Encontrar prateleiras vazias tem sido uma situação recorrente nos Estados Unidos, independente do tipo de comércio. Faltam produtos em supermercados, lojas de departamentos, de brinquedos e concessionárias, em um ciclo que pode dificultar a retomada da economia do país.
Não se trata de escassez completa, mas cada hora falta uma coisa diferente. Em agosto, por exemplo, muitos jovens deixam a casa dos pais para irem cursar o ensino superior em outros estados. Na capital, Washington, onde há duas grandes universidades, as prateleiras das lojas de móveis e itens de casa ficaram vazias por semanas. Faltavam desde sofás e camas até itens mais simples, como toalhas e chaves de fenda.
Os itens mais baratos costumam acabar mais rápido e os produtos de nicho têm demorado mais para serem entregues.
“Quanto mais o cliente quer algo personalizado, como escolher uma cor ou material mais específico, maior a demora. Tem casos em que demora mais de seis meses para a compra chegar. E eu só recebo a comissão quando a entrega é feita”, conta Neal Smith, vendedor de uma loja de móveis. Para compensar a perda de renda, ele passou a dirigir Uber neste ano e tem ficado menos tempo no estabelecimento.
“Ouvimos dos fornecedores que ainda deve levar um ano para as coisas se normalizarem”, conta Smith. “Ano passado, comprei um forno para usar no feriado de Ação de Graças [em novembro], mas entregaram ele sem a mangueira, porque estava em falta. Esperei até depois do Natal para receber uma e poder usar”, lembra.
Neste ano, há sinais de que os problemas de falta de produtos na época de festas podem se repetir. Fabricantes de brinquedos, por exemplo, disseram à CNN americana que esperam ter dificuldades para suprir a demanda das compras de fim de ano: poderá haver falta de alguns itens ou aumento de preço nos que conseguirem chegar, para compensar a alta nos custos de logística.
“Há um risco real de que os consumidores terão dinheiro para gastar na temporada de fim de ano, mas o comércio terá de enfrentar problemas na disponibilidade de estoques, custos voláteis e sua própria estabilidade financeira”, disse Simon Geale, da consultoria Proxima, à agência Reuters.
O desabastecimento se torna mais visível nos EUA porque o país importa mais produtos do que exporta. Em 2020, os americanos trouxeram de fora US$ 2,3 trilhões (R$ 11,9 trilhões) em mercadorias e serviços, e exportaram US$ 1,4 trilhão (R$ 7,2 trilhões). Já o Brasil tem movimento inverso: no ano passado, enviou US$ 209,9 bilhões (R$1,1 trilhão) em produtos ao exterior, e trouxe de fora US$ 158 bilhões (R$ 816,5 bilhões). O efeito no Brasil também é menor porque a retomada da economia no país tem sido mais lenta.
A crise de desabastecimento é consequência de uma série de problemas na fabricação e na logística global, que começaram com a paralisação súbita de atividades no começo da pandemia e seguem afetadas pelas incertezas da pandemia de coronavírus. Em agosto, fábricas em países da Ásia como Indonésia, Malásia e Vietnã tiveram de parar a produção por alguns dias por conta de surtos locais de Covid-19. Houve também ligeira queda de produção na China.
Os atrasos afetam especialmente a produção de chips, usados em aparelhos eletrônicos e carros, o que tem levado grandes montadoras a suspender a produção e atrasar lançamentos. “2021 tem sido o ano das falhas super doidas nas cadeias de produção”, postou Elon Musk, ao comentar que um novo automóvel da Tesla, previsto inicialmente para 2020, deve chegar só em 2023.
Na logística, houve forte alta de preços. No último ano o custo para levar um contêiner da China aos EUA passou de cerca de US$ 3.000 (R$ 15,5 mil) para mais de US$ 20 mil (R$ 103,4 mil). Um dos fatores para isso é o congestionamento nos portos. Na China, houve problemas nas últimas semanas por conta de medidas anti-Covid. Se um tripulante de navio for diagnosticado com a doença, é preciso esperar vários dias para atracar, o que atrasa tanto aquela entrega quanto as viagens seguintes do mesmo navio.
Ao chegar aos EUA, os problemas seguem. Há congestionamento nos portos, como o de Los Angeles, que geram um círculo vicioso: os caminhões ficam muito tempo parados na espera para pegar a mercadoria, o que gera prejuízo para as empresas e trabalhadores. Isso faz com que menos motoristas que ganham por viagem queiram trabalhar no negócio.
A falta de produtos faz com que o preço dos que chegam ao comércio suba. O preço médio de um carro novo nos EUA bateu recorde em julho, e chegou a US$ 42.736 (R$ 220.855), segundo a consultoria Kelley Blue Book. No mesmo mês, a queda na venda de automóveis e de itens de casa puxou uma queda geral do comércio nos EUA, que vendeu 1,1% menos do que em junho, segundo o Departamento de Comércio.
“Na situação atual, ficaram visíveis as falhas nas cadeias de produção que já existiam, mas estavam ocultas, como os desperdícios”, diz Alaércio Nicoletti, coordenador da pós-graduação em Economia Circular do Mackenzie e gerente de sustentabilidade do Grupo Petrópolis.
“Imagine uma peça, como um semicondutor, que foi difícil para trazer ao Brasil e se quebra no processo de produção. É um custo difícil de recuperar.”
Ele sugere que as indústrias precisam reforçar o controle para evitar perdas assim e, ao mesmo tempo, fazer um planejamento cuidadoso, para que não exagerem na produção de um item que está escasso agora, mas poderá ter uma oferta exagerada no futuro, o que pode gerar bolhas. “Como a crise de 2008 mostrou, o excesso de produtos também pode gerar escassez depois”, compara.
Para Abrão Neto, vice-presidente da Amcham (Câmara Americana de Comércio para o Brasil), o aquecimento da economia americana como um todo beneficia mais aos exportadores brasileiros do que os problemas com competidores asiáticos. “Estamos exportando muitos produtos do setor siderúrgico, madeiras e materiais de construção, aproveitando o boom no mercado imobiliário americano.”