RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Grandes consumidores de energia pedem ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) que reprove a venda da Gaspetro, subsidiária da Petrobras que participa de 19 distribuidoras de gás canalizado, à Compass Gás & Energia, do grupo Cosan.
Eles alegam que a operação agrava problemas concorrenciais no setor de gás natural e fere termos do acordo assinado entre a Petrobras e o próprio Cade para redução da participação estatal nesse mercado, o que Petrobras e Compass contestam.
Já há no Cade pedidos similares feitos pela Abrace (Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia), pela Abividro (Associação Brasileira da Indústria do Vidro), pela ATGás (Associação de Empresas de Transporte de Gás Natural por Gasodutos).
A Abep (Associação Brasileira das Empresas de Exploração e Produção de Petróleo) também tem representação no Cade sobre o tema. O mercado teme que o processo desencadeie um retrocesso no modelo proposto pela nova Lei do Gás, aprovada em março, que incentiva a desverticalização do setor.
A operação foi concluída em julho, no valor de R$ 2 bilhões. Com a compra da Gaspetro, o grupo Cosan passará a ter participação em cerca de dois terços do volume total de gás natural distribuído no país, somando a Comgás e as distribuidoras em que a estatal tem participação.
A Compass também atua na venda de gás natural e tem um projeto de construção de um terminal de importação e de um gasoduto ligando as reservas do pré-sal ao litoral de São Paulo, o que poderia dificultar a atuação de novos vendedores do combustível no mercado brasileiro.
“Da forma como apresentada a operação, é nítido que essa tem o condão de gerar capacidade e incentivos para a Compass ser beneficiada no fornecimento de gás às CDL’s [companhias distribuidoras locais] do seu grupo econômico”, diz a petição protocolada pela Abrace no Cade.
A venda da Gaspetro é parte de TCC (termo de cessação de conduta) assinado pela Petrobras em 2019 para evitar investigações do Cade sobre abuso de poder econômico no mercado de gás natural. As associações defendem que o acordo impedia a transferência do negócio a empresa com participação em outros elos da cadeia do combustível.
“Não obstante o descumprimento ao TCC, a operação agrava problemas concorrenciais no setor de gás natural, em especial no mercado de comercialização de gás, gerando barreiras à entrada e custos aos concorrentes”, diz o texto da Abrace.
“Ademais, a operação reforça o poder de compra e barganha da Gaspetro e da Comgás, com potencial de prejudicar os mercados competitivos do setor, como fornecimento e comercialização de gás natural”, completa. Questões semelhantes são levantadas pela petição da Abividro.
A disputa coloca em lados opostos a gigante Cosan e algumas das maiores empresas brasileiras, como a Vale, a Ambev e a Gerdau, que são associadas da Abrace. Eles já se enfrentam no debate sobre a renovação da concessão da Comgás, também vista pela indústria como um retrocesso.
A proposta de dar à Compass mais 20 anos da maior distribuidora de gás canalizado do país é criticada pelo setor por prever a interconexão das três distribuidoras paulistas ao terminal da Compass no litoral paulista, possibilitando a separação do mercado paulista do resto do país.
A Petrobras chegou a suspender as negociações com a Compass, alegando que feria o TCC, mas depois voltou atrás e disse ter parecer do Cade permitindo a retomada das negociações. As associações que pendem a rejeição do processo reclamam que esse parecer nunca foi publicado pelo órgão.
A proposta de renovação enfrenta resistência também da Seae (Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade) do Ministério da Economia, para quem a operação nos termos propostos pelo estado de São Paulo reduzirá a competição no setor de gás e impactará as tarifas pagas por consumidores de outros estados.
A Petrobras e a Cosan disseram que não vão comentar o assunto.
Na defesa da operação junto ao Cade, as empresas alegam que as distribuidoras locais de gás atuam em mercados distintos em áreas geográficas diferentes como monopólio natural. Por isso, não haveria risco de competição entre elas.
Além disso, dizem, a operação não gera integração vertical, pois os investimentos da Compass no setor de gás natural ainda estariam na fase pré-operacional.
Defendem que a aquisição não gera poder de monopsônio ou de barganha porque a Petrobras continua dominante no abastecimento nacional de gás e que os produtores têm outras alternativas para sua produção, como exportação, reinjeção ou venda para consumidores livres.