Entre os impactos do retorno ao poder do Talibã no Afeganistão está a economia, tanto no próprio país, quanto no mundo. Pouco se fala sobre as consequências econômicas dessa guerra que já passa dos 20 anos.
O primeiro passo já dado, que envolveu os recursos do Talibã, foi que o Fundo Monetário Internacional (FMI) bloqueou cerca de US$ 400 milhões das reservas de emergência da organização, pelo menos enquanto o governo não for reconhecido pela comunidade internacional.
Outro ponto importante, é que, segundo o sociólogo e consultor em risco político Felippe Ramos, antes mesmo de chegar ao poder, o Talibã já tinha feito reuniões com a liderança chinesa e o grupo tem um escritório de representação política diplomática em Doha, no Catar.
“Alguns laços o Talibã já vinha fazendo com outros países da região, inclusive com os russos, os países vizinhos e o Paquistão. O governo Talibã tem, durante esses dias, tentado demonstrar um aspecto de moderação, porque agora eles não querem ficar cinco anos no poder e ser invadido de novo pelos Estados Unidos”, afirmou.
Para Felippe, é possível que o grupo tente se colocar como um governo que não vai ser democrático, será autoritário e vai impor a sharia, lei islâmica. Talvez crie algum espaço de diálogo com a comunidade internacional para ser aceito. “Isso é importante até para essas organizações internacionais como a FMI e o Banco Internacional”.
No entanto, para Ramos, o maior problema será o ópio. Enquanto os EUA encerram sua guerra, o Afeganistão continua sendo o maior fornecedor de opiáceos ilícitos do mundo, sendo responsável por 80% da heroína consumida no planeta, pois vem justamente dessa matéria prima.
“A primeira fonte de custeio do Talibã é basicamente o tráfico internacional. O maior produtor de heroína, controlando todo território. É um regime contraditoriamente islâmico radical, mas narcotraficante, do ponto de vista internacional. Porém, não se torna tão contraditório, porque eles vêm como fonte de recurso. Essas drogas não são tão usadas no próprio Afeganistão”, explicou o sociólogo.
Outro ponto importante, segundo o consultor em risco político, são os minerais. A China é uma grande consumidora de minerais devido ao seu crescimento econômico. De acordo com Ramos, espera-se que o país, com o projeto chamado Belt anda Road, Cinturão chinês, a nova Rota da Seda, faça contratos internacionais com o Afeganistão para ter acesso a esses minerais, que os afegãos não têm condições de explorar por falta de recursos para investimento, no qual a China poderia oferecer. Pensando nisso, o país “correu” para ser o primeiro do mundo a reconhecer o governo do Talibã.
Derrota dos EUA
De acordo com Felippe, uma questão importante a ser observada, é que simbolicamente a saída das tropas norte-americanas do Afeganistão significa uma derrota militar imensa para os EUA. “20 anos de guerra para sair de forma humilhante e inútil”.
Além disso, a guerra contra o Afeganistão, que é o mais longo conflito militar da história dos Estados Unidos, com dezenas de milhares de mortos, resultou em uma fatura bem alta que não será quitada antes de 2050.
Segundo as pesquisas “Custos da Guerra“, das universidades de Harvard e Brown, os confrontos simultâneos contra Afeganistão e Iraque entre 2003 e 2011 vão resultar, até 2050, em um custo com juros estimado em até US$ 6,5 trilhões.
No entanto, o governo norte-americano emitiu títulos de dívida pública para financiar suas ações militares até 2020, o valor dos custos diretos das guerras do Afeganistão e do Iraque é estimado em US$ 2 trilhões.
Para construir um estado, segundo Ramos, os EUA gastaram US$ 1 trilhão, para constituir forças armadas no Afeganistão, mais US$ 89 bilhões, e no final, resultando em basicamente toda essa estrutura terminar nas mãos do próprio Talibã.
