O ano eleitoral sempre mexe com diversos setores do Brasil, principalmente o econômico. O de 2022 não tem sido diferente, ainda mais com uma eleição polarizada entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Lula (PT). O head offshore da SVN Investimentos, Alberto Marino, destaca que as eleições impactam o câmbio, mas salienta que o cenário internacional vem passando por um momento de alta volatilidade.
“As eleições impactam a variação do câmbio. Mesmo que a campanha ou as declarações dos candidatos estejam mais contidas, em relação ao que era esperado, o corte temporário de impostos é um mecanismo que busca trazer a inflação para níveis menores e assim influenciar também no câmbio. É fundamental destacar, no entanto, que tal estratégia pode não atingir todos os objetivos esperados visto que o cenário internacional encontra-se em um momento de alta volatilidade”, afirmou Marino.
Mas como fica a variação do câmbio em períodos eleitorais? Em levantamento realizado pelo BP Money, é possível acompanhar alterações nos pleitos mais recentes, das últimas quatro eleições presidenciais (2006, 2010, 2014 e 2018) para saber às variações nesses períodos.
Nele, o ano eleitoral foi dividido em três períodos: 1º semestre (entre janeiro e junho), pré-primeiro turno (julho até a data da votação) e pós-primeiro turno, que passa pelo segundo turno e vai até o encerramento do ano.
Variação do câmbio nas últimas quatro eleições presidenciais / Arte: BP Money
O valor é expresso por meio da taxa de câmbio, que nada mais é do que a taxa de troca entre duas moedas diferentes. Investidor, turista ou exportador brasileiro que vendeu lá fora e está recebendo em dólar são exemplos de atores econômicos que trazem a moeda para o País. E é pelo movimento entre oferta e demanda que temos o valor da moeda.
Para João Beck, economista e sócio da BRA, existe uma correlação muito grande entre ciclo econômico e ciclo eleitoral, o que acaba impactando a variação cambial.
“São duas coisas que acontecem geralmente: uma, é que, no último ano do ciclo eleitoral, os gastos fiscais aumentam bastante. Ou para promover uma eleição, como está acontecendo agora, ou para promover uma eventual continuação do candidato do mesmo partido, como foi no governo petista, na transição do Lula para Dilma. Isso aumenta o risco país e, quando isso acontece, a primeira coisa que desvaloriza é a nossa moeda. Com isso, faz sentido essa valorização do dólar aos finais de um ciclo eleitoral”, afirmou Beck em entrevista ao BP Money.
“Outro motivo é por conta de eventuais riscos fiscais para o futuro. Eventuais promessas de campanha são sempre feitas no ato fiscal, o quanto que irá se gastar de dinheiro com auxílio, programas sociais, reajuste de salário, e tudo isso aumenta um eventual risco para o futuro”, completou o especialista.
Quanto mais pessoas precisam de moeda estrangeira, e sai uma notícia, como medidas econômicas ou crise, os investidores acabam optando por tirar dinheiro do Brasil por medo do risco de perder investimentos. Com esse processo, a taxa de câmbio sobe naturalmente. Em contrapartida, se há fluxo mais constante de entrada de dólar no País, a mesma cai.
Sempre que há uma expectativa de ruptura da política econômica em relação ao governo anterior, há movimentos especulativos no mercado financeiro quanto ao futuro. O ano de 2002 foi um grande exemplo para isso, quando o tipo de governo mudou drasticamente de Fernando Henrique Cardoso para Lula.
Na época, a taxa de câmbio disparou e marcou recordes históricos por conta da incerteza do que viria no governo petista. Já na mudança entre Lula e Dilma, a taxa se manteve estabilizada, pois seria um governo de continuidade.
Na reeleição de Dilma, a taxa voltou a oscilar por conta da disputa com o candidato da oposição, Aécio Neves (PSDB), ter sido acirrada. Quando a presidente assumia a ponta, a taxa subia, enquanto caía no momento em que o tucano tomava passava a liderar.
Na última eleição, vencida por Bolsonaro, também houve instabilidade, já que era um candidato desconhecido e o receio era de que o então deputado não desse continuidade à política econômica implementada pelo ex-presidente Michel Temer, que assumiu o cargo após o impeachment da petista.
Câmbio disparou na 1ª vitória de Lula
Apesar do levantamento do BP Money não contar a eleição de 2002, vale o registro para o que foi a primeira vitória de Lula, já que alguns fatores são bem semelhantes com a situação atual.
O primeiro fator é o próprio Lula. Se naquele momento o petista buscava sua primeira vitória, agora ele volta consolidado como maior político de esquerda – para muitos, com dois mandatos e mais dois de sua sucessora, Dilma Rousseff.
