O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu criticou a atuação dos Estados Unidos e da União Europeia na crise entre Ucrânia e Rússia, afirmando que as potências ocidentais são culpadas pela deflagração da guerra ao terem apoiado a derrubada do governo pró-Moscou no país, em 2014, e a expansão da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) para a Europa Oriental.
Em um artigo publicado em sua coluna semanal no site de notícias Poder 360, Dirceu, figura histórica do PT (Partido dos Trabalhadores), escreveu também que o caso da Ucrânia deve servir de lição ao Brasil, que está “no rumo errado ao submeter nossa economia e nossa defesa nacional à hegemonia dos EUA”.
Dirceu afirma que EUA e Otan usam a defesa da democracia e dos direitos humanos como desculpa para empreender uma escalada anti-China e fazer frente à ascensão de Rússia, Índia, Turquia e Irã.
“A tragédia da guerra e os riscos para todo o mundo, a partir das sanções decididas pelos Estados Unidos e por seus aliados, que não são a maioria e muito menos representam o mundo como vende certa mídia brasileira, são a prova de que não há limites para o império que se recusa a redesenhar a governança do mundo a partir da emergência das novas potências, começando pela China”, afirmou.
O petista cita como exemplos de intervencionismo dos EUA os conflitos no Iraque, no Kosovo, na Líbia, no Afeganistão e na Síria. Em relação ao país que há mais de dez anos está em guerra civil, escreveu que ele só não foi ocupado pois Bashar al-Assad, apoiado por Rússia e Irã, deu “um basta à ‘pax americana'”.
O ditador sírio foi socorrido por Putin em 2015, em meio a um cenário pós-Primavera Árabe em que rebeldes poderiam derrubá-lo e membros do grupo terrorista Estado Islâmico ganhavam terreno no país. O apoio russo foi fundamental para manter o regime autoritário no poder -onde segue até hoje.
As críticas aos EUA, que para Dirceu não constituem mais uma república democrática, mas “um império e uma plutocracia”, se estendem às fake news. O petista afirma que “o uso e abuso das redes sociais controladas por multinacionais de tecnologia norte-americanas são a regra na arena internacional”, sem mencionar o fato de que a Rússia é considerada uma potência no campo da desinformação.
No caso ucraniano, ele diz que EUA e União Europeia “fecharam os olhos às truculências do novo governo [ucraniano] e estimularam a política de limpeza étnica, a proibição do russo como segunda língua na Ucrânia, os ataques à população russa e o apoio a milícias fascistas”, ecoando as acusações de Putin, para quem os moradores da região separatista do Donbass, pró-Kremlin, convive com russofobia.
“Infelizmente a realidade se impôs, e a resposta russa foi a invasão da Ucrânia. Tanto os Estados Unidos como a União Europeia não foram capazes de resolver por meios diplomáticos, pacíficos, de preferência via Nações Unidas, um conflito de interesses legítimos: manter a Ucrânia independente, mas desmilitarizada e fora da Otan, sem armas nucleares, conforme demandava a Rússia, além da autonomia das regiões do Donbass conforme os acordos de Minsk.”
?Dirceu termina defendendo que o Brasil reveja sua estratégia de desenvolvimento nacional e retome “o fio da história e o nosso papel na América Latina e no mundo”. “Para nós, brasileiros, adeptos, de acordo com a nossa Constituição Federal, dos princípios da não intervenção, da autodeterminação dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos, fica a lição de que estamos no rumo errado ao submeter nossa economia e defesa nacional à hegemonia dos EUA. Isto terá graves consequências, como estamos vivenciando, para nossa sobrevivência como nação independente e soberana.”
Assim como Dirceu, partidos e expoentes da esquerda brasileira afirmam que a responsabilidade pela situação que levou à entrada de tropas russas na Ucrânia é em grande medida da Otan e dos EUA.
Em entrevista ao site Brasil 247, o ex-chanceler Celso Amorim, principal auxiliar de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre política externa, disse que “a grande parcela da culpa, da responsabilidade, é dos EUA e da expansão da Otan”. Nota da bancada do PT no Senado, publicada no dia do início da guerra, foi na mesma direção, mas, após protestos, o texto foi retirado do ar e substituído por outro mais ameno.
O ex-presidente Lula, que deve ser candidato à Presidência em outubro, reforçou sua posição contrária à guerra e em defesa da soberania ucraniana, sem, porém, deixar de aludir indiretamente aos EUA. “As grandes potências precisam entender que não queremos ser inimigos de ninguém. É inadmissível que um país se julgue no direito de instalar bases militares em torno de outros”, disse ele em viagem ao México.
Dias depois, o ex-chanceler Amorim condenou de forma clara a invasão da Ucrânia pela Rússia em live a canais de esquerda, chamando-a de “erro” e dizendo que a ação não tem justificativa. Dirigentes petistas avaliam que as conexões internacionais de Lula e do partido com regimes autoritários serão exploradas por adversários na campanha e defendem que é preciso urgentemente unificar o discurso nessa área.