SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Desde o Plano Diretor, de 2014, e a lei de zoneamento, de 2016, ficaram mais comuns em São Paulo os empreendimentos que misturam estúdios de 20 metros quadrados a apartamentos de mais de 100 metros quadrados.
A legislação indica que, em regiões bem servidas de infraestrutura de transporte, um terreno de mil metros quadrados, por exemplo, deve receber ao menos 50 unidades. Essas deverão ter, em média, 80 metros quadrados, explica Eduardo Della Manna, arquiteto e diretor do Secovi-SP na área de assuntos legislativos e urbanismo metropolitano.
Mas, em bairros valorizados da cidade, há demanda por imóveis maiores do que isso. A saída é “puxar” a área para algumas unidades, enquanto se reduz a de outras.
O mesmo acontece com a garagem. O Plano Diretor visa reduzir o número de vagas em empreendimentos próximos ao metrô ou a corredores de ônibus, mas a indústria não vai vender um apartamento de mais de cem metros quadrados sem estacionamento. Um estúdio, ao contrário, aceita essa condição. Assim, a vaga do estúdio é “puxada” para o apartamento maior.
Essa dinâmica é incentivada também porque o Plano Diretor permite que até 20% das unidades do empreendimento sejam não residenciais. Dessa forma, os estúdios já são criados para a locação de curta temporada.
A mudança atingiu tanto a própria indústria imobiliária como o consumidor. “Foi um desafio grande porque sempre fizemos o mesmo projeto, um bom três dormitórios, mas fomos nos adaptando”, explica Rodrigo Mauro, diretor-geral da construtora REM.
Para tornar essa diversidade de unidades mais palatável ao comprador, o que as incorporadoras fazem é dividir o empreendimento em duas partes.
A divisão pode resultar em torres separadas ou em porções de um mesmo prédio dedicadas a cada tipo de imóvel.
O Bothanic, da Cyrela, lançamento no Campo Belo (zona sul), é dividido entre dois condomínios, o Residences ?com apartamentos de 111 e 135 metros quadrados? e o Aparments, com unidades de 30 a 42 metros quadrados. Há duas entradas no empreendimento e as áreas de lazer são exclusivas para cada condomínio, de modo que os moradores não se cruzem.
“O cara do apartamento de 200 m² não vai querer morar com o cara que comprar apartamento de 25 m² e colocar no Airbnb”, diz Orlando Pereira, diretor comercial da Cyrela.
A empresa tem outros lançamentos nessa mesma linha, como o Moema by Yoo, com unidades de 25 a 270 metros quadrados, em duas torres.
Conseguir atingir essa separação total dos moradores das unidades é um objetivo declarado da indústria. No lançamento da REM na Vila Romana, em um mesmo terreno são comercializados o Alta Romana e o REM ID. O primeiro tem unidades de até 144 m² e o segundo é composto por estúdios de 20 m².
Segundo o diretor-geral da REM, o “pulo do gato” para esse tipo de empreendimento é comprar terrenos em esquinas ou que tenham saídas para duas ruas, para garantir entradas bem separadas.
Esse tipo de projeto também permite adaptar outro ponto incentivado pelo Plano Diretor: a fachada ativa, que significa ter comércio na base do prédio.
A REM aproveitou a rua mais movimentada do REM ID, a torre com os estúdios, para colocar a loja, enquanto manteve o Alta Romana, de plantas maiores, em uma via mais calma e sem comércio.
A You,Inc também tem lançamentos nessa linha, e enxerga na divisão das áreas um fator essencial para garantir a atratividade dos projetos. No Casa Jardins, por exemplo, há imóveis de R$ 4 milhões e mais de 140 m², com estúdios de 23 m², enquanto o Alto by You, na rua Estela, tem unidades de R$ 2,5 milhões ?que vão até 130 m²? e estúdios de 25 m².
“É como se não fosse no mesmo empreendimento”, diz Abrão Muszkat, diretor-executivo da incorporadora.
Segundo ele, o melhor é fazer torres separadas, quando possível. “Temos feito predinhos de quatro, cinco andares, acoplados ao prédio principal, porque o pessoal que compra os apartamentos de 100, 110 metros quadrados fica um pouco arisco quando tem apartamentos pequenos embaixo, é uma mistura que não é muito bem recebida pelo público comprador”, afirma.
É a mesma opinião de Rodrigo Cagali, diretor financeiro da incorporadora Mitre. Pela experiência da empresa, clientes de classe média e média alta aceitam a mistura de unidades, mas para o segmento de alto padrão, quanto mais dividido, melhor.
“Fazer torre separada é importante, ou fazer a entrada do prédio normal para uma rua e a de compactos para outra. São detalhes que fazem diferença”, afirma Cagali.
Essa aceitação dos consumidores é um processo em andamento. “Há três ou quatro anos, tínhamos que explicar muito mais para vender um prédio desse, hoje as pessoas estão mais acostumadas.”
A segregação entre os espaços é bem vista por Della Manna, do Secovi. “Desejar uma cidade múltipla não quer dizer que todo mundo tenha que entrar por um mesmo local. Os modos de vida são diferentes, isso às vezes gera atrito, então acho que essa divisão de acessos não atrapalha.”
Há quem já encontrou vantagem nesse modelo. Pereira e Mauro contam que tiveram clientes que compraram apartamentos maiores para morar e adquiriram também estúdios, para a mãe e a sogra viverem, mantendo os familiares por perto, mas sem precisar dividir o mesmo imóvel.
Della Manna acredita que veremos cada vez mais estúdios serem transformados em escritórios, para moradores que queiram ter sua base de trabalho no mesmo prédio, sem precisar fazer home office.
É uma alternativa para o grande fluxo de estúdios na cidade. Segundo dados do Secovi-SP, a participação dos imóveis com menos de 30 metros quadrados nos lançamentos em São Paulo passou de 11% em 2018 para 24% em 2020, e está em quase 22% até setembro deste ano.
Alberto Ajzental, coordenador do curso de Negócios Imobiliários da FGV, diz que os prédios com unidades mistas são “Frankensteins”. “Sou obrigado a ter unidades pequenas nos andares baixos, sem vagas, para poder criar unidades grandes com vaga. Não fica bom nem para um lado, nem para o outro.”
Ele vê ainda uma falha na superoferta de estúdios. “Haja estudante rico ou casal recém-casado para comprar tanto apartamento de 40 m².”
Na quinta (28), a gestão do prefeito Ricardo Nunes decidiu prorrogar o prazo para se discutir a revisão do plano, que terminaria ainda em 2021, para o próximo ano.