SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os dados do PIB (Produto Interno Bruto) do segundo trimestre jogaram água nas expectativas de quem aguardava uma continuidade na recuperação da atividade registrada nos três primeiros meses do ano.
Para analistas do mercado financeiro, a queda de 0,1% divulgada pelo IBGE nesta quarta-feira (1º) deve trazer revisões para baixo das previsões para o ano. Além disso, fatores como os constantes atritos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com representantes dos demais Poderes e a crise hídrica devem pesar na recuperação.
Para Arthur Carvalho, economista-chefe da gestora de recursos Truxt Investimentos, as previsões para o ano, hoje próximas de 5,5%, devem caminhar para algo mais perto de 5% durante as próximas semanas. Ele se disse surpreso com o número mais fraco do que esperava do setor de serviços, que avançou 0,7% frente à reabertura em curso.
Mesmo com o auxílio emergencial pago pelo governo federal, Rafael Ihara, economista-chefe da Mauá Capital, afirma que o consumo segue mostrando sinais de fraqueza e mantendo-se em níveis abaixo dos observados no pré-pandemia.
O economista lembra ainda que, com a inflação pressionada e seu impacto para o poder de compra da população, os dados macroeconômicos preliminares já indicam que o setor de varejo seguiu perdendo tração durante o terceiro trimestre.
“Além disso, o aperto monetário [alta de juros pelo Banco Central] em algum momento vai se refletir nas condições de crédito”, afirma Ihara, acrescentando que o mercado de trabalho continua em um ritmo lento de recuperação.
De todo modo, ele destaca também que o dado do PIB veio bem próximo ao esperado -a gestora projetava crescimento de 0,1% na margem- e, portanto, não é suficiente para gerar grandes alterações no cenário-base. “O número pode ter sido um banho de água fria para quem estava esperando um crescimento do PIB mais perto de 6%”, afirma.
Segundo Carvalho, da Truxt, o que mais tem pesado para os preços dos ativos no mercado financeiro são as incertezas fiscais e políticas. “A história de crescimento não está fazendo muita diferença para os preços.”
CEO da Mauá Capital, Luiz Fernando Figueiredo também aponta as incertezas no campo institucional do Brasil, bem como relativas à evolução do quadro fiscal do governo, entre os riscos que podem comprometer o crescimento estimado para 2022.
No relatório Focus do Banco Central, a mediana das projeções aponta para um crescimento de 2% do PIB em 2022.
O diretor de pesquisas para América Latina do BNP Paribas, Gustavo Arruda, acrescenta ainda que o risco de racionamento de energia poderá trazer severo impacto para o nível da atividade econômica.
“Os números de PIB, que estão na casa de 2% para 2022, poderiam facilmente ser reduzidos para próximo de zero, se a gente entrasse em um período de racionamento”, diz Arruda.
Na Truxt, no fim de agosto, a casa já optou por revisar de 2% para 1,6%, sua projeção para o crescimento do PIB no ano que vem. O patamar de juro mais alto do que se esperava anteriormente, e os riscos que vêm de Brasília, foram citados pelo economista-chefe entre as razões para explicar a revisão.
O Credit Suisse revisou a projeção de 2% para 1,5%. Em relatório, o banco atribuiu a revisão ao carregamento estatístico menor, inflação mais alta, aperto das condições monetárias (juros de curto e longo prazos) e moderação nos preços do minério de ferro.
“A nossa preocupação maior é mais com o ano que vem”, reforça Daniela Lima, economista da Kinea, que projeta uma expansão de 1% do PIB em 2022, afetado pela retirada dos estímulos fiscais e monetários injetados na pandemia.
Figueiredo, da Mauá, observa que os ativos brasileiros já estão bastante depreciados quando comparados com os pares globais. Por isso, diz, o resultado do PIB do segundo trimestre não deve trazer maiores consequências para os preços no mercado. “Piorar sempre pode, mas o prêmio de risco já está bem elevado”, diz ele, que foi diretor do Banco Central.
Fábio Spinola, sócio diretor, gestor e coordenador do comitê de investimentos da Apex Capital, avalia que a oscilação positiva da Bolsa nesta quarta se deve ao fato de o resultado do PIB não ter sido uma grande surpresa para ninguém.
Além disso, diz que as empresas que têm ações na Bolsa não representam de maneira adequada o resultado do PIB, já que, em muitos dos casos, se tratam de companhias líderes em seus respectivos ramos de atuação, com condições financeiras mais vantajosas do que a maior parte da concorrência.
Spinola afirma ainda que, ao fazer uma análise mais minuciosa dos aspectos microeconômicos das empresas, é possível encontrar boas opções na Bolsa, ainda que a economia não esteja lá grandes coisas.
“Ao procurar alternativas nas ações, é preciso levar em conta qual o poder de preço que a empresa tem, ou seja, até onde ela consegue reajustar os valores sem que o cliente deixe de consumir”, diz o gestor da Apex, que cita os setores de saúde, como farmácias e hospitais, e de locação de carros, entre os que enxerga maior resiliência.
Patrícia Palomo, sócia da gestora Sonata, nota que, apesar do resultado negativo do PIB agrícola, as ações de empresas relacionadas ao tema, como da SLC Agrícola e da Brasil Agro, estão entre os destaques de maior valorização da sessão.
“Pode até parecer um contrassenso, mas é preciso lembrar que o que o mercado precifica é a expectativa lá na frente, enquanto os dados do PIB mostram o que já ficou para trás”, afirma a especialista, acrescentando que o cenário global também contribui para a alta das ações na Bolsa, com as sinalizações do Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) de que deve manter os estímulos monetários na maior economia global ainda por mais algum tempo.
A gestora da Sonata aponta ainda que os preços de algumas ações no setor de serviços podem representar uma boa oportunidade de entrada nos níveis atuais, frente ao avanço das vacinas esperado para os próximos meses.
“Atividades do setor de serviços que mais sofreram na pandemia e que ainda estão deprimidas devem se recuperar”, concorda Daniela, da Kinea.
Não são todos no mercado, contudo, os que estão muito animados com as perspectivas para o Ibovespa.
Na véspera da divulgação do PIB, a XP Investimentos revisou de 145 mil para 135 mil sua projeção para o índice de ações no fim do ano.
“Em agosto, vimos os mercados no Brasil andarem na contramão do mundo novamente, por conta primordialmente de riscos domésticos, atrelados à trajetória fiscal futura, na medida em que o debate em preocupações com as eleições já foram antecipados”, apontam os especialistas da XP, em relatório.
A discussão sobre a sustentabilidade dos altos preços das commodities e a alta dos juros futuros projetados pelos investidores, que hoje já preveem uma Selic acima de 10% para os próximos anos, também foram citados pela XP ao justificar a revisão na estimativa para o índice da Bolsa brasileira.