Em meio à pandemia de Covid, vendas de bicicleta sobem 34% no semestre

Sabe aquela impressão de que os ciclistas estão por tudo que é canto da cidade? Não é só achismo, e os números confirmam. As vendas de bicicleta no país aumentaram 34,17% no primeiro semestre de 2021 em relação ao mesmo período de 2020, de acordo com a Aliança Bike, que reúne lojistas e empresas voltadas ao transporte sustentável.

Entre os ciclistas que fizeram o mercado girar está Thaiane Ferreira, 31, que adquiriu uma bicicleta no início do ano. Adepta da pedalada aos fins de semana, ela utilizava modelos da Bike Sampa desde meados de 2019, e inclusive chegou a ter uma assinatura mensal do serviço de aluguel da empresa no início do ano passado, um pouco antes de a Covid chegar ao Brasil.

Com a pandemia decretada, sair aos domingos se tornou um hábito necessário. “Por ser um esporte totalmente individual, era a única coisa que me sentia segura de fazer, ao ar livre”, explica a farmacêutica que trabalha em São Paulo.

O que a fez deixar o aluguel e partir para o sonho da bicicleta própria foi a logística para ir até um totem de empréstimo da rede das bikes laranjas. Para chegar na opção mais perto de casa, era necessário pegar um metrô.

Além do exercício físico, ela destaca que pedalar é uma terapia. “Tiro umas fotos da bicicleta e brinco que é o meu divã. É a hora em que você é obrigada a se desconectar de tudo.” E, tal qual um encontro com o psicólogo, Ferreira prefere fazer sozinha a atividade.

Nem sempre, porém, a vontade dela é respeitada. Recentemente, ao pedalar apenas de top na ciclovia da marginal Pinheiros, ela precisou aturar um homem que a acompanhou por um bom trecho com perguntas inoportunas. “Não tinha como fugir, como despistar. Ele ficou me assediando com perguntas como onde morava, o que fazia, se namorava”, relata, definindo a situação como desconfortável.

Justamente para evitar momentos assim que há grupos de pedais. Com quase três décadas, o Saia na Noite, voltado para mulheres, precisou se adaptar ao período pandêmico. As pedaladas noturnas deram vez aos encontros nos fins de semana. “Como a gente sai num grupo bem menor [por causa da Covid], com a cidade fechando às 21h, 22h, não dá para voltar pedalando sozinha pra casa”, explica Teresa D’Aprile, uma das fundadoras do grupo.

Como pedala diariamente, ela tem visto a grande quantidade de pessoas usando magrelas. A Tembici, empresa que opera serviços de empréstimo como Bike Sampa e Bike Rio, registrou no país um crescimento de 9% entre janeiro e julho de 2021 em relação ao mesmo período do ano passado. Na capital paulista, o aumento foi de 23% -algo esperado, já que no primeiro semestre de 2020 as pessoas estavam mais confinadas.

Em relação à venda de bicicletas, a pesquisa da Aliança Bike, envolvendo 180 lojistas de 20 estados, mostra que, dos modelos vendidos no primeiro semestre, 61% custavam até R$ 3.000 e 81%, até R$ 5.000. Só 5% saíram por mais de R$ 10 mil.

De acordo com Daniel Guth, diretor-executivo da entidade, os preços estão mais altos porque o mercado foi bastante afetado pela variação do dólar, que influenciou no frete marítimo e no custo da matéria-prima. “Não existe uma bicicleta no Brasil, nem a de R$ 500, que não tenha pelo menos 60%, 70% dos componentes vindos do mercado asiático.”

E o custo maior das bicicletas, segundo Guth, não pode ser repassado diretamente para o cliente.

“Se você sai do poder de compra, a pessoa não leva. O lojista trabalha com margem estreita exatamente porque, se pressionar demais no valor, perde o mercado consumidor”, explica.

O preço mais alto dos modelos 0 km acabou favorecendo o comércio de usadas. Fabio Petrillo, da Bike Runners, diz que muitos clientes negociam aquelas que têm em casa como forma de abater o valor de uma nova. “Quem vem comprar hoje é ciclista mesmo, diferentemente do ano passado, quando surgiu um monte de novo ciclista, que passou a pedalar porque estava todo mundo fazendo.”

E o comércio de exemplares usados aumentou não só para lojistas, mas também em sites e para vendedores isolados, caso de Fabricio Berti. Servidor público, ele tem por hobby comprar modelos dos anos 1990, reformar e revender. “Compro, experimento, vendo. Com o tempo, além de precisar liberar espaço, precisava gerar o caixa para pegar outras.”

Ele diz que suas magrelas custam cerca de R$ 2.400 e que as novas, do nível das que ele vende, não saem por menos de R$ 4.500. “Sempre que coloco uma bike à venda, sai em coisa de uma semana. Uma ou outra fica, mas porque o preço é mais alto.”

Quem aproveitou o momento para trocar de bicicleta foi Flavia Melo, 28, e o que a motivou foi o tempo livre que a pandemia proporcionou. “E porque a bike [antiga] era piorzinha também. Com essa nova dá mais gosto de andar.”

A assistente de marketing até iria para o trabalho com a nova posse, mas os cerca de 20 km que separam a Vila Carrão, onde vive, e o serviço, na Faria Lima, dificultam a locomoção. Atualmente, a capital paulista tem 651,9 km de ciclovias e ciclofaixas e 32,1 km de ciclorrotas, o que equivale a 38% da meta que a Prefeitura de São Paulo tem para 2028, de 1.800 km.

Mesmo que a bicicleta não a acompanhe para o serviço, ela é usada no dia a dia, para o mercado ou a academia. A novidade, agora, é que Melo consegue pedalar todo o trajeto, já que a antiga parceira a deixava na mão nos morros do bairro. “Tinha que descer da bike. Era uma humilhação”, relembra, entre risos. “Essa nova tem potencial.”

 

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