Preso pela Lava Jato, Lula insistiu que poderia concorrer ao pleito em 2018, até colocar Fernando Haddad, que sairia derrotado por Bolsonaro. Agora, o ex-presidente lidera todas as pesquisas, tendo chances, inclusive, de derrotar o atual presidente ainda no 1º turno.
Vinte anos atrás, uma vitória de Lula representava uma mudança com relação ao posicionamento econômico adotado pelo governo anterior, o que pode se repetir neste ano, aumentando o receio econômico.
Outro fator bastante parecido foi a guerra no exterior. Se neste ano estamos tendo a guerra entre Rússia e Ucrânia, em 2002 houve uma ameaça de guerra entre Estados Unidos e Iraque.
Esses fatores, aliados ao nervosismo do mercado internacional, a falta de liquidez e o risco país registrando o maior pico da história fizeram com que a taxa do câmbio disparasse.
Mas como ficaram as variações do câmbio nas últimas quatro eleições? No levantamento, foi colocado apenas o valor de venda do dólar.
2006: Lula se reelege e dólar estabiliza
Em 2006, o então presidente Lula buscava sua reeleição. O 1º semestre foi marcado por um período de grande estresse, com variação cambial de 13,18%, tendo seu maior valor a R$ 2,37, enquanto o menor foi de R$ 2,06.
Gráfico preço do dólar em 2006 / Arte: BP Money
Já entre julho e a data do 1º turno, que ocorrera em 1º de outubro, a variação foi menor, de 4,08%, uma queda significativa, com o câmbio superando esse período de estresse. Nele, o maior valor foi de R$ 2,22, enquanto o menor foi cotado a R$ 2,13.
Lula acabou indo para o 2º turno com Geraldo Alckmin (PSDB). Os brasileiros voltaram às urnas em 29 de outubro para reeleger o petista com 60,83% dos votos contra 39,17% do Tucano. No período após o primeiro turno e o fim do ano, passando pela votação, a variação foi ainda menor, de 2,46%, tendo seu maior valor a R$ 2,19, enquanto o menor foi de R$ 2,13.
A variação média de 2006 foi de 6,58%, mostrando que o mercado foi se estabilizando ao aceitar a continuidade do governo petista.
2010: Dilma é eleita e governo é de continuidade
Quatro anos depois, o Partido dos Trabalhadores oficializava a candidatura de Dilma Rousseff como sucessora de Lula. No 1º semestre, o mercado parecia estressar e a variação cambial foi de 8,42%, tendo seu maior valor a R$ 1,88, enquanto o menor foi de R$ 1,72.
Gráfico preço do dólar em 2010 / Arte: BP Money
No entanto, entre julho e a data de votação do primeiro turno, marcada para 3 de outubro de 2010, começava a dar indícios de queda, com a variação sendo de 6,63%. Nesse período, o maior valor foi de R$ 1,80, enquanto o menor foi cotado a R$ 1,68.
Entre os candidatos, mais uma disputa entre PT e PSDB. Desta vez, o adversário dos petistas foi José Serra. O segundo turno eleitoral aconteceu em 31 de outubro, quando Dilma Rousseff venceu com 55 milhões de votos o candidato José Serra, tornando-se a primeira mulher eleita para a Presidência da República do Brasil.
No período pós-primeiro turno até o final daquele ano, a variação caiu ainda mais e foi de 4,51%, tendo seu maior valor a R$ 1,73, enquanto o menor foi de R$ 1,66. A variação média de 2010 foi de 6,52%.
2014: Eleição mais acirrada da história gera tensão no câmbio
Já em 2014, ano de Copa do Mundo no Brasil, no qual o país recebera milhares de turistas, Dilma chegava bastante desgastada ao tentar sua reeleição. Em 2013 houve um movimento muito forte do “Gigante Acordou”, com milhares de pessoas indo às ruas para protestar principalmente contra o aumento das tarifas dos transportes públicos.
Gráfico preço do dólar em 2014 / Arte: BP Money
Na principal competição de futebol do mundo, Dilma era sempre muito vaiada nos estádios. Naquele ano, a variação do câmbio foi marcada por se manter alta ao longo de todo o ano. No primeiro semestre, ela foi de 9,93%, com R$ 2,44 como maior valor e R$ 2,20 sendo o menor.
Entre julho e a data do primeiro turno, realizado em 5 de outubro daquele ano, a variação foi de 11,54%. Nesse período, o maior valor foi de R$ 2,49, enquanto o menor foi cotado a R$ 2,21.
O segundo turno foi disputado entre Dilma e Aécio Neves (PSDB). Vencido pela petista por 51,64% dos votos válidos a 48,36%, o pleito marcou a eleição mais acirrada no Brasil após a redemocratização.
