BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) entregue à CPI da Covid mostra que o ex-superintendente do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro Jonas Roza fez 143 depósitos que somam R$ 1,9 milhão para a GAS Consultoria Bitcoin.
A operação foi considerada atípica pelo conselho e pela CPI, uma vez que envolveu criptomoeda, uma moeda virtual ainda não regulamentada pelo Banco Central e “cuja cadeia de movimentação não é, necessariamente, rastreada, o que pode facilitar o uso dessa moeda na prática de crimes de lavagem de dinheiro”, afirma o relatório.
Além disso, a empresa é investigada por lavagem de dinheiro pelo Departamento-Geral de Combate à Corrupção, ao Crime Organizado e à Lavagem de Dinheiro, vinculada à Secretaria de Estado de Polícia Civil do Rio de Janeiro. A investigação corre em sigilo.
A empresa, com sede em Cabo Frio (RJ), pertence a Glaidson Acacio dos Santos e Mirelis Yoseline Diaz Zerpa. Segundo o relatório, o faturamento anual da GAS é de R$ 12,6 milhões.
Santos foi preso na última quarta-feira (25) durante operação da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e da Receita Federal. O objetivo da ação é desarticular uma suposta organização criminosa responsável por fraudes com criptomoedas.
A GAS negou quaisquer irregularidades e disse cumprir a lei. Roza afirmou que seus dados financeiros são declarados no Imposto de Renda. Procurado, o Ministério da Saúde não respondeu até a publicação deste texto.
Gestores no Rio de Janeiro entraram na mira da CPI após o depoimento do ex-governador Wilson Witzel (PSC). Segundo ele, organizações sociais eram usadas para a prática de atos ilícitos em hospitais federais.
No depoimento, Witzel afirmou também que as unidades no estado tinham um dono, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), que já negou qualquer envolvimento na área e afirma que a CPI é usada politicamente para atingir o governo do pai, o presidente Jair Bolsonaro.
Após o depoimento do ex-governador fluminense e as primeiras apurações, o senador Humberto Costa (PT-PE) apresentou conjunto de requerimentos para levantar informações sobre as suspeitas. Costa é responsável por um dos núcleos da investigação da CPI, focado em irregularidades envolvendo entidades federais no Rio de Janeiro.
Os casos não envolvem apenas organizações sociais (OS). Foi durante a gestão de Roza, por exemplo, que a empresa Gaia Service Tech Tecnologia e Serviços celebrou contratos com o Hospital Federal de Bonsucesso no valor total de R$ 20 milhões.
A empresa vencedora da licitação -a Cemax- foi considerada em situação irregular. Com isso, o governo federal celebrou contrato com a Gaia para a prestação de serviços na área administrativa e operacional.
Em maio de 2020, a TV Globo mostrou um documento assinado por Roza e o então diretor de programa, Marcelo Lamberti, em que eles afirmavam haver vícios na contratação da Cemax, a empresa vencedora.
Servidores do Hospital Federal de Bonsucesso, porém, denunciaram o processo licitatório sob o argumento de que as mudanças tiveram motivação política.
“Em processo da relatoria do nobre ministro [do Superior Tribunal de Justiça] Benedito Gonçalves, remetido posteriormente à 7ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, referida empresa [a Gaia] está vinculada à organização criminosa que atuava dentro do governo de Wilson Witzel, sob o comando de Mário Peixoto [empresário apontado como suposto articulador de esquemas], preso na Operação Favorito”, escreveu Costa em uma das justificativas para pedir a quebra de sigilos fiscais.
A nomeação de Roza como superintendente no Rio foi assinada pelo então ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, em julho de 2019. Ele foi exonerado pelo general Eduardo Pazuello, então à frente do Ministério da Saúde, em junho de 2020.
Os lançamentos de Roza à G.A.S Consultoria Bitcoin foram realizados entre dezembro de 2020 e abril deste ano. Em nota, o ex-superintendente disse que tomou conhecimento das denúncias contra a empresa há duas semanas, pela imprensa.
Segundo a investigação da PF, MPF e Receita, a G.A.S é responsável pela operacionalização de pirâmides financeiras. O esquema seria calcado na oferta de contrato de investimento, sem prévio registro em órgãos reguladores, vinculado à especulação no mercado de criptomoedas, com a previsão de insustentável retorno financeiro sobre o valor investido.
A G.A.S não tem site nem redes sociais. Em nota, a defesa da G.A.S afirmou que a empresa atua em total e irrestrito cumprimento da legislação brasileira, principalmente a Lei Geral de Proteção de Dados, que trata de dados pessoais. A empresa disse ainda que se mantém em total sigilo sobre toda e qualquer informação referente a clientes.
Segundo Roza, sua vida financeira é declarada no IR. “Suas informações estão incorretas”, disse ao ser questionado sobre os depósitos. “Por outro lado, todas as movimentações financeiras para o assunto em questão foram na qualidade de cliente”, afirmou Roza, que não disse desde quando investe com a G.A.S.
O ex-superintendente acrescentou que, quando atuou como empresário, estava formalmente licenciado do governo federal e sem remuneração.
O Portal da Transparência, no entanto, mostra que ele recebeu de janeiro a abril deste ano R$ 55.244 no cargo de analista de gestão em saúde na Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), um órgão do governo federal.
Ao ser confrontado novamente em relação a essa discrepância de informações sobre seus vínculos, ele disse que apenas responderia nos autos.
Pazuello colocou no lugar de Roza o militar George da Silva Diverio, que foi demitido em meio a investigação sobre irregularidades em contratos sem licitação do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, revelados em maio do ano passado.
O TCU (Tribunal de Contas da União) abriu uma investigação para saber se houve irregularidades em dois contratos para realização de reformas em prédios e galpões da superintendência.
Já pela CPI, Costa requereu a convocação de Roza, Diverio e Lamberti, que atualmente é coordenador-geral de hospitais federais e já ocupou cargo de superintendente.