O governo brasileiro deve anunciar nos próximos dias a isenção do Imposto de Renda para investimentos estrangeiros em títulos de dívidas de empresas brasileiras. Na prática, isso tornará mais barato que elas obtenham recursos de empréstimos do exterior.
A expectativa é que a medida ajude na capitalização de empresas que investiram na privatização no Brasil, como na concessão de estradas.
“As empresas privadas precisam de financiamento barato. No passado, quando o governo era o condutor [de investimentos], demos isenção fiscal para investidores estrangeiros comprarem títulos [ligados ao governo]. Agora que o condutor é o investimento privado, precisamos dar a mesma isenção. Então estaremos removendo impostos em investimentos estrangeiros em títulos privados. Deveremos anunciar isso na semana que vem”, disse o ministro Paulo Guedes à Folha, em Nova York.
A medida deve reduzir a arrecadação em R$ 450 milhões por ano e pode ser tomada pelo Executivo, sem passar pelo Congresso.
Atualmente, há incidência de 15% sobre os ganhos de capital nestas aplicações, quando elas são realizadas por não brasileiros.
Posteriormente, a Folha apurou que a isenção de Imposto de Renda para investimentos estrangeiros em títulos de dívida de empresas brasileiras deve valer para papéis com vencimento a partir de 2023.
Companhias interessadas em utilizar o instrumento ainda em 2022 para atrair recursos externos poderão já estruturar suas operações, mas o benefício da isenção valerá apenas para os resgates realizados pelos investidores a partir do ano que vem.
A intenção da equipe do ministro Paulo Guedes é efetivar a medida logo. Antes, porém, será necessário aguardar a votação no Congresso Nacional de uma mudança na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias).
A legislação hoje limita a cinco anos o prazo de duração de novos benefícios tributários. A proposta da equipe econômica é afastar esse dispositivo em caso de alteração em normas de tributação de investimentos vindos do exterior.
A decisão de adiar o início da isenção para 2023 busca evitar a necessidade de cortar benefícios tributários ou elevar impostos para compensar uma eventual renúncia neste ano -uma exigência da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) sempre que a perda de receita não está prevista no Orçamento.
Ao anunciar a intenção de desonerar investidores estrangeiros interessados em financiar companhias brasileiras, Guedes citou inicialmente uma estimativa de renúncia de R$ 450 milhões este ano.
A conta previa isenções em resgates a serem feitos já em 2022. Hoje, o ganho de capital obtido por estrangeiros nesse tipo de papel é taxado em 15%, enquanto outros investimentos como ações e títulos do Tesouro Nacional já são isentos.
O número calculado pela Receita Federal abriu um impasse. De um lado, técnicos da área econômica citavam a necessidade de compensação e passaram a mapear benefícios tributários passíveis de corte.
De outro lado, integrantes da equipe econômica argumentavam que o cálculo era inadequado. Como o investimento estrangeiro em dívida privada hoje é praticamente inexistente, a Receita quase não recolhe IR sobre esse tipo de rendimento.
Para essa ala, o fluxo de recursos só virá por causa da isenção. Portanto, não faria sentido estimar a renúncia com base na aplicação da alíquota de 15% sobre uma expectativa de ingresso de capitais que não existiria sem a medida de incentivo.
Internamente, o governo chegou a cogitar um decreto para reduzir o incentivo a fabricantes de refrigerantes da Zona Franca de Manaus, segundo quatro fontes do governo ouvidas pela reportagem. Mas a opção que acabou prevalecendo foi adiar o benefício da isenção a estrangeiros para 2023, a tempo de sua inclusão na proposta orçamentária.
A avaliação entre auxiliares de Guedes é que a estruturação de emissões de dívida privada leva certo tempo, e os vencimentos costumam ocorrer em médio e longo prazo. Por isso, não haveria prejuízo à tentativa de fomentar o mercado em um momento de alta liquidez no mercado internacional.
Já a adoção da compensação, via cortes no benefício a fabricantes de refrigerantes, traria dor de cabeça ao governo Jair Bolsonaro (PL).
A redução do incentivo atingiria em cheio grandes empresas do setor, como Ambev e Coca-Cola, que hoje usam o benefício para recolher menos tributos, como IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) e CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido).
