Em 2023 houve um rompimento de algumas séries de perdas econômicas que ainda persistiram como reflexos da pandemia de Covid-19. O ano começou sob desconfiança do mercado financeiro diante do novo governo, com previsões pessimistas que não se concretizaram. Mas o cenário também não permitia otimismo, com o início de 2023 sendo marcado por diversas preocupações econômicas. A inflação ultrapassava a meta estipulada pelo Banco Central do Brasil, enquanto a taxa básica de juros do país, a Selic, pairava em torno de 14% ao ano, impactando diretamente o poder de compra das famílias.
Somado a isso, havia incertezas em relação à situação fiscal em meio ao primeiro ano do governo de Lula 3, com Fernando Haddad ocupando o cargo de ministro da Fazenda, gerando um cenário de instabilidade e questionamentos sobre a gestão econômica.
Inflação
Os dados do IBGE mostram que a inflação foi de 5,79% em 2022, número consideravelmente superior quando comparado com a meta do Banco Central de 3,5%, oscilando de 2% a 5%. Na virada para 2023 e ao longo do ano, o mercado acreditava que a inflação iria permanecer acima da meta estimada. No entanto, os brasileiros puderam observar a inflação desacelerar ao longo do ano. Embora os dados oficiais só sejam divulgados em janeiro, a expectativa do mercado é de que o ano seja encerrado com inflação em torno de 4,5%.
“Neste ambiente, o processo desinflacionário observado em 2023 deve continuar ao longo de 2024, mas em velocidade um pouco menor”, avaliou Marianna Costa, economista-chefe do TC.
Os fatores que impulsionaram a queda nos preços foram os meses seguidos de deflação dos alimentos. Somado a isso, houve uma supersafra no primeiro trimestre do ano, impulsionando o barateamento de alguns produtos e favorecendo a população de baixa renda na compra dos mesmos.
Serviços
Ainda nos primeiros meses do ano, o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) deu início a uma alta nos juros, com a finalidade de controlar a inflação. Ao longo de todo o primeiro semestre de 2023, houve uma espécie de quebra de braço. De um lado, o governo federal exercia pressão e fazia críticas aos altos índices de juros. Em fevereiro, o presidente Lula afirmou que não havia justificativa para taxas anuais de 13,5%, que representavam o patamar mais elevado desde janeiro de 2017.
Na outra ponta, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, defendia a manutenção da austeridade em prol do controle da inflação. A redução da Selic pelo Copom só ocorreu a partir da quinta reunião do ano, realizada em agosto.
A diminuição de meio ponto percentual marcou o início de uma fase de relações mais conciliatórias. Com o controle da inflação estabelecida, deu-se início ao ciclo de corte de juros. Essa foi a primeira redução dos juros após um período de três anos sem cortes.
O corte refletia na inflação, mas também no cenário macroeconômico de incertezas fiscais. Além disso, também havia a conjuntura internacional, visto que os Estados Unidos e a Europa também estavam lidando com controle inflacionário em seus respectivos países.
Em dezembro, após a quarta redução consecutiva, a taxa Selic atingiu 11,75% ao ano. O Copom sinalizou planos de realizar mais cortes em 2024, projetando que, ao final do próximo ano, a estimativa dos analistas é que a Selic alcance a marca de 9,25%.
Crédito
O juro mais alto gerou atratividade da renda fixa e piora no investimento produtivo. Isso porque as empresas apresentam maior contenção nos investimentos e o crédito, por sua vez, apresentava-se como menos atrativo, não só para as empresas, como também para pessoas físicas.
Carlos André Marinho Vieira, analista-chefe do TC avalia que a concessão de crédito, que desacelerou em 2023, deve continuar em ritmo fraco de expansão. Espera-se alguma retomada a partir do segundo semestre de 2024, mas ainda abaixo do crescimento médio dos últimos anos.
O Banco Central revisou suas projeções para o crescimento do crédito no país, conforme o úlrimo Relatório Trimestral de Inflação de dezembro. Agora, estima-se um aumento de 6,8% no crédito total para este ano, em comparação com a previsão anterior de 7,3% feita em setembro. Especificamente para as famílias, a expectativa é de um crescimento de 8,6% em 2023, reduzindo a estimativa anterior de 9,9%. Para as empresas, a projeção de elevação foi ajustada para 4,1%, ante 3,4% previstos no relatório anterior.
No que se refere ao estoque de crédito livre, em que as taxas são determinadas livremente entre bancos e tomadores, a previsão do Banco Central foi revisada para uma expansão de 4,8% em 2023, frente à alta de 5,7% anteriormente projetada. Já para o crédito direcionado, que segue parâmetros estabelecidos pelo governo, a perspectiva é de um aumento de 9,7% neste ano, em comparação com a projeção anterior de 9,6%.
Olhando para 2024, o BC estima uma expansão no estoque de crédito de 8,8%, um ajuste positivo em relação à previsão anterior de 8,5%. Nesse contexto, espera-se um crescimento de 9,4% no crédito às pessoas físicas (antes era 9,2%) e um aumento de 7,7% no crédito às empresas (antes era 7,4%).
PIB
Em 2023, a economia brasileira apresentou surpresas positivas, registrando um Produto Interno Bruto (PIB) em crescimento nos três primeiros semestres, embora com uma tendência de desaceleração em cada período.
O ano começou com projeções conservadoras dos analistas consultados pelo BC, apontando um crescimento de 0,78%. Contudo, a realidade superou as expectativas, e atualmente, é consenso que o crescimento se aproximará de 3%. Esse avanço foi impulsionado pela performance notável do setor agropecuário, que desempenhou um papel fundamental nesse cenário, contribuindo significativamente para a melhoria do emprego e da renda.
