Como governo Lula deverá lidar com “bomba fiscal” de R$ 430 bi?

Para especialistas, governo Lula terá que mudar características em relação aos outros dois mandatos

A partir do dia 1 de janeiro de 2023, o presidente eleito no último domingo (30), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), terá, junto a sua equipe econômica, que lidar com a herança fiscal de várias medidas tomadas durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Estudos recentes, publicados pelo Boletim Macro, do FGV Ibre, mostram que a “bomba fiscal” deixada por Bolsonaro para 2023 pode chegar a R$ 430 bilhões. Para especialistas consultados pelo BP Money, o corte de gastos e o aumento de impostos – que nunca foram características do Governo Lula – poderiam aliviar este rombo nas contas públicas.

Para Marcelo Ferreira, professor e economista, o primeiro passo que o novo governo deveria dar em relação ao cenário fiscal está ligado ao aumento da arrecadação. 

“A criação de novos impostos ou aumento das alíquotas dos impostos já existentes poderia ser uma saída, mas na minha visão essa não é uma boa alternativa considerando-se que a gente já está do lado direito da curva de laffer [relação entre tributação e arrecadação]”, disse Ferreira.

Outro possível caminho para o governo Lula conter a “bomba fiscal” seria conseguir aumentar a arrecadação através do PIB brasileiro, ou seja, através do crescimento da atividade econômica do país.

“Isso seria possível, mas não tem sido frequente. Nos últimos anos, ou o Brasil tem tido PIB negativo ou cresceu de maneira insuficiente, abaixo da inflação, que consequentemente é um crescimento negativo em termos reais. Então a economia brasileira não tem conseguido dar sinais claros de recuperação, por mais que se alegue isso”, afirmou Ferreira.

Para além do déficit previsto para o ano de 2023 (de R$ 63,7 bilhões), Ferreira também salienta que o Brasil possui outros desafios macroeconômicos. O primeiro deles é a questão do superendividamento das famílias, o que potencializa as dificuldades de crescimento do País, já que essas pessoas estão sem condições de consumir através de crédito (um dos motores da economia). 

“Esse [acesso ao crédito] foi um expediente muito usado por Lula no segundo governo e entendo que não dá pra repetir nesse momento. E ainda há a questão do orçamento, que está bem concentrado no poder legislativo e, consequentemente, precisa de uma capacidade de articulação muito grande para equacionar a questão fiscal do País”, disse Ferreira. 

Para o professor de economia da FAAP, Orlando Fernandes, o próximo governo terá de lidar, também, com o desafio do represamento de preços de produtos e serviços controlados pelo estado – os chamados preços administrados – que foram alterados no período de campanha eleitoral do governo Bolsonaro. 

“A alteração nos preços administrados, realizada durante o período da campanha eleitoral, acaba, naturalmente, gerando impactos fiscais e também financeiros sobre determinadas empresas estatais.

O segundo desafio, já discutido na questão anterior, é enfrentar a bomba fiscal que receberá do governo atual, uma peça orçamentária que já prevê déficit de R$ 65 bilhões em termos primários e um déficit nominal projetado em 7,5% do PIB, sem falar na relação de endividamento”, disse Fernandes.

Os preços administrados não variam conforme oferta e demanda. São serviços e produtos com reajustes definidos por contratos ou regulados pelo setor público. São exemplos: combustível, energia elétrica e planos médicos. 

O professor da FAAP também chama a atenção para a peça orçamentária já aprovada pelo governo atual que prevê, ao final de 2023, um déficit primário de mais de R$ 60 bilhões, que pode ser menor ou maior, a depender de vários fatores, como o nível de atividade econômica, arrecadação federal e novos gastos extraordinários. 

“Esse déficit tem muito a ver com renúncia fiscal definida na peça orçamentária, a manutenção do auxílio Brasil de R$ 600, precatórios, enfim, uma série de outros fatores que estão presentes e já antecipam um déficit primário, diferente do que ocorrerá neste ano, que teremos um superávit. Há de lembrar, também, que há uma projeção de crescimento econômica para o ano que vem menor, o que a gente sabe que impacta a arrecadação federal e portanto as receitas, dificultando ainda mais um resultado positivo das contas públicas”, explicou Fernandes.

Contas públicas não estavam preparadas para os gastos gerados na pandemia

De acordo com o professor e economista, Marcelo Ferreira, a economia brasileira não estava preparada para as medidas (mesmo que necessárias) que foram implementadas no governo Bolsonaro – principalmente durante o pico da pandemia de coronavírus. 

“Não é que a pandemia não tenha provocado um quadro de redução da atividade econômica que não justificasse um apoio como esse do Estado, mas a pandemia teria sido péssima em qualquer momento que tivesse chegado, e chegou em um momento bem ruim para o País, economicamente, porque estávamos já com déficit fiscal crescente”, disse Ferreira. 

Segundo o professor e economista, o Brasil não tem a prática de controlar os seus gastos em relação ao que arrecada. 

“Mesmo com o teto de gastos, a gente sente que há uma dificuldade muito grande em relação a isso. E houve um problema também nisso. Houve corte dessa arrecadação desses impostos e a adoção de medidas expansionistas nos gastos, mas sem ter tido um ajuste fiscal prévio”, destacou Ferrreira.

Como Lula deve lidar com a pressão fiscal? 

De acordo com os especialistas consultados pelo BP Money, a condução da questão fiscal no próximo governo depende muito das relações que serão estabelecidas entre Lula e os agentes econômicos, além do empresariado e a escolha da sua equipe econômica. 

Para os especialistas, a questão mais imediata, talvez, seja a de ganhar a confiança dos agente econômicos, desde a equipe de transição e da nomeação de seu ministério. Isso serviria para ganhar confiança do empresariado e gerar um cenário de estabilidade, para que a economia fosse reativada.

“Reativar os motores da economia é um grande desafio. Tanto o consumo quanto os investimentos, o comércio exterior, é um grande desafio por causa do momento atual que prevê estagnação ou recessão econômica em grandes países do mundo ou uma desaceleração econômica, isso sempre dificulta o comércio exterior”, disse Fernandes.
 
Para o professor de economia da FAAP, o Brasil precisa recuperar a confiança internacional, para reativar os investimentos internos e dar dinâmica à atividade econômica. 

O economista Marcelo Ferreira concluiu afirmando que os cortes de gastos no próximo governo – apesar de necessários – não devem ser feitos em educação, saúde ou segurança pública. 

“É preciso cortar os gastos que não aumentam os limites estruturais, que não são gastos de investimento, então é preciso pensar na questão de custeio, gastos com supérfluos, e coisas do tipo que também tem um volume bastante expressivo e que poderia contribuir bastante na situação econômica do país nesse momento”, concluiu Ferreira.

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