SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma das signatárias do manifesto em defesa da democracia lançado neste mês, Maria Silvia Bastos Marques se diz animada com a iniciativa da classe empresarial de vocalizar preocupação com a democracia. Ex-presidente de empresas como CSN e BNDES, ela afirma ver avanço na agenda ESG e acaba de assumir, como a primeira brasileira, uma vaga no conselho global da multinacional Vallourec, que também chamou mulheres de EUA e China.
PERGUNTA – Na questão feminina, como avalia a participação das mulheres nas empresas no Brasil?
MARIA SILVIA BASTOS MARQUES – É um processo no mundo que acelerou nos últimos anos. Eu fui a primeira mulher em 100% das posições que ocupei, seja como executiva ou membro de conselho. Não é só no Brasil que isso acontece. Na maioria dos países, se tem um número muito reduzido de mulheres e negros na cúpula das empresas.
A questão de meio ambiente, governança, diversidade e respeito corporativo teve um empurrão na pandemia. A geração de jovens não aceita mais discriminação. As empresas terão de mudar, porque os jovens não vão querer trabalhar em empresas que têm práticas discriminatórias nem consumir produtos delas.
P. – E a entrada no conselho da Vallourec?
MM – É um setor familiar. Eu fui presidente da CSN, que liderou o leilão de compra da Vale. O acordo de acionista da Vale se encerrou no período em que eu estava no BNDES. Nós renovamos esse acordo. São setores que tenho conhecimento, mas o que me atraiu foram algumas questões, como o turnaround. A Vallourec passou por um processo profundo de reestruturação financeira e governança.
Os acionistas de referência hoje são Apollo e SVPGlobal. O Brasil é hoje a operação mais integrada e competitiva do grupo globalmente, a maior parte de sua produção já é exportação. E tem atributos importantes no grupo, como a questão ambiental. Aqui, a Vallourec tem uma operação florestal expressiva, a plantação de eucaliptos. Produz carvão vegetal a partir de suas próprias florestas para alimentar seu alto forno. É sustentável, tecnologia desenvolvida aqui e também na mina, que é uma preocupação desde o caso terrível de Brumadinho. A mina de minério de ferro da Vallourec fica próxima a Brumadinho, mas não tem barragem. Tem um processo de filtragem a seco, o que torna muito segura a operação.
Na mudança da estrutura de governança, a Apollo liderou o processo de trazer conselheiros independentes. E todos os novos são mulheres: uma da China, uma dos EUA, uma do Brasil e uma francesa, que já estava no conselho anterior, mas era um conselho consultivo. Esse é o primeiro conselho de administração de fato com todas as responsabilidades dos conselhos de companhias.
P. – A sra. assinou o manifesto em defesa das eleições neste mês.
MM – Algo que me anima no Brasil recentemente é o envolvimento da sociedade civil. Tínhamos uma atitude de que alguém tem de fazer alguma coisa. Está mudando, desde 2013, com as manifestações. E agora vemos a classe empresarial vocalizando preocupações. É um fenômeno novo e fundamental porque não estamos falando de questões econômicas, mas dos alicerces da democracia, da defesa das instituições. Não podemos ter investimento, empregos, crescimento sustentável, se não tivermos fundação sólida.
Fico feliz de ver os nossos empresários, a nossa elite, seja intelectual ou empresarial, enfim, as pessoas que têm voz usando em benefício do país.
P. – O Brasil de hoje gera questionamento no exterior e afasta investimento?
MM – Certamente não contribui para investimentos, porque nós temos muito barulho. Tivemos a discussão ambiental. Houve fundos e instituições que até deixaram de investir aqui. A questão da democracia também é vista com preocupação nos países desenvolvidos. Quando um grande fundo de pensão estrangeiro quer colocar seus investimentos, é longo prazo. Ele precisa olhar taxa de juro, solidez do nosso sistema jurídico, legislativo, para ponderar riscos.
O Brasil é uma excelente opção de investimento, mas não é a única. Quanto mais tivermos um ambiente com previsibilidade, mais conseguiremos atrair investimento. Estamos falando de crescimento econômico e emprego.
P. – E o ruído na economia, a questão fiscal?
MM – As instituições vêm resistindo. Vamos falar do próprio voto impresso, que foi um imenso barulho, mas, na prática, não aconteceu e não vai acontecer. Estamos cansados de tanto barulho. Existem velhas coisas que preocupam. Temos uma questão estrutural fiscal que foi extremamente agravada no governo Dilma e minimamente melhorada no Temer, que deu condições para que pelo menos enfrentássemos a pandemia.
Mas temos a inflação voltando. Isso reduz a capacidade de consumo. Taxa de forma desigual a renda dos mais pobres. E se reverte em menor crescimento e maior risco fiscal. Continuamos tendo que aprovar as reformas. Embolamos os problemas e postergamos a solução. Nosso ambiente de negócios é muito complexo.
P. – E a terceira via? O que esperar? Lula e Bolsonaro?
MM – Polarizado nunca é ideal. Estamos falando de uma reedição de 2018. O Brasil nunca foi um país rachado até o governo do PT. Não tínhamos a tradição do confronto, que foi se acirrando nos últimos anos, e o auge em 2018. Hoje vemos rejeição dos dois candidatos. Vejo como oportunidade uma terceira candidatura que expresse de forma mais harmônica o desejo dos brasileiros.