O ponto alto desse crescimento se concentrou no 1º trimestre, evidenciado por um salto de 4,2% em comparação ao mesmo período de 2022, especialmente devido à colheita recorde no setor agropecuário, que registrou um crescimento de 22,9%.
Nos trimestres subsequentes, o ritmo de crescimento diminuiu, mas o PIB ainda apresentou expansão, atingindo 3,5% na comparação anual, com destaque não apenas para o setor agrícola, mas também para a recuperação dos serviços e o aumento do consumo das famílias.
No 3º trimestre, o crescimento desacelerou para 2% em relação a 2022, sem grandes contribuições do setor agrícola. Mesmo assim, as exportações e o consumo interno de bens e serviços foram elementos-chave que mantiveram o PIB em território positivo. Entretanto, as perspectivas para o 4º trimestre são menos otimistas.
A análise da economista-chefe do TC destaca que o Banco Mundial projeta que o PIB global deve passar de uma taxa de crescimento um pouco superior a 3,0% em 2023 para algo um pouco abaixo desse nível em 2024, e a taxa de inflação 1,0 ponto porcentual menor, subindo um pouco menos que 6% no período.
De acordo com Marianna Costa, no Brasil, a atividade econômica deve ainda ser bastante beneficiada pelo agronegócio, mas será o setor de serviços que dará o tom de um crescimento maior ou menor, por volta de 1,5%.
“O consumo das famílias deve ser suportado pelo rendimento ainda resiliente, fruto de um mercado de trabalho que deve seguir apertado, com taxa de desemprego rondando os 8%, nível historicamente baixo. O setor industrial deve patinar, com alguma melhora na margem em resposta à taxa de juros mais baixa em função do processo de afrouxamento monetário. Pode haver algum estímulo ao investimento em resposta à tendência de adoção de uma política fiscal mais expansionista focada em gastos, em particular, o PAC”, destaca.
Já para Carlos André Marinho Vieira, analista-chefe do TC o PIB deve apresentar um crescimento de 1,8% em 2024, um desempenho menos robusto em comparação com 2023, com desaceleração em setores como serviços, comércio e indústria, enquanto o agronegócio pode enfrentar impactos negativos devido a eventos climáticos”, disse.
Investimentos
No momento, apesar das quedas, o período é de juros em patamares elevados, o que tem levado os investidores a focar seu interesse nos títulos pré-fixados. A perspectiva é que ainda possa haver oportunidades de ganhos no curto prazo, considerando que o Copom ainda deve apresentar cortes nas taxas de juros nas próximas reuniões.
No entanto, os investidores estrangeiros têm acompanhado o ritmo de corte da Selic, e como resposta, o setor produtivo do Brasil teve saída de 40% neste ano do capital externo, segundo relatório publicado pelo Banco Central em novembro. O valor acumulado do Investimento Direto no País (IDP) nos nove primeiros meses de 2023 é o segundo pior dos últimos 14 anos. Supera apenas o de 2020 (US$ 31,2 bilhões), primeiro ano da pandemia de Covid-19.
No que diz respeito aos investimentos em renda variável, como as ações ligadas ao varejo, os analistas alertam que os papéis podem ser mais sensíveis às mudanças nas taxas de juros à medida que o Copom prossegue com os cortes.
Apesar das flutuações, o mercado de ações apresentou resultados positivos, especialmente ao longo de dezembro, período em que a bolsa atingiu níveis históricos sucessivos. O ano de 2023 encerrou com um saldo notavelmente positivo para a Bolsa brasileira. Até o pregão desta terça-feira (26), registrou um aumento de 21,6%, ultrapassando os 113,5 mil pontos, estabelecendo um novo recorde histórico. A expectativa é de que 2024 seja um ano mais favorável para a bolsa em comparação a esse ano.
Saldos de 2023
O ano está se encerrando com três marcos significativos: o controle da inflação; a aprovação de medidas fundamentais, como a substituição do teto de gastos pelo arcabouço fiscal e a aprovação de reformas estruturais; a redução do desemprego.
A taxa de desemprego no Brasil voltou a apresentar desaceleração, atingindo 7,6% no trimestre encerrado em outubro, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 30 de novembro.
Esse resultado representa uma queda em relação aos três meses anteriores (maio-julho), quando o desemprego estava em 7,9%. Em comparação com o mesmo período do ano passado, o índice era de 8,3%. Dessa forma, essa é a menor taxa de desemprego registrada desde fevereiro de 2015.
Além disso, o Brasil se tornou a 9ª maior economia do mundo no ranking econômico global de 2023, desbancando o Canadá, segundo as projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgado em meados de dezembro.
No ano passado, o Brasil estava em 11° lugar. Naquele levantamento, o FMI destacou a “agricultura dinâmica e serviços resilientes no primeiro semestre de 2023” como os fatores para a perspectiva otimista quanto à expansão do PIB brasileiro. Na análise do FMI, há uma projeção de Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro de US$ 2,13 trilhões para 2023, ultrapassando o Canadá, que prevê um PIB de US$ 2,12 trilhões.
De acordo com o relatório do World Economic Outlook (Perspectiva Econômica Mundial em inglês), os números evidenciam uma recuperação gradual da economia global após a crise desencadeada pela pandemia de covid-19, que teve início no final de 2019, e pelos eventos decorrentes do conflito na Ucrânia a partir de fevereiro de 2021.