BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Para garantir a aprovação no Senado da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios, que viabiliza o Auxílio Brasil de R$ 400, o governo cedeu à pressão e aceitou deixar despesas com dívidas ligadas ao Fundef (fundo da área de educação) fora do teto dos gastos.
Isso abriu caminho para que a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) aprovasse nesta terça-feira (30) a nova versão da PEC, que agora segue para o plenário do Senado. O texto foi aprovado na comissão por 16 votos votos a favor e 10 contra. Na votação no plenário, o governo precisa do apoio de 49 dos 81 senadores, em dois turnos de votação.
Após a votação na comissão, o líder do governo no Senado e relator da proposta, Fernando Bezerra (MDB-PE), disse que iria encontrar com o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para negociar a votação ainda nesta terça-feira da proposta no plenário.
A vitória política no Senado foi resultado de uma derrota da equipe do ministro Paulo Guedes (Economia), que vinha resistindo a deixar as dívidas do Fundef fora do teto ?regra que impede o crescimento das despesas acima da inflação.
A mudança no texto PEC foi divulgada nesta terça (30) pelo relator Fernando Bezerra, que era pressionado pelas maiores bancadas da Casa.
A retirada dos precatórios do Fundef do teto dos gastos era uma demanda em particular do PSD, segunda maior bancada do Senado, com 12 senadores. Um dos mais ferrenhos defensores da medida era o senador Otto Alencar (PSD-BA).
Precatórios são dívidas da União que já foram reconhecidas pela Justiça (não cabe mais recurso). Para 2022, há cerca de R$ 16 bilhões em de dívidas de repasses do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) para Bahia, Pernambuco, Ceará e Amazonas. Há ainda R$ 1,3 bilhão devidos a municípios. A PEC parcela essa conta em três anos.
A parcela do Fundef prevista para 2022 deve ser superior a R$ 8 bilhões. Bezerra teve que colocar essa despesa fora do teto de gastos para atender a um pedido do PSD e do MDB, que é a maior bancada do Senado.
Esses partidos defendem que haja uma prioridade no pagamento dos precatórios alimentícios (para servidores públicos).
Como a PEC cria um valor máximo nos gastos com precatórios por ano, o governo teve que ceder e criar um tratamento excepcional para as dívidas do Fundef. O argumento é que as transferências do Fundeb (que substituiu o Fundef) não são atualmente contabilizadas dentro do teto de gastos.
Dessa forma, devem ser pagos, dentro do teto, cerca de R$ 34 bilhões para dívidas de pequenos valores e para idosos, além de cerca de R$ 8 bilhões para as alimentícias.
A PEC dos Precatórios é hoje a principal pauta de interesse do presidente Jair Bolsonaro no Congresso. Ela autoriza o governo a gastar mais e viabiliza promessas do governo na área social, como o aumento no Auxílio Brasil, que buscam dar impulso a Bolsonaro na campanha à reeleição em 2022.
Para ampliar em cerca de R$ 106 bilhões as despesas do próximo ano, a PEC tem dois principais pilares.
Uma medida permite um drible no teto de gastos, fazendo um novo cálculo retroativo desse limite. A outra medida cria um valor máximo para o pagamento dos precatórios.
Apesar do valor vultoso a ser acrescentado nas despesas de 2022, o espaço orçamentário não é suficiente para bancar todas as promessas de Bolsonaro, como auxílio financeiro a caminhoneiros e reajuste salarial a servidores públicos federais.
A primeira versão do relatório de Bezerra foi apresentada na semana passada, mas houve um pedido de vistas de diversos partidos, para que a proposta apenas fosse votada nesta terça (30). Os partidos com bancadas mais numerosas chegaram inclusive a ameaçar impor uma derrota ao governo, se não houvesse mudança.
“Não posso concordar em hipótese alguma com o relatório do senador Bezerra. Nós temos alternativas. Nós não precisamos mexer na regra do teto. Nós não precisamos dar calote em precatórios. E nós temos, sim, como fazer o Auxílio Brasil”, disse o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), que articula uma proposta alternativa à PEC do governo, cujo objetivo é tirar todos os pagamentos de precatórios da conta do teto de gastos -o que não agrada a Guedes.