Entre 6 de outubro e 31 de dezembro de 2014, a variação do câmbio foi de 12,73%, com o dólar sendo cotado a R$ 2,74 no maior valor, e R$ 2,39 no menor. A variação anual foi de 11,40%.
2018: Bolsonaro vence e quebra hegemonia petista
Já em 2018, o PSDB saía da polarização para outro partido: o PSL (Partido Social Liberal), mais precisamente no nome de Jair Bolsonaro. No entanto, mesmo com o impeachment sofrido por Dilma em 2016, o PT chegara também como favorito ao pleito.
Gráfico preço do dólar em 2018 / Arte: BP Money
O nome? Um velho conhecido: Lula. O ex-presidente liderava as pesquisas. Porém, o mesmo estava preso. Ele havia se entregado à Polícia Federal no início de abril daquele ano, após determinação do juiz federal Sérgio Moro, que comandava a Lava Jato.
Lula tentou emplacar sua candidatura, mas sem sucesso. O nome escolhido então foi o de Fernando Haddad, que havia sido prefeito de São Paulo. O movimento antipetista foi muito grande, fazendo com que Bolsonaro tomasse à dianteira.
Com tantos fatores, aquele período eleitoral foi marcado por grande instabilidade. No primeiro semestre, a variação foi de 7,53%, tendo seu maior valor a R$ 3,93, enquanto o menor foi de R$ 3,64.
Porém, no segundo semestre, o dólar acabou sendo impactado. O movimento, à época, era esperado por conta das incertezas e mudanças de expectativas dos investidores durante o período eleitoral.
Em um levantamento realizado pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), no período entre julho e 20 de agosto daquele ano, a oscilação da moeda era maior do que no mesmo intervalo das eleições passadas (2006, 2010 e 2014).
Nos períodos anteriores, o real valorizou 1,30% e 2,32% em 2006 e 2010, respectivamente, e desvalorizou 2,53% em 2014. Em 2018, a desvalorização chegava a 3,41%.
Entre julho e a data do primeiro turno, que ocorreu em 7 de outubro de 2018, a variação cambial foi de 11,37%, com o dólar atingindo o maior valor de R$ 4,19, enquanto o menor foi de R$ 3,71, mostrando um cenário muito estressado por conta da polarização formada pelo bolsonarismo e o PT.
Já em 28 de outubro, data do segundo turno, Bolsonaro desbancava o PT após 16 anos e era eleito presidente da
República com 55,13%. Nesse período, até o final do ano, o câmbio variou em 7,53%, tendo o maior valor de R$ 3,93 e o menor de R$ 3,64, mostrando que houve uma estabilização pós-tensão.
Cenário para 2022
O dólar está instável neste ano. Mas essa instabilidade está ocorrendo por conta do pleito eleitoral? Fato é que vivemos um momento peculiar, algo nunca vivido antes, por conta de fatores como a pandemia de covid-19, que impactou significativamente a economia mundial, além da guerra na Ucrânia, que ainda segue, e a crise energética que assola a Europa.
“Durante este ano observamos uma alta volatilidade no câmbio e uma expressiva correção nas Bolsas Americanas, que também é um reflexo da pandemia que ainda estará presente no dia a dia do investidor pelos próximos meses, visto que os números da inflação americana ainda não estão controlados e com isso o Fed [Banco Central dos EUA] será obrigado a continuar aumentando os juros dos EUA, o que trará impacto em todas as escalas para o mercado”, afirmou Alberto Marino.
No primeiro semestre de 2022 a variação foi de 19,05%, tendo o maior valor de R$ 5,70 e o menor de R$ 4,62, uma média de R$ 5,08.
Já de julho até 13 de setembro (data de conclusão da matéria), a variação é de 7,89%, mostrando uma queda considerável ao alto número atingido no primeiro semestre, tendo o maior valor de R$ 5,48 e o menor de R$ 5,04, uma média de R$ 5,24.
“Com o foco nas eleições nacionais, podemos dizer que têm apresentado um menor impacto no câmbio, visto que os fatores internacionais apresentam um peso extremamente relevante sobre a economia global” completou o Head Offshore da SVN.
Já para Beck, o mercado está pessimista em relação a ambos os candidatos, já que ambos tiveram governos marcados por muitos gastos fiscais. “Muitos benefícios fiscais foram concedidos ao longo do ano, medidas como a PEC que reduziu ICMS, com energia, transporte e combustível caindo, o que irá prejudicar o ajuste fiscal para o próximo ano. O crescimento para o ano que vem fica prejudicado. Como isso irá impactar no câmbio dependerá de decisões políticas”, salientou.
“Será que o próximo governo entenderá que não dá para gastar mais dinheiro ou vai querer cumprir todas as promessas feitas na eleição? Só aí saberemos o que acontecerá com o dólar”, questionou o especialista.