“Brincamos que os americanos construíram um exército, deram armas, no final foi tudo para o Talibã e ainda saiu de forma humilhante do país. Isso para uma leitura mundial, mostra a fraqueza dos Estados Unidos como uma potência, que tem limites e é derrotada como foi no Vietnã. Isso claramente não é um bom sinal, ainda junto com a emergência da China, que já deve ocupar um espaço de poder no Afeganistão, a Rússia deve tentar, de modo militar, e o Brasil que está inserido também”, disse.
Brasil na guerra?
Felippe pontuou que o Brasil participou do esforço de reconstituição do exército afegão, sob a liderança dos EUA, com a venda de aviões Super Tucanos, que são caças mais lentos, com voo mais baixo, turboélice de uso tático para curtas distâncias, funcionando bem no Afeganistão.
“Esses aviões de fabricação brasileira, segundo relatos, foram realocados antes do Talibã chegar em Cabul, sendo levados para o Azerbaijão, um país vizinho, onde estão na fronteira entre o país e o Afeganistão, sendo hoje uma disputa para ver quem fica com as aeronaves. Mesmo que o afegã tenha dito que o Talibã pegaria os Super Tucano brasileiros, há dúvidas se eles teriam condições de operá-los, pois precisam de pilotos treinados, reposição de peças etc”, afirmou.
Entenda a Guerra do Afeganistão
Felippe Ramos explicou que o Talibã surgiu em 1994, após uma guerra civil, deixada pela retirada das tropas soviéticas em 1989. A União Soviética invadiu o Afeganistão em 1979, ficou por dez anos no país e foi mais um império derrotado no Afeganistão.
A guerra civil permaneceu e em 1994, durante o caos no Afeganistão, os estudantes que frequentavam seminários islâmicos, bem conservadores, fundaram um movimento estudantil para recuperar as tradições muçulmanas do país. Então, o Talibã surgiu. Na prática, era um movimento estudantil, mas depois se transformou em movimento reformista, guerrilheiro e insurgente, indo ao poder em 1996, impondo a Sharia, interpretação radical das leis muçulmanas, a autocracia no país e retirando os direitos reconhecidos, por exemplo, os das mulheres.
Em 2001, o Talibã caiu por causa da invasão dos Estados Unidos, após o 11 de setembro, ataque às Torres Gêmeas em Nova York. O regime era aliado da Al-Qaeda, grupo terrorista de Osama bin Laden, mentor do atentado nos EUA, que teve refúgio no Afeganistão. Com isso, o país norte-americano declarou guerra contra o Talibã e invadiu o Afeganistão em 2001, permanecendo até 2021.
De acordo com Ramos, os Estados Unidos decidiram retirar as tropas do Afeganistão há um bom tempo. Sendo uma promessa de campanha do ex-presidente Donald Trump.
Para o governo norte-americano, a guerra não fazia mais sentido após a morte de Osama bin Laden, em 2011, mas os militares permaneceram. O projeto se tornou um State Building, com o objetivo de constituir e construir um Estado, com um governo funcional e Forças Armadas no Afeganistão.
Mas Trump defendeu que essa tarefa de construir o Estado afegão não era dos Estados Unidos e, em um acordo de paz, onde o Talibã não teria mais vínculo com a Al-Qaeda em troca dos EUA retirarem suas tropas, Trump começou a retirar os soldados aos poucos, permanecendo apenas o “restinho” no Afeganistão, que dava o apoio final ao governo afegão.
O atual presidente dos EUA, decidiu acelerar a retirada, que só terminaria em 11 de setembro de 2021, completando o aniversário de 20 anos do ataque às Torres Gêmeas, pois o Talibã vinha aproveitando para ocupar espaços nas províncias, e de última hora retirou os soldados e funcionários americanos, assim, o Talibã aproveitou e tomou conta de todo o país.
Estado Ismâmico
O Estado Islâmico e o Talibã não têm laços muito próximos, mesmo os dois sendo considerados pela comunidade internacional ocidental como grupos terroristas.