Pela primeira vez desde a recessão de 2014-2016, o Brasil está vendo um movimento no mercado de juros que, em outros países, é considerado como um sinal que antecipa um período de contração econômica.
Trata-se da chamada inversão da curva de juros, aquele momento em que um investimento de curto prazo, de dois anos, por exemplo, tem uma remuneração superior ao de uma aplicação de prazo mais longo. Pela lógica financeira, o longo prazo deve oferecer retorno acima do de curto prazo, e não o contrário.
Dados do banco central dos Estados Unidos -mais especificamente do Federal Reserve de Nova York- mostram que, desde o final da década de 1960, a inversão da curva de juros precedeu todas as recessões americanas.
No Brasil, não há um histórico de dados que permita fazer tal comparação, mas um trabalho dos economistas Gilberto Borça Jr., Gabriel Galípolo e Igor Rocha mostra que o mesmo movimento ocorreu, pela última vez, nos anos de 2015 e 2016 e está se repetindo agora.
Para eles, isso eleva as chances de que o país enfrente uma nova recessão, ou em um período de crescimento quase nulo, em 2022. Cria-se ainda um cenário que reforça a atratividade de investimentos em renda fixa de curto prazo, em detrimento de ativos de maior risco e do financiamento da atividade produtiva.
Curvas de juros inclinadas negativamente mostram a expectativa de aumento muito forte do custo do dinheiro no curto prazo. Isso adia investimento e consumo, enfraquece a economia e pode até provocar contração da atividade, levando o BC (Banco Central), posteriormente, a reduzir as taxas para reaquecer a demanda.
Considerando o NTN-F (papel do tesouro prefixado com juros semestrais), por exemplo, as taxas anuais estavam em 4,25% para 2023 e 6,83% para 2031 em janeiro deste ano. Chegaram a 9,18% e 11,10%, respectivamente, no começo de outubro, enquanto o BC mantinha um ritmo de um ponto percentual de aumento da taxa básica.
Quando as discussões sobre rompimento do teto de gastos ganharam força, no final do mês passado, e o BC acelerou o ritmo de aperto monetário, a taxa mais curta saltou para 12,16%. A mais longa teve alta mais suave, para 11,63%.
O movimento coincidiu com a revisão das projeções de crescimento para 2022 feitas por várias instituições, algumas já falando em contração da atividade.
O trabalho dos três economistas mostra que o mesmo movimento ocorreu com a curva de juros dos títulos atrelados à inflação, novamente, voltando ao cenário de 2015 e 2016.
“Momentos de aperto monetário muito forte e célere, como agora, caracterizam-se por inversão da curva de juros”, afirma Gilberto Borça Jr., mestre em Economia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). “O Banco Central subindo juros de uma maneira mais célere fez com que a curva se invertesse.”
Segundo ele, uma volta da curva para sua inclinação positiva pode ocorrer no caso de a autoridade monetária conseguir colocar a inflação, atualmente acima de 10%, para mais próxima da meta -o limite para 2022 é de 5%. Ou, na pior hipótese, se o mercado ajustar os juros de longo prazo para cima, caso haja a percepção de que o Brasil vai conviver com taxas mais altas por mais tempo.
Ele lista uma série de outros sinais que corroboram as expectativas de que há risco de recessão em 2022, como piora no cenário externo para economias emergentes, mercado de trabalho ainda fraco e piora geral das condições financeiras.
Borça Jr. explica que umas das principais atividades do sistema financeiro é captar recursos no curto prazo a um custo mais baixo para emprestar o dinheiro a prazos mais longos, ganhando com a diferença. Se a curva está invertida, segundo ele, o banco não consegue transformar esse custo de curto prazo em um ativo rentável a longo prazo.
O economista Gabriel Galípolo, coautor do estudo, afirma que o mesmo vale para quem investe em um empreendimento com retorno de longo prazo, que precisa ser adiado até que o custo de captação seja compatível com a taxa de retorno.
“O juros que ele vai pagar para captar o empréstimo está maior que a remuneração de um projeto de concessão. Então você posterga investimentos. É como um sujeito que fica com o dinheiro na poupança e tem dívida no cheque especial.”
Galípolo afirma que as duas últimas inversões da curva refletem momentos de insegurança em relação à situação econômica presente e que os próximos anos vão ser especialmente restritivos do ponto de vista de liquidez e crédito.
“Quando esse prêmio mais alto se faz proporcional ao longo de toda curva, ou seja, quando a curva inteira se desloca, já é ruim. Quando há essa disfuncionalidade, dando prêmio maior para um período mais imediato na renda fixa, você reduz ainda mais investimentos em Bolsa, no mercado imobiliário e torna mais caro começar qualquer tipo de empreendimento.”
Em relatório divulgado nesta semana, Camilla Dolle, da área de renda fixa da XP, afirma que o Brasil vive um momento em que o descontrole fiscal leva o Banco Central a elevar a taxa Selic bem acima do chamado “juro neutro” para controlar as expectativas de inflação. Mas que o mercado não acredita em descontrole fiscal permanente, pois, nesse caso, os títulos mais longos deveriam embutir esse prêmio de risco, e a curva deveria manter o formato ascendente.
A curva atual sinaliza a expectativa de que a taxa básica suba dos atuais 7,75% ao ano para 13,5% em 2022 e caia para 12% em 2023, onde permaneceria por bastante tempo. Mas o alívio monetário pode ser maior que o precificado pelo mercado, segundo ela.
Por outro lado, o mercado pode passar a precificar esse risco de descontrole fiscal permanente em algum momento, considerando a eleição presidencial do ano que vem.
“Caso isso se concretize, o cenário poderia se tornar pior para as taxas de juros mais longas”, afirma Dolle.