Fungos nos ensinam sobre conexões e são matéria-prima do futuro, diz biólogo em livro

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Para os desavisados, é fácil subestimar os fungos. Muitas vezes microscópicos ou simplesmente discretos, não é sempre que eles dão as caras, mas estão na raiz da civilização e da própria existência do mundo como o conhecemos.
Em seu livro de estreia, “A Trama da Vida: Como os Fungos Constroem o Mundo” (eds. Fósforo e Ubu), que acaba de ser lançado no Brasil, o biólogo Merlin Sheldrake literalmente mergulha na questão –em um “banho de fermentação”, formado por serragem em decomposição– e protagoniza outras aventuras para decifrar e traduzir o papel desses organismos, tão importantes e ao mesmo tempo tão negligenciados.
A fermentação que deu origem ao pão e à cerveja, de acordo com estudiosos, está intimamente associada aos primeiros assentamentos humanos, quando desistimos de ser caçadores-coletores, investimos na agricultura e passamos a ter uma vida mais previsível, segura e sedentária.
Os fungos também foram os responsáveis, centenas de milhões de anos atrás, pela transformação sofrida pela terra-firme ancestral. Eles decompuseram a rocha e permitiram a colonização por algas e, mais adiante, prepararam o terreno para a chegada das plantas.
A ligação dos fungos com outros organismos é íntima e intensa. Eles fazem parte de nós, estão presentes na nossa pele, em nossos orifícios e no intestino, formando a microbiota.
Associados às raízes de mais de 90% das plantas modernas, os fungos micorrízicos formam uma estrutura em rede que foi apelidada de “internet das árvores”. O nome tem razão de ser, já que é por meio dessas conexões que diferentes plantas podem compartilhar nutrientes e informações cruciais para a sobrevivência.
Mas o papel dos fungos não se restringe ao de suporte ou de mensageiro, eles também podem ser caçadores vorazes. Que o digam os vermes nematódeos imobilizados em redes adesivas, paralisados com substâncias tóxicas ou mesmo capturados com armadilhas que inflam ao toque –uma espécie de mina terrestre fúngica. E aí é hora da refeição.
Um dos maiores problemas do reino dos fungos é sua preservação, explica Sheldrake, que participará virtualmente de uma mesa da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) na próxima terça-feira (30), às 18h, ao lado do pesquisador brasileiro Jorge Ferreira.
“É fundamental que fungos sejam reconhecidos, assim como animais e plantas, como merecedores de proteções legais e de ações de conservação. Em última análise, vamos conseguir isso ao conservar ecossistemas inteiros, e não direcionando esforços à proteção de algumas espécies individualmente”, afirma Sheldrake, em entrevista à reportagem.
Não seriam poucas as vantagens de conhecermos mais a fundo nossos distantes parentes na escala evolutiva (eles também têm o núcleo celular bem organizado, o que nos faz mais próximos deles do que de bactérias, por exemplo). A ligação com eles vai muito além da candidíase, das micoses e das pneumonias que eventualmente nos causam.
Antibióticos como a penicilina talvez sejam o exemplo mais emblemático do que temos a ganhar na dimensão da saúde se prestarmos atenção aos fungos, mas há outros, como a psilocibina, droga hoje usada experimentalmente para tratar transtornos de ansiedade e depressão.
“A psiquiatria moderna é lamentavelmente pobre em soluções para os problemas que as pessoas apresentam. A maior parte das intervenções busca abafar os sintomas, mas não necessariamente curar a causa dos transtornos. Essas drogas psicodélicas são promissoras em ajudar as pessoas nessa busca”, opina o biólogo.
Isso sem falar do crescente uso nutricional e culinário de diversas espécies, cuja produção pode ser mais muito sustentável do que a de proteína animal, por exemplo. Não é recomendável, porém, sair provando os cogumelos que encontrar na natureza, já que muitos são venenosos.
Entre os demais problemas que os fungos podem nos ajudar a atacar estão a poluição, inclusive aquela causada por vazamento de petróleo (já que eles se alimentem praticamente de qualquer coisa), e a obtenção de materiais capazes de substituir o plástico e de serem usados na construção civil.
Apesar dos avanços, ainda falta muito para a humanidade atingir esse renascimento fúngico. “A única maneira de desenvolver a micologia [ramo da biologia que estuda os fungos] é trazendo mais jovens ávidos por estudá-la de uma forma séria e qualificada”, diz Sheldrake.
Há ainda uma nuance metafísica que brota quando nos damos conta do papel central dos fungos no ecossistema, sendo não somente parte indissociável da vida vegetal como a conhecemos e da dieta e da evolução humanas, mas também os responsáveis por dar destino a tudo que morre –ou haveria pilhas e pilhas de cadáveres e plantas mortas por aí.
Eles são os responsáveis por digerir e reciclar os nutrientes de todo tipo de carcaça e dar um sopro de vida à matéria inanimada, ao absorverem minerais de rochas e colocá-los para caminhar na teia alimentar. De fato, fungos são o princípio e o fim.
Na obra, Sheldrake, mais consciente disso do que nunca, escreve: “Agora que este livro está feito, posso entregá-lo aos fungos para que o desfaçam. Vou umedecer uma cópia e semear com micélio Pleurotus. Quando ele tiver comido palavras, páginas e orelhas, e cogumelos-ostra tiverem nascido da capa, eu os comerei”.
“De outra cópia, vou remover as páginas, amassá-las e, com um ácido fraco, quebrar a celulose do papel em açúcares. À solução de açúcar adicionarei uma levedura. Depois de fazer cerveja por fermentação, vou beber e fechar o ciclo”, completa.
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A TRAMA DA VIDA: COMO OS FUNGOS CONSTROEM O MUNDO
Preço: 89,90 (368 págs.)
Autor: Merlink Sheldrake
Editora: Editora Fósforo e Ubu Editora

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