Além disso, poderia gerar mais atrito com a bancada de parlamentares do Amazonas, já contrariada com o corte linear de 25% no IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), que tirou competitividade de empresas instaladas na região.
As companhias que produzem o xarope dos refrigerantes e estão instaladas na Zona Franca são isentas de IPI, mas mesmo sem pagar tributos geram créditos tributários para grandes empresas engarrafadoras que adquirem o concentrado.
O benefício é equivalente ao valor do IPI sobre o xarope de refrigerante. Até o fim de fevereiro, a alíquota era de 8%, mas com o corte linear já havia caído a 6%. A nova redução que chegou a ser cogitada pelo governo levaria a alíquota a 4%.
Quanto menor é o porcentual, menos créditos as grandes empresas têm para abater seus tributos.
A redução linear do IPI ocorreu em meio às negociações do governo para aprovar o pacote de alívio tributário sobre o diesel no Congresso Nacional.
Para desfazer o mal-estar e assegurar a votação das medidas, o ministro da Economia precisou recuar e prometeu um novo decreto para retirar do corte de IPI os produtos que são elaborados na Zona Franca. O acerto foi feito em reunião na residência oficial do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Apesar disso, o decreto revendo a redução ainda não foi editado.
A necessidade de reeditar o decreto do IPI para agradar a bancada do Amazonas já vinha gerando dúvidas dentro do governo sobre a disposição em avançar no corte do benefício do setor de refrigerantes.
Em meio às críticas aos cálculos da Receita Federal, a opção final para a isenção do IR foi evitar a necessidade de compensação este ano.
Estrangeiros podem estar mal-informados sobre o Brasil, diz Guedes nos EUA.
Guedes viajou aos EUA para encontros com investidores, em Nova York e em Miami. Nesta terça (1º), o ministro participou de um evento na Brazilian American Chamber of Commerce em Nova York. Ele falou a uma plateia de cerca de 40 pessoas, formada por empresários e representantes do mercado financeiro, por cerca de duas horas.
Ele disse que as pessoas no exterior podem estar mal-informadas sobre a situação atual do Brasil, ressaltou números positivos do país, como a queda do desemprego para 11,6%, e voltou a dizer que a inflação no país deve ser controlada este ano.
“No Brasil, a inflação era de 3% [antes da pandemia] e chegou a 10%. Já vivemos com 5.000%. Então 10% para nós é brincadeira de criança. Vai ser coisa de seis meses, nove meses e acaba. Mas não aqui [nos EUA]. A inflação está esperando vocês na esquina”, disse.
Guedes fez uma defesa do governo Jair Bolsonaro. Disse que a gestão está fazendo uma transição de um modelo de economia capitaneado pelo Estado, adotada, na visão dele, por todos os governos desde a ditadura militar, para um cenário onde os investimentos privados predominam.
Ele avalia que a crise brasileira atual, com alto desemprego e perda de renda e de compra, é fruto de governos passados, que gastaram muito dinheiro público e sufocaram o empreendedorismo por excesso de regras e impostos.
“Não é Bolsonaro que destruiu o Brasil. O país vem sendo destruído há 40 anos”, afirmou. “Ele tem más maneiras, mas é um cara legal”, disse, em inglês.
Também disse que Bolsonaro e partidos de direita chegam em situação competitiva às eleições deste ano. “Não estou dizendo que Lula não vai ganhar, mas que será uma eleição disputada”, projetou. Guedes também fez elogios a Tarcísio de Freitas, atual ministro da Infraestrutura. “Tarcísio será o próximo governador de São Paulo”, projetou.
O ministro abordou, ainda, a ideia de uma moeda única no continente sul-americano, da qual o Brasil poderia ser a âncora, “da mesma forma que a Alemanha é com o euro”. E que caso a ideia tivesse avançado, alguns anos atrás, as economias de Argentina e Venezuela “poderiam ter sido salvas”.
“Daqui a quatro, cinco anos, vamos ter uma moeda digital, blockchain, ninguém usando dinheiro vivo. Como na China, todo mundo [pagando] com celulares”, projeta. “Daqui a alguns anos, haverá seis ou sete moedas relevantes no mundo, e as outras vão desaparecer por irrelevância. Mesmo os cidadãos dos países que as usam vão abandoná-las”, estima.