Em meio a ataques, Rússia, Ucrânia e EUA avançam em acordo

Pela primeira vez, houve contato entre o Kremlin e a Casa Branca desde o início da crise.

Rússia e Ucrânia avançaram nas negociações para chegar a um cessar-fogo na invasão promovida por Vladimir Putin no país vizinho, que completará três semanas na madrugada desta quinta (17).

Pela primeira vez, houve contato entre o Kremlin e a Casa Branca desde o início da crise, e o jornal britânico Financial Times diz que Moscou e Kiev já discutem a minuta de arranjo para ao menos lograr um cessar-fogo.

Não que a paz esteja à mão: novos ataques russos em Kiev e em outras cidades do país, como Kharkiv, indicam a estratégia do Kremlin de manter a pressão militar alta enquanto tenta arrancar os termos mais próximos de suas demandas dos ucranianos.

O presidente ucraniano, o acuado Volodimir Zelenski, disse em mensagem nesta quarta (16) que “os encontros continuam e as posições durante as negociações já soam mais realistas”. “Mas tempo ainda é necessário para as decisões que sejam do interesse da Ucrânia”, afirmou. As conversas virtuais seguem.

Já Vladimir Putin afirmou que está disposto a negociar os termos da neutralidade ucraniana, visando evitar a entrada do país na Otan (aliança militar ocidental), mas reafirmou que a guerra seguirá até cumprir seus objetivos. Uma no cravo, outra na ferradura da opinião doméstica.

Já o chanceler russo, Serguei Lavrov, concedeu entrevista ao site RBC e disse que há “esperança de acomodação” acerca da neutralidade que Moscou quer ver entronizada na Constituição da Ucrânia.

O Kremlin, comentando o caso, foi além e sugeriu que a Ucrânia deveria olhar para os modelos da Áustria e da Suécia de neutralidade. “Essa é uma variante que está sendo discutida e que poderia ser vista como um acordo”, disse o porta-voz Dmitri Peskov. A Presidência ucraniana, porém, informou nesta quarta que rejeita tal sugestão, afirmando que as negociações devem se concentrar em “garantias de segurança”.

O caso austríaco é mais eloquente. Ocupado pelos Aliados e pela União Soviética, em vez de ser dividido como a Alemanha no pós-guerra o país inseriu em sua Constituição uma renúncia a participar de pactos militares, em 1955. Mais significativo para a Ucrânia, em 1995 Viena entrou na União Europeia, outro desejo de Kiev malvisto pelo Kremlin.

Neste caso, disse Peskov, a Ucrânia seria desmilitarizada, como prometeu Putin, mas manteria Forças Armadas. Os ataques a fábricas de material de defesa ucranianas, intensificados nesta semana, podem indicar que os russos querem deixar a tal desmilitarização feita na prática.

Já a Suécia é um exemplo mais complexo. Sua neutralidade veio após o fim das guerras napoleônicas, com a chamada Política de 1812. Ela não integra a Otan, mas tem uma sofisticada indústria de defesa criada de olho na Rússia e está bastante integrada à aliança. Tanto ela como a também neutra Finlândia têm discutido uma adesão formal ao pacto. “O status neutro está sendo discutido seriamente agora, juntamente, claro, com garantias de segurança”, afirmou Lavrov.

Tais garantias já estavam colocadas no ultimato feito em dezembro por Putin, enquanto juntava tropas em torno do vizinho. Para o russo, estrategicamente é inaceitável ter um país da Otan do tamanho da Ucrânia nas suas fronteiras. Dois séculos de invasões por ali pesam no processo decisório.

O russo quer restaurar a chamada profundidade estratégica, ter aliados ou países neutros a seu redor, como nos tempos do Império Russo ou da União Soviética. Desde o fim do bloco comunista, a Otan abocanhou 14 países a leste, aproveitando-se da fraqueza russa. Na Geórgia (2008) e na Ucrânia (2014 e agora), Putin ignora o direito internacional para fazer valer seu ponto de vista quando outros meios não funcionam: na Belarus, na Ásia Central e no Sul do Cáucaso, logrou manter aliados na base do apoio.

Deixar Kiev fora da Otan era a demanda central, pública, da Rússia, mas nem de longe a única. Lavrov não falou sobre a questão do reconhecimento das áreas russófonas que estão “de facto” fora do controle de Zelenski, como a Crimeia (anexada em 2014) e o Donbass (autônomo e em guerra civil desde 2014).

Na terça, Zelenski havia admitido que a Ucrânia tem “as portas fechadas” na Otan, em encontro virtual com líderes europeus. Ele basicamente os culpou por não cumprir a promessa de admissão feita em 2008, inferindo que se fosse membro do grupo não teria sido atacado, devido à cláusula de defesa mútua.

Segundo o Financial Times, tudo isso está em 15 pontos colocados em um esboço de acordo de paz. Há obstáculos enormes de lado a lado, contudo. O jornal diz que um dos itens é um arranjo de garantias de segurança ocidentais a Kiev, sem envolver a Otan. Não se sabe como isso pode ser feito.

De todo modo, a roda se move. O assessor de Segurança Nacional americano, Jake Sullivan, falou sobre a crise com Nikolai Patruchev, seu homólogo com o cargo de secretário do Conselho de Segurança de Putin e homem de confiança do presidente.
Segundo a versão da Casa Branca, ambos os lados reafirmaram suas visões na crise, como seria óbvio, mas a abertura do canal é a notícia em si.

Já o negociador-chefe russo, Vladimir Medinski, afirmou à agência Interfax que as “negociações são duras e vão devagar”. “Queremos que ocorram mais rapidamente. Queremos chegar à paz assim que possível e uma Ucrânia livre, independente e neutra, não um membro de blocos militares, um membro da Otan.”

Naturalmente, na prática o Kremlin quer a rendição de Zelenski e aumenta a intensidade de seus ataques, embora não tenha feito uma ofensiva decisiva -no sentido de tentar encerrar a guerra com armas, tomando Kiev, por exemplo. Os lados jogam, afinal, apesar da destruição de vidas e cidades ucranianas.

Há mais de 3 milhões de refugiados, e os mortos civis se contam na casa dos milhares, embora nenhuma estimativa pareça confiável a esta altura. Baixas militares, então, são insondáveis: os russos pararam de contar em 500 na primeira semana; os ucranianos exageram dezenas de milhares de invasores mortos.

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