'Empresas B' conciliam rentabilidade à agenda sustentável

Tratam-se de companhias cujo modelo de negócio passa pela inclusão dos retornos sociais e ambientais entre os objetivos.

De uns tempos para cá, a agenda ESG (sigla em inglês para os princípios ambientais, sociais e de governança) virou febre entre no setor privado. No entanto, existe uma parte do mundo corporativo que se propõe a ir além das boas práticas para, de fato, incorporar os três princípios: são as empresas B.

Tratam-se de companhias cujo modelo de negócio passa pela inclusão dos retornos sociais e ambientais entre os objetivos, defende Francine Lemos, diretora-executiva do Sistema B, iniciativa que certifica essas companhias.

No Brasil, a maioria das 213 organizações certificadas são pequenas e médias, que já nascem com o propósito. Mas grandes grupos também têm conseguido incorporar a agenda da sustentabilidade. A Natura e a Danone, recentemente certificada, estão entre as gigantes com o selo B.

“Nem toda empresa pode se tornar empresa B. O negócio precisa regenerar, melhorar a vida das pessoas. Não é só se o produto é sustentável, mas também a forma de fazer: a operação está gerando impacto positivo? A empresa gera mais benefício existindo ou deixando de existir?”, questiona Francine.

A diretora recorda um exemplo do acerto entre contas financeiras, sociais e ambientais ocorrido na Natura, onde trabalhou por 13 anos. “Nos anos 2000, quando a empresa estava crescendo 30% ao ano, houve um ano em que não bateu a meta de clima organizacional. A Natura não distribuiu bônus naquele ano”, diz.

“Era um sinal claro de que ‘isso que a gente está pregando é sério: a gente precisa equilibrar lucro com o bem-estar das pessoas, ou isso não é sucesso'”, afirma.

Francine diz ainda que as metas socioambientais precisam estar bem combinadas na principal instância de governança da instituição, que é o conselho de administração. Dessa forma, surge a visão de longo prazo.

O processo de certificação B é longo. “Já nascemos com o propósito de gerar impacto socioambiental positivo, ainda assim tivemos muito trabalho para comprovar os resultados”, afirma Leandro Menezes, um dos administradores da Positiva, empresa com o selo B voltada à produção de produtos de limpeza sustentáveis.

Vindo do setor de varejo, o administrador diz ter ficado marcado pela primeira decisão que precisou tomar à frente da empresa B. “Compramos uma embalagem plástica mais cara porque ela tinha mais valor para a reciclagem. É o tipo de decisão que torna esse negócio diferente.”

A empresa tem como desafio o alcance de um preço competitivo, tanto pelo volume de produção menor do que as grandes marcas como pela internalização de custos socioambientais. “Já temos um limpador multiúso concentrado mais barato do que os convencionais, mas ainda buscamos preço mais acessível em outros produtos”, afirma Menezes.

Enquanto o lado B dos negócios aponta para a absorção de custos socioambientais, uma parte dos executivos associa a sigla ESG a combate à corrupção e conservação da Amazônia. A massificação do termo levou empresas a questionarem qual seria a novidade da pauta.

“ESG nada mais é do que a visão do mercado de capitais sobre a própria sustentabilidade” diz Carlo Pereira, diretor-executivo da Rede Brasil do Pacto Global da ONU, que reúne 1.500 organizações no país.

Criado no ano 2000, o pacto convocou empresas para assumir compromissos socioambientais e, em 2004, fez o mesmo com o mercado financeiro –para o qual criou o termo ESG.

“O Fórum Econômico Mundial em 2020 apresentou os riscos climáticos como os mais relevantes para os negócios e, no mesmo ano, uma carta do presidente da gestora Blackrock, Larry Fink, também alertou para as mudanças climáticas, o que trouxe maior foco para o assunto”, explica a analista do ASA Investments Natália Belfort, especialista em ESG.

Em pesquisa publicada em abril, a Rede Brasil do Pacto Global da ONU entrevistou 308 executivos da gerência até a presidência de empresas brasileiras sobre o conhecimento do termo ESG.

Segundo o relatório, 31% das iniciativas empresariais ligadas a essa agenda tratam de combate a corrupção, 29% lidam com impactos na Amazônia, 20% criam estímulos à inclusão social, 11% formam comitês para integridade organizacional, 9% incentivam a diversidade, 6% lidam com mudanças climáticas e apenas 5% buscam promover equidade.

O agronegócio foi o setor com mais familiaridade com a sigla ESG: 87% dos participantes afirmaram já terem ouvido falar sobre o assunto em 2020. No setor financeiro, 85% conheciam o termo. O setor de alimentos e bebidas foi o mais dividido: apenas 54% dos executivos afirmaram conhecer o termo.

Nas empresas, a sigla mais comum nas diretorias de sustentabilidade é outra: RSE, de Responsabilidade Social Empresarial. Nos últimos 20 anos, o termo serviu a um amplo espectro de ações empresariais, boa parte delas em busca de diferenciais de marca e reputação, com ações de publicidade e também de filantropia, por meio da criação de fundações para destinar seu investimento social privado.

Antes, na década de 1990, a agenda socioambiental nas empresas buscava a conformidade com as normas –do licenciamento ambiental à legislação trabalhista.

Hoje práticas que extrapolam a obrigação legal dos negócios e até parecem puro voluntarismo também podem envolver objetivos pragmáticos, como economia de recursos e, no caso de ações sociais no entorno das operações, a chamada ‘licença social para operar’, que evita resistências da população local através da criação de benefícios para a comunidade.

Entretanto, o maior desafio imposto pela agenda da sustentabilidade implica a revisão dos modelos de negócio, cujas convenções sempre maximizam o retorno financeiro. É necessária a mudança de cultura empresarial, que pode ocorrer em etapas.

Na Suzano, fabricante de papel e celulose voltada à exportação, a agenda da sustentabilidade está ligada à mitigação de riscos ambientais. Um dos impactos do plantio de eucalipto é a alta demanda hídrica.

A empresa mapeou bacias sensíveis e definiu mudanças para reduzir o impacto em 6% da sua área de atuação, com mudanças nos ciclos de plantios, uso consorciado da água e compartilhamento de tecnologia com os vizinhos.

“A conservação da paisagem ao redor também é chave para garantir a disponibilidade hídrica. Por isso, lançamos a meta de conectar meio milhão de hectares de áreas prioritárias para a preservação nos biomas Cerrado, Mata Atlântica e Amazônia até 2030”, diz Cristiano Oliveira, gerente de sustentabilidade da Suzano.

“Estamos em algumas áreas há 40 anos, temos interesse na conservação dos recursos”, afirma o executivo.

 

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