Ao longo dos últimos dias de negociação, Bezerra havia dito que estava confiante com a aprovação na CCJ, mas já previa uma votação apertada. O líder do governo no Senado chegou a prever nesta terça (30) inclusive um placar mais pessimista do que vinha afirmando na semana passada, com 14 ou 15 votos a favor ?chegou a falar em 17 na semana passada.
A nova versão apresentada pelo relator nesta terça (30) visa atender a pedidos de senadores e de governadores. O objetivo é reduzir as críticas à PEC, que precisa de amplo apoio no plenário.
Uma das mudanças flexibiliza as regras para estados que renegociaram dívidas com a União e acabaram descumprindo o acordo de não romper o teto de gastos estadual.
“Não é assunto da PEC dos Precatórios, mas é uma demanda que foi solicitada pelos senadores”, afirmou Bezerra.
A emenda permite que esses estados possam restituir a União ainda pelo prazo mais longo (benefício da renegociação da dívida) desde que adotem medidas de controle de gastos, como impedir aumento salarial a servidores, barrar a realização de concursos e vedar a criação de novas despesas obrigatórias.
O relator afirma que não haverá prejuízo financeiro para a União. “Seu impacto é neutro para a União, porque os recursos lhes serão devolvidos com encargos de adimplência”, afirma o senador.
No novo relatório, o texto foi alterado para que novos aumentos a serem concedidos no valor do Auxílio Brasil e no número de famílias atendidas pelo programa só sejam liberados após o Executivo apresentar uma medida compensatória (criação de novos impostos ou corte de despesas).
Na semana passada, o líder do governo incluiu uma brecha para que o Auxílio Brasil se torne um programa social permanente, como defendem líderes do Senado, e livra o governo de encontrar uma medida que compense o aumento de gastos nessa área.
Na avaliação de economistas e técnicos do Congresso, isso representa um drible na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), que exige a compensação quando o governo tiver um novo gasto permanente.
Inicialmente, o governo previa elevar o benefício do Auxílio Brasil dos atuais R$ 224 para R$ 400 mensais apenas entre dezembro de 2021 e dezembro de 2022. Como a medida teria caráter temporário, não seria necessário encontrar uma medida compensatória.
O Senado, porém, pressionou para que o programa no valor de R$ 400 seja permanente. Por isso, o governo teve que buscar uma solução para viabilizar a medida no próximo mês sem precisar aprovar um projeto de aumento de imposto ou de corte de despesas.
“Com isso [mudança no texto nesta terça], novos aumentos futuros dos valores dos benefícios do Programa Auxílio Brasil precisariam indicar como fonte de custeio a redução permanente de despesa ou o aumento permanente de receita”, afirmou o relator.
Outra mudança feita por Bezerra foi deixar claro que o limite previsto na PEC é para o pagamento de precatórios. No texto anterior, estava escrito que o limite seria para a expedição de precatório, mas esse ato (que gera a dívida a ser quitada pela União) é do Judiciário. Portanto, haveria uma trava à atuação do Judiciário, e não ao valor a ser pago no ano.
Bezerra também incluiu um prazo de 90 dias para o início de vigência dos termos previstos na PEC, para a regulamentação de aspectos operacionais do acerto de contas entre União e os credores privados.
O relator da proposta ainda disse que vai negociar dois outros pontos com outros senadores, para buscar um acordo para a votação nesta terça-feira (30).
“São dois pontos que estão sendo avaliados, que é a questão da vinculação do espaço fiscal para as despesas com Auxílio Brasil e as despesas correlacionadas ao reajuste do salário mínimo. E tem também uma discussão que eles querem aprofundar sobre como assegurar o caráter permanente do programa. Entendo que na nossa redação isso já está assegurado, mas eles querem debater um pouco mais para ter mais garantias de que o Auxílio Brasil será um programa permanente”, afirmou após a sessão.