BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Antes de pensar em furar o teto de gastos, que limita o aumento de boa parte das despesas públicas à inflação, o governo federal deveria “cortar a própria carne” e promover uma reforma administrativa que acabasse com os privilégios.
Esta seria a maneira mais eficiente de manter o auxílio aos mais pobres, sem adotar medidas que acabam gerando o aumento do Risco Brasil. Essa é a opinião de empresários da indústria, varejo e serviços ouvidos pela reportagem.
Parte deles avalia ainda que a proposta do ministro Paulo Guedes (Economia) para furar o teto de gastos a fim de financiar o programa que vai substituir o Bolsa Família, o Auxílio Brasil, é puramente “eleitoreira”, sob medida para enfrentar a queda de popularidade do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) às vésperas do ano eleitoral. A iniciativa deve afugentar os investimentos estrangeiros, tendo em vista a insegurança frente ao aumento do déficit fiscal.
“O que o Brasil precisa agora é de um movimento na direção contrária [à proposta de Guedes]”, diz Jeróme Cadier, presidente da Latam Brasil. Na opinião do executivo da companhia aérea -que tem boa parte das suas dívidas em dólar, moeda que beirou os R$ 5,70 nesta quinta-feira (21), em reação à fala de Guedes -, o país precisa encontrar maneiras de ser mais eficiente.
“É preciso que o Brasil gaste menos e, dentro do teto, consiga direcionar o auxílio que a população precisa”, afirma Cadier. “Não uma permissão para furar o teto, sem reduzir os gastos”.
Marcelo Silva, presidente do IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo), concorda. “Defendo pessoalmente a renda mínima, o ser humano precisa comer e viver com dignidade, simples assim”, diz o executivo, que também é vice-presidente do conselho de administração do Magazine Luiza.
“Mas se a gente não faz uma gestão adequada dos gastos públicos, não vai ter imposto que aguente. É preciso fazer uma reforma administrativa que acabe com os privilégios”, afirma o executivo, lembrando que não haverá tempo hábil para a medida por conta do ano eleitoral. “Mas isso deve estar na agenda do Congresso a partir de 2023”.
Na opinião de um alto executivo de uma administradora de shopping centers, que prefere se manter no anonimato, furar o teto de gastos só vai afastar o investidor estrangeiro. Ele afirma que o varejo brasileiro vive um momento de retomada, as pessoas estão mais seguras em voltar a circular, tendo em vista o avanço da vacinação. Mas o retorno fica comprometido, tendo em vista o receio dos investidores em aportar recursos no país em que “não se sabe o dia de amanhã”.
Segundo ele, “esse governo não dá descanso” e praticamente toda semana gera um ponto de conflito institucional ou uma “novidade” para o setor privado – desde a proposta de fixar um índice de reajuste dos contratos de aluguel comercial, até a ideia de mudar a composição do Conselho do Ministério Público, passando pela PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos Precatórios.
Para outro executivo do varejo, com o furo do teto de gastos, o Brasil vive um momento em que “se ficar, o bicho pega, se correr, o bicho come”. Isso porque, se não der o auxílio, o país vai viver uma convulsão social. Mas, se conceder o benefício, vai alargar o déficit público e aí o “Brasil não tem mais jeito”. Na opinião deste executivo, a única coisa que o Brasil precisa é de gestão com integridade.
“Eu acho que sempre haverá desculpas neste país, que precisa administrar a escassez, ao criar razões para fazer o que é errado, sacrificando muito do futuro pelo pouco do presente”, diz Horacio Lafer Piva, membro do conselho de administração da Klabin, fabricante de papel e celulose.
Na opinião do executivo, há soluções e recursos empoçados. “Não se pode continuar com esta insegurança jurídica e estes compromissos de mentirinha. O teto é nossa sobrevivência”, afirma Piva, descendente de um dos fundadores da Klabin, líder na produção e exportação de papéis para embalagens e na produção de embalagens de papel.
Para Nabil Sahyoun, presidente da Alshop (Associação Brasileira de Lojistas de Shopping), milhões de empregos foram perdidos durante a pandemia e o governo precisa encontrar uma maneira de apoiar essas pessoas.”De onde ele vai tirar esse dinheiro? Tem várias formas. O governo deve saber onde buscar dentro do próprio orçamento e, se for o caso, tirar de alguns setores”, diz ele. “Quem sabe desses bilhões, que foram aprovados para o fundo eleitoral?”, questiona.