da dominância fiscal não é uma visão compartilhada por todos os analistas, visto que Aroldo Luiz dos Santos, economista e delegado do Corecon-SP, afirmou não acreditar que o Brasil corra esse risco.
“Se analisarmos, o IPCA 15 vem perdendo força, em janeiro de 2024 era 0,31, em fevereiro 0,78, em novembro 0,62 e em dezembro 0,34, mas em janeiro deste ano caiu para 0,11. Portanto, a pressão inflacionária está vindo dos alimentos”, comentou.
Alguns agentes do mercado financeiro já tem precificado, frente às expectativas desancoradas para a inflação, que a Selic pode chegar a 15% a.a. este ano. Este patamar de juros, na visão de Sant’Anna, ainda não deve ser suficiente para segurar a inflação. Porém, Aroldo Luiz não vê a taxa chegando a um nível tão alta, parando em prováveis 14,25% a.a., que deve se mostrar suficiente para segurar o aquecimento da economia, que inclusive, já demonstra sinais de desaceleração.
Governo e BC precisam se alinhar para evitar dominância fiscal
Alguns desses sinais de desaceleração já são percebidos no Monitor do PIB (Produto Interno Bruto) da FGV (Fundação Getúlio Vargas), por exemplo. Porém, mesmo que a política monetária comece a fazer efeito no longo prazo, os especialistas ainda reforçam a necessidade de que ela caminhe junto às medidas fiscais do governo.
O CFO da EntrePay, Marcio Saito, integra o grupo de acredita que a Selic pode ir muito além dos 15%, mesmo que o nível de emprego e registros formais venha a cair. Para ele o Brasil já está operando em dominância fiscal.
“São poucos os momentos em que a dominância monetária prevaleceu e para reduzí-la, o governo e o Banco Central precisam trabalhar de forma mais alinhada, sempre respeitando a autonomia de cada um”, afirmou.
O especialista citou que as movimentação do governo, que além de cumprir “raramente” suas metas fiscais também elabora o orçamento sem considerar os impactos sobre a política monetária, acabam jogando as consequências para o BC.
“No fundo, acredito que o problema é ainda mais profundo e de natureza política, algo que, sinceramente, não vejo sendo resolvido nem no longo prazo”, observou.
Por sua vez, Marcelo Bolzan, estrategista de investimentos e sócio da The Hill Capital, diz não ver os juros brasileiros avançando mais longe que a casa dos 14% e que a dominância fiscal não deve ser uma realidade, com a política monetária fazendo efeito no longo prazo. Contudo, ele concordou com a análise de Saito quanto ao alinhamento no lado econômico e monetário.
“Para isso [dominância fiscal] acontecer significa que o governo deveria continuar fazendo essas medidas de aumento de gastos, o que não acreditamos. Não achamos que virá um super pacote, medidas adicionais para conter os gastos, mas não acreditamos também que eles vão continuar acelerando o ritmo de gastos”, esclareceu Bolzan.
Ambos os especialistas concordaram que o impacto maior da elevação dos juros deve ser sentido a partir do segundo semestre deste ano.
“Um ponto relevante é o sinal dado pelo aumento no registro de pessoas contratadas. Se a LIT não está cumprindo o projetado, esse fator pode influenciar bastante na desaceleração da economia”, finalizou Marcelo Saito.
Enquanto isso, a análise de Bolzan é que o número do PIB, que deve ter fechado 2024 em torno de 3,5% conforme as expectativas, comece a recuar na segunda metade do ano, com grandes chances do Brasil entrar em uma recessão técnica, quando a economia cai por dois trimestres consecutivos.
“A política monetária vai trazer um cenário desafiador para a economia de desaceleração da atividade, aumento de desemprego e esses são fatores que tem que acontecer para a economia ceder. Ainda assim, a inflação no nosso cenário aqui vai ficar por volta de 5,5% neste ano”, projetou o executivo.