O compromisso do setor privado brasileiro com a agenda climática ainda está longe de ser transformado em objetivos reais. De todas as empresas listadas na B3, a Bolsa de Valores do Brasil, apenas 17% têm metas específicas para reduzir seus impactos ambientais.
É o que mostra um levantamento da consultoria Luvi One, que analisou os relatórios publicados por 384 companhias de capital aberto do país. A amostra abrange todas as organizações da Bolsa, exceto subsidiárias e empresas do mesmo grupo econômico.
De acordo com os dados apurados até abril deste ano, a proporção chega a subir quando são considerados objetivos abrangentes, mas ainda assim permanece baixa, pouco acima de um terço de todas as organizações (37%).
“Meta específica é uma empresa dizer, por exemplo, que vai cortar suas emissões em 30% até 2030. Já uma meta climática genérica é declarar a intenção em diminuir as emissões, mas sem definir o prazo e o percentual”, explica o economista Felipe Gutterres, diretor executivo da Luvi One e coordenador do estudo.
Segundo o levantamento, os números revelam que o Brasil está na contramão do debate internacional, onde discussões sobre tributação de carbono e até barreiras tarifárias para países com baixa performance ambiental ganham cada vez mais importância.
O atraso do mercado brasileiro fica mais evidente quando os dados são comparados com a realidade da Europa, onde nove em cada dez empresas possuem metas para frear o desmatamento e 81% delas têm diretrizes para diminuir suas emissões.
Para Gutterres, as sucessivas crises econômicas pelas quais o país passou recentemente podem explicar o contraste entre os dois cenários.
“Nos últimos dez anos, as empresas brasileiras ficaram mais voltadas para o tático. De uma maneira geral, as lideranças executivas procuraram manter os negócios vivos, isso fez com que a questão ESG [sigla em inglês para boas práticas ambientais, sociais e de governança corporativa] demorasse um pouco a vir”, diz.
Na visão dele, os negócios mais expostos ao mercado internacional tiveram que começar a incorporar o tema internamente, mas, ainda assim, o ESG não se tornou o item principal da agenda corporativa como um todo.
“Isso explica o gap. A gente tem 17% das companhias com metas climáticas específicas, contra 80%, 90% das empresas europeias que já têm esse compromisso muito arraigado, seja por obrigação regulatória ou por demanda de investidores e consumidores”, afirma.
O levantamento também analisou o nível de responsabilidade ambiental de cada setor econômico com presença na Bolsa.
A construção civil aparece como um dos segmentos menos verdes. Das 27 empresas listadas na B3, apenas uma possui objetivos específicos para reduzir seus impactos ambientais.
Uma única companhia com metas climáticas também foi encontrada no setor de máquinas e equipamentos -entre as 14 negociadas na Bolsa-, assim como no ramo de siderurgia e metalurgia, que conta com oito negócios de capital aberto.
O setor de tecidos, vestuários e calçados também chama atenção no levantamento pelo alto número de empresas listadas (20), sendo que apenas duas têm essas metas.
Para Gutterres, uma das explicações para a baixa performance sustentável desses segmentos é a fragmentação da cadeia de fornecimento.
“O varejo, por exemplo, é um segmento controverso em várias partes do mundo. Vez ou outra, surge um escândalo envolvendo grandes marcas, mostrando as situações em que esses produtos são feitos. [Melhorar esses aspectos] é um processo evolutivo, mas [a performance ruim] diz muito sobre a profissionalização da cadeia de suprimentos”, diz.
Outro ponto importante, na visão do economista, é o fato de serem setores voltados para o mercado interno, que é menos regulado e sofre menos pressão de parceiros comerciais quando comparado a mercados como o europeu, onde a preocupação com boas práticas é maior.
O oposto também parece ser verdadeiro. Como mostra o levantamento, os segmentos com mais metas ambientais são exatamente aqueles que têm maior exposição ao cenário internacional.
Empresas de papel e celulose, por exemplo, estão no topo da lista das mais verdes. Das seis companhias listadas na Bolsa, quatro possuem metas climáticas específicas. Telecomunicações e energia também aparecem como destaque.
“Segmentos como o de energia elétrica têm muito investimento estrangeiro, inclusive com players europeus como controladores de companhias. Já o setor de papel e celulose produz para o mercado global. Quando o produto precisa ser exportado, não dá para deixar de endereçar essas questões, senão você está fora do jogo, é perda de mercado”, explica Felipe Gutterres.
Para Francisco Razzolini, diretor da Klabin, maior produtora e exportadora de papéis do Brasil, a relação direta entre o modelo de negócio e o meio ambiente também explica a liderança no ranking. “É um setor que está ligado a uma base renovável. Nós dependemos de colher e plantar florestas”, afirma.
Segundo ele, a cobrança internacional já é algo que acompanha as empresas de papel e celulose desde os anos 1990. Além da exigência de certificações de origem para exportar os produtos, Razzolini explica que órgãos de financiamento externo, que ajudaram na expansão do setor, já estabeleciam barreiras muito altas para a concessão de crédito.
“Organismos como IFC (International Finance Corporation) e o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) tinham cartilhas a serem cumpridas e auditorias constantes para garantir as melhores práticas possíveis na área ambiental”, diz.
Na visão do diretor, essas questões contribuíram para que o segmento chegasse mais preparado à atual era do ESG.
“Hoje o que nós temos que explicar [para os clientes internacionais] é que não estamos cortando a floresta amazônica, que não temos relação com as queimadas. Em relação ao setor financeiro, é mostrar as boas práticas que temos.”
De acordo com Razzolini, as críticas que o Brasil vem sofrendo internacionalmente em razão da política ambiental adotada pelo governo Bolsonaro não chegou a prejudicar os negócios da Klabin.
“Mas a gente entende que essa agenda impacta a imagem do Brasil como um todo, o que nos leva a esforços de comunicação maiores.”
Recentemente, a Klabin divulgou uma série de metas climáticas. Uma delas é reduzir suas emissões por tonelada de celulose, papéis e embalagens em 25% até 2025, e em 49% até 2035.
No entanto, a emissão de gases de efeito estufa não costuma ser um grande problema para as companhias do setor. Isso porque a produção é baseada em florestas, que absorvem carbono da atmosfera e compensam a poluição em outras etapas do negócio.
Inclusive, é comum que as empresas tenham saldos positivos. No caso da Klabin, o estoque de carbono é de 4,5 milhões de toneladas de CO2 equivalente.
Os temas mais materiais para o setor -aqueles que são impactados pela atividade produtiva das companhias- são a desertificação do solo, a diminuição da biodiversidade e o esgotamento dos recursos hídricos.
Para esses problemas, a Klabin também possui metas específicas. Em janeiro deste ano, a empresa captou US$ 500 milhões (cerca de R$ 2,6 bilhões) em títulos de dívida ligados a metas de sustentabilidade.
Entre os compromissos estão reduzir o consumo de água para menos de 3,68 m³ por tonelada de produção, atingir um mínimo de 97,5% de reutilização de resíduos sólidos e reintroduzir no ecossistema no mínimo duas espécies de animais nativas em extinção.
O prazo para o cumprimento é 2025. Caso as metas não sejam alcançadas, os títulos pagam juros maiores aos compradores.
Recentemente, a Suzano, concorrente da Klabin, também lançou títulos de dívida se comprometendo a ter 30% de mulheres em cargos de liderança até 2025. A emissão também está vinculada a metas para a redução do uso de água e emissão de gases.