SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um estudo econômico que o PT tem usado para criticar a Operação Lava Jato e defender o legado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva infla os custos impostos pelas investigações sobre corrupção ao calcular o impacto da paralisação de investimentos da Petrobras e obras públicas.
Produzido pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) por encomenda da CUT (Central Única dos Trabalhadores), o estudo começou a circular em março e foi citado pelo próprio Lula num pronunciamento após a anulação das ações da Lava Jato contra ele, em abril.
O trabalho sustenta que a operação aprofundou a recessão que a economia brasileira viveu de 2014 a 2016 e provocou perdas equivalentes a 3,6% do PIB (Produto Interno Bruto) num período de quatro anos, incluindo R$ 172 bilhões em investimentos e 4,4 milhões de postos de trabalho.
Mas economistas que analisaram o estudo a pedido da Folha observam que ele desconsidera problemas anteriores à deflagração da Lava Jato que também prejudicaram os projetos da Petrobras e outras obras que foram paralisadas, amplificando dessa forma os custos associados às investigações.
“É muito difícil isolar todos esses efeitos para medi-los cuidadosamente, e por isso muitos exercícios desse gênero acabam simplificando as coisas e exagerando”, diz Bráulio Borges, da consultoria LCA e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas.
Deflagrada em março de 2014 e praticamente encerrada no início deste ano, a Lava Jato revelou a existência de um vasto esquema de corrupção na Petrobras, levou à prisão ex-diretores da estatal, empresários e políticos e insuflou a crise que levou ao impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016.
As maiores empreiteiras do país e alguns dos principais fornecedores de equipamentos da estatal foram atingidos pela operação. Com seus contratos suspensos, as empresas foram impedidas de continuar trabalhando com a Petrobras e passaram a enfrentar dificuldades para obter crédito no mercado.
Para projetar o que teria acontecido com os investimentos da Petrobras se a Lava Jato não tivesse existido, o Dieese criou um modelo econométrico que adota como variáveis as receitas e os lucros da companhia e o preço do petróleo no mercado internacional, que despencou a partir de julho de 2014.
O modelo indica que teria sido inevitável reduzir os gastos da Petrobras com refinarias e novos navios para exploração de petróleo após a mudança no cenário externo. Mesmo assim, ele sugere que teria sido possível sustentar investimentos 59% maiores do que os realizados de 2015 a 2017.
Além disso, o Dieese procurou calcular os efeitos da paralisação de 53 obras públicas cuja execução foi interrompida em decorrência das investigações. Os autores do estudo estimaram o volume de gastos que seria necessário para concluir os empreendimentos se não tivessem sido afetados pela Lava Jato.
Por fim, o Dieese usou os números do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para estimar o impacto que a continuidade dos investimentos teria tido no PIB, incluindo nessa conta efeitos indiretos em outros setores da economia e decorrentes do aumento da renda e do consumo.
O problema principal do modelo escolhido pelo Dieese é que ele não inclui entre suas variáveis os custos impostos pelo elevado endividamento da Petrobras, que aumentou muito nos anos anteriores à operação e já tinha começado a comprometer sua capacidade de financiar novos investimentos.
A dívida da Petrobras era equivalente a 4,8 anos de seu fluxo de caixa no fim de 2014 e atingiu a marca de 5,1 no ano seguinte, muito acima do nível definido pela própria empresa como saudável, 2,5. As taxas de juros que o mercado cobrava para financiar a companhia também subiam nessa época.
“A Petrobras estava sentada em cima de uma quantidade enorme de reservas [de petróleo] graças à descoberta do pré-sal e por isso tinha como segurar seu programa de investimentos mesmo em condições mais difíceis”, afirma o diretor técnico do Dieese, Fausto Augusto Júnior. “A metodologia do estudo é conservadora.”
A queda vertiginosa do preço do petróleo a partir de 2014 provocou uma forte retração no mundo inteiro, não só no Brasil da Lava Jato. Os investimentos globais do setor diminuíram 42% entre 2014 e 2016, segundo a consultoria Rystad Energy. No caso da Petrobras, o corte foi de 57% nesse período.
Mas o modelo do Dieese sugere que a Petrobras teria se saído melhor se não fosse a Lava Jato, com queda de apenas 33%. “Na verdade, seria de esperar que a Petrobras tivesse um desempenho pior, porque nessa época ela estava muito mais endividada do que as outras petroleiras”, diz Borges, da LCA.
A companhia também foi prejudicada por uma acentuada desvalorização do real em relação ao dólar, que contribuiu para o aumento de seu endividamento, e pela política oficial de controle de preços de combustíveis e derivados, que segurava o repasse da alta do petróleo no mercado interno.
Outro problema do estudo é que algumas obras da Petrobras já despertavam suspeitas dos órgãos de controle antes da Lava Jato. O TCU (Tribunal de Contas da União) apontava irregularidades na Refinaria Abreu e Lima (PE) desde 2011, quando recomendou pela primeira vez o bloqueio de verbas destinadas a ela.
Na lista de 53 obras analisadas pelo Dieese para calcular o custo da Lava Jato, há pelo menos 10 que já despertavam desconfianças do TCU em 2013, como a Ferrovia Norte-Sul e a usina nuclear de Angra 3. Isso sugere que elas já estavam sujeitas a atrasos mesmo antes das revelações da Lava Jato.
“O histórico dos investimentos do setor público no Brasil mostra que erros de planejamento e falhas de governança são os principais responsáveis por problemas dessa natureza”, diz Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B. “Muitas dessas obras teriam parado mesmo sem a Lava Jato.”
Numa coluna na Folha em maio, o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa, que atuou nos governos Lula e Dilma, observou que muitas perdas podem ter resultado de má alocação de recursos causada por corrupção. Ele disse também que, em tese, uma parte poderá ser compensada por ganhos de eficiência no futuro.
Um artigo em que Fausto Augusto Júnior e o presidente da CUT, Sérgio Nobre, discutem os resultados do estudo do Dieese e sua metodologia foi publicado na coletânea “Operação Lava Jato: crime, devastação econômica e perseguição política”, lançada em abril pela editora Expressão Popular.
Segundo o diretor do Dieese, o trabalho teve início há três anos e mobilizou 15 pessoas, incluindo economistas e consultores externos. O Instituto Lula organizou um ciclo de palestras na internet para divulgar o livro. O vídeo que teve maior alcance até agora foi visto apenas 524 vezes até sexta-feira (6).
“Toda escolha metodológica pode ser questionada, mas o objetivo do estudo é iluminar uma discussão que ninguém quer fazer”, diz Augusto Júnior. “O impacto econômico da Lava Jato está longe de ser desprezível, e acho que ele foi até maior do que o sugerido pelas nossas estimativas”.
O estudo também critica a estratégia adotada pela empresa no governo Michel Temer (MDB), quando uma nova direção liderada por Pedro Parente pôs à venda refinarias, gasodutos e participações em outras empresas para abater dívidas. A política foi mantida após a chegada de Jair Bolsonaro (sem partido) ao poder.
Para o ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli, que dirigiu a empresa na maior parte do governo Lula e a deixou um ano após a posse de Dilma, os cortes de investimentos e as vendas de ativos enfraqueceram a companhia e tornaram inviável a retomada de uma estratégia agressiva como a do passado.
“É evidente que as mudanças do cenário externo em 2014 exigiriam uma troca de marcha mesmo sem o impacto da Lava Jato, mas eles não precisavam ter dado um cavalo de pau e desintegrado a empresa como fizeram”, afirma Gabrielli, um dos organizadores do livro com o estudo do Dieese.