A flexibilização do teto para turbinar o Bolsa Família e sustentar outros gastos pode levar a um aumento de despesa de até R$ 160 bilhões, ou 1,7% do PIB (Produto Interno Bruto) em relação ao que está proposto na atual versão do Orçamento.
Segundo cálculos do economista Marcos Mendes, um dos pais do teto de gastos, o aumento representaria uma inflexão na trajetória da despesa pública, que em 2021 deve fechar em torno de 18,7% do PIB, para 19%.
Também reverteria a tendência atual de redução do déficit primário, que deve fechar 2021 em torno de 1,3%, para 1,7%, segundo ele.
Esse aumento da despesa ocorreria em um cenário mais pessimista, em que o governo conseguiria deixar os R$ 89 bilhões em despesas com precatórios (dívidas judiciais) fora do teto de gastos.
“Isso abriria espaço para se pagar, dentro do teto, não só as emendas de relator e o aumento do fundo de campanha, mas também outras medidas, como o auxílio-gás, a desoneração da folha e o auxílio aos agricultores familiares”, diz Mendes, que também é pesquisador do Insper.
Além disso, haveria um aumento do auxílio emergencial dado aos invisíveis -que receberam o benefício, mas não estavam no Bolsa Família antes da pandemia- para R$ 400, fora do teto.
A proposta de aumento do Auxílio Brasil, o substituto do Bolsa Família, para R$ 400 é uma das principais bandeiras do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que deve tentar a reeleição no ano que vem.
Entre os analistas, no entanto, causam preocupação tanto o desenho do novo programa como a fonte de recursos para financiá-lo.
Para conter esses temores, o presidente garantiu nesta quarta (20) que vai respeitar o teto de gastos, um dia após o impasse sobre a origem dos recursos e forte reação do mercado financeiro por causa desse movimento.
O ministro Paulo Guedes (Economia), no entanto, apresentou ideia em avaliação que pode furar o teto, durante evento de incorporadoras no fim da tarde desta quarta.
“O que o governo está tentando fazer é dar para os mais pobres com uma mão e tirar com a outra. As incertezas jogam o câmbio para o alto e a inflação também, esses R$ 400 vão acabar sendo corroídos. Além disso, o desenho do programa de assistência que está sendo criado importa, não apenas o valor do benefício”, avalia Mendes.
Para o economista João Leal, da gestora Rio Bravo, o crescimento econômico no ano que vem pode ficar entre zero e 0,5%, caso ocorra um rompimento do teto. Ele aponta um cenário em que a atividade seria pressionada por uma taxa de juros acima de 10%.
Além desse cenário mais pessimista, Mendes prevê mais três alternativas para que o governo tente equacionar suas ambições de aumentos de despesas.
Em um deles, caso o governo postergasse o pagamento de R$ 50 bilhões em precatórios, como estava previsto em seu plano original, mais da metade desse valor (R$ 26 bilhões) seria corroído pela aceleração da inflação pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor). Esse indicador serve de referência para a atualização do pagamento de benefícios previdenciários e assistenciais.
Sobrariam, portanto, R$ 24 bilhões para aumentar o valor do novo Bolsa Família, além dos R$ 35 bilhões previstos no Orçamento para o programa atual, ou R$ 59 bilhões.
Caso o governo seguisse com sua proposta original para os precatórios e quisesse pagar R$ 400 para 17 milhões de família no novo Auxílio Brasil, conforme sinalizou o presidente Bolsonaro, seriam necessários R$ 82 bilhões, ou gastar R$ 23 bilhões fora do teto de gastos.
“Fica claro que esse cenário não atende ao que os políticos gostariam, por não deixar margem para o pagamento de emendas de relator ou para a elevação do fundo de financiamento de campanha”, diz Mendes.
Ele avalia que é praticamente impossível que os políticos abram mão desses recursos, dada a fraqueza do atual governo. “O presidente não formou uma coalização para governar, ele se rendeu ao centrão. A única resistência ao aumento de gastos hoje é o Ministério da Economia, mas ele perdeu muita força, até por incompetência”, diz.
Um outro cenário previsto por ele seria deixar os R$ 82 bilhões a serem investidos no Auxílio Brasil fora do teto de gastos, deixando espaço dentro do teto para o pagamento de emendas de relator e aumentar o fundo de financiamento de campanha, sem a necessidade de sacrificar os investimentos.
“Sobraria, ainda, espaço para atender outras demandas do parlamento, como a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos, o Auxílio Gás e a transferência de renda a agricultores familiares. Seria possível pagar R$ 59 bilhões em dívidas judiciais dentro do teto, postergando-se apenas R$ 30 bilhões.”
Caso o governo opte por esse caminho, ao se somar toda a despesa primária de 2022 com os precatórios que deixarão de ser pagos, haveria uma despesa primária total de 18,2% do PIB.
Um outro caminho, projeta Mendes, seria o Congresso aprovar, além do novo Bolsa Família, uma prorrogação do Auxílio Emergencial para quem tenha recebido o benefício durante a pandemia, mas não estava incluído no Bolsa Família. Isso levaria a uma despesa de R$ 24 bilhões fora do teto de gastos.
Segundo o economista, o mais relevante nos sinais que estão sendo dados pelo governo não é o tamanho da despesa para o ano que vem, mas a opção por destruir a última regra fiscal que ainda tinha eficácia -o teto de gastos.
“Enfraqueceram a regra de ouro e a LRF [Lei de Responsabilidade Fiscal]. O teto vinha funcionando bem nesse sentido e isso agora vai ser perdido”, diz.
Mendes ressalta que a regra antes do teto era gastar ao máximo e financiar esse gasto com dívida, o que leva o país à crise. “Vamos voltar ao cenário de 2014, partindo de um patamar de dívida ainda mais alto”, avalia.
“O ambiente político atual não permite fazer apostas de qual cenário deve se materializar, mas os que colocam mais despesas fora do teto, como o novo auxílio inteiro, devem ser os mais prováveis”, conclui Mendes.
Ainda que o Congresso coloque limite para o pagamento de precatórios dentro do teto e proíba que se emita novos precatórios além do que o teto permite, essas travas podem esbarrar em contestações dentro do STF (Supremo Tribunal Federal) ou por pressão do próprio Congresso no futuro, diz o economista.