Farsa do ESG: entenda o que é greenwashing

Literalmente, a expressão significa "lavagem verde", mas costuma ser utilizada no sentido de propaganda enganosa sustentável

Uma empresa que tenta mostrar que faz mais em prol do meio ambiente do que realmente faz. Em português, esse hábito poderia ser descrito como enganação, farsa ou, simplesmente, mentira. No entanto, o vocabulário corporativo -sedento por expressões em inglês- tem preferência por outra palavra: greenwashing.

Literalmente, a expressão significa “lavagem verde”, mas costuma ser utilizada no sentido de propaganda enganosa sustentável, o que vale para empresas, governos e até mesmo para eventos climáticos.

O termo marcou a COP26, e uma das responsáveis foi a ativista sueca Greta Thunberg, que criticou o encontro em suas redes sociais.

“Esta não é mais uma conferência do clima. Este é um festival de ‘greenwashing’ do Norte Global. Uma celebração de duas semanas de negócios como de costume e blá, blá, blá”, escreveu no Twitter.

Assim como Greta denunciou a conferência realizada em Glasgow (Escócia), há quem veja a atual onda ESG (ambiental, social e de governança, na sigla em inglês) como conversa fiada do mundo corporativo.

Companhias têm se esforçado em mostrar suas bandeiras verdes, mas, segundo especialistas, muitas têm ficado apenas no greenwashing.

“As empresas querem tanto demonstrar que estão fazendo alguma coisa que muitas vezes acabam trocando os pés pelas mãos”, afirma Angela Donaggio, fundadora da Virtuous Company e consultora em ESG, governança, ética e diversidade.

Segundo ela, um dos principais erros cometidos pelo mundo corporativo é dar publicidade a iniciativas sustentáveis que ainda serão colocadas em prática, em vez de mostrar o que já está sendo feito.

“É importante lembrar que ESG não é um produto que a empresa compra, não é um indicador do qual ela participa. O ESG de verdade é uma mudança de mentalidade das principais lideranças”, diz.

Para Nelmara Arbex, líder de ESG da consultoria KPMG, o greenwashing ocorre quando uma empresa comunica uma ação positiva sem apresentar evidências.

Segundo ela, nem sempre é algo intencional. Em alguns casos, a companhia pode até ter um projeto interessante, com metas, indicadores e um plano detalhado, mas falha ao não deixar isso claro.

“O que vemos hoje na correria do mundo digital é que o greenwashing acaba acontecendo por má gestão da comunicação. A comunicação sai mais rápido que o projeto”, afirma.

Arbex cita o exemplo das empresas que dizem ter zerado suas emissões de gases de efeito estufa.

“Emissão zero pode ser só na fábrica, pode ser na fábrica e no transporte dos colaboradores, pode incluir a cadeia de fornecedores… Então essa frase [tenho emissões zero] já não traz toda a informação.”

A especialista também destaca que o impacto do greenwashing não fica restrito à empresa responsável. Além de destruir a própria reputação da companhia, a prática diminui a confiança das pessoas em iniciativas verdes.

“Às vezes até quem faz de verdade vai ser punido. Entra no mesmo saco daqueles que não fazem ou não conseguem mostrar evidências”, diz.

Fornecer evidências é o que Rodrigo Viñau, sócio-líder de consultoria da Mazars, considera fundamental para não embarcar no greenwashing.

Na visão dele, é preciso demonstrar por meio de exemplos ou validações externas todas as boas práticas que uma organização diz ter. Também é importante estimular o envolvimento de profissionais de ESG nas discussões sobre campanhas publicitárias, a fim de garantir que não haverá nenhuma distorção.

Viñau diz que o mundo empresarial está passando por uma grande transformação, e as empresas querem demonstrar que adotam práticas ESG.

“Nessa fase, onde o mercado está saindo de um modelo antigo para um novo, existem situações que são greenwashing, mas têm outras que são resultado de uma transição que a empresa está passando e, às vezes, ainda não está completa”, diz.

No entanto, o consultor afirma que muitas companhias estão, de fato, indo pelo caminho da “maquiagem verde” para tentar surfar a onda da vez.

Ele cita o exemplo do setor de bens de consumo, onde há negócios que apostam na narrativa para atingir consumidores ligados à pauta sustentável, principalmente jovens da geração Z.

Para Viñau, não embarcar no greenwashing é uma questão de coerência. “A empresa precisa ter uma estrutura socioambiental e uma preocupação em investimentos reais antes de ir ao mercado tentar demonstrar esses predicados”, afirma.

A coerência do mundo corporativo na agenda ESG também costuma ser questionada quando empresas com discursos sustentáveis se envolvem em tragédias ambientais ou episódios de racismo.

Mauricio Colombari, sócio da PwC Brasil, diz que casos como esses podem ser considerados greenwashing ou socialwashing (referente a iniciativas sociais).

Contudo ele destaca que é preciso ter cautela para diferenciar uma falha no processo de um caso isolado, e cita o exemplo de uma empresa envolvida em ato racista.

“A gente tem que olhar o que foi feito em termos internos, de conscientização, treinamento e preparação para chegar até aquele episódio”, afirma. “A partir do momento que uma empresa não tem uma política, com procedimentos e controle, mas fala que é antirracista, aí realmente você tem um problema”, acrescenta.

Segundo ele, embora existam casos crassos de greenwashing, o tema está envolvido em muita subjetividade. Há desde os tipos mais graves -mentir deliberadamente- até situações mais leves, quando uma empresa dá peso desproporcional a iniciativas pouco relevantes para o meio ambiente.

Colombari também ressalta a importância de ser transparente e dar visibilidade não só às metas sustentáveis, mas ao plano de ação e aos resultados parciais.

“A partir do momento em que as questões ESG estão no centro do processo decisório, ou seja, quando a empresa está discutindo essas questões no mais alto nível de governança, a possibilidade de haver greenwashing diminui de forma considerável”, defende.

 

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