Futuro insustentável

Indústria brasileira deve enfrentar uma ‘maré’ negativa este ano

A indústria teve o maior faturamento real em 14 anos no ano passado, porém, analistas acreditam que não há sustento para esse ritmo

Foto: Indústria/CanvaPro
Foto: Indústria/CanvaPro

Os setores econômicos brasileiros viveram um ano surpreendente em 2024, com avanços em uma escala que não era esperada. No caso da indústria, foi registrado um crescimento de 5,6% no crescimento real em 2024, o maior desde 2010. No entanto, especialistas apontam que essa tendência positiva não deve se manter para 2025 e além.

A CNI (Confederação Nacional da Indústria), responsável pelo levantamento de dados sobre o crescimento da área, afirmou que o aquecimento do mercado de trabalho, a expansão fiscal e o aumento na concessão de crédito foram os impulsionadores do setor.

Mas a tendência é de redução do ritmo de trabalho da indústria, visto que a demanda interna deve recuar e as empresas terão menor volume de vendas e investimentos, afirmou Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos.

“Contudo, companhias com diversificação geográfica ou que já atuam no mercado externo poderão amenizar esses impactos”, enfatizou.

Além de Lima, a previsão de uma indústria mais fragilizada desse momento em diante foi reforçada por Luciano Bravo, CVO da inteligência comercial.

“A indústria enfrenta um ambiente muito desafiador, a demanda pode diminuir devido à perda de renda e aumento da incerteza econômica, por conta de algumas tomadas de decisões do governo. Além disso, setores com maior dependência de consumo interno, como bens de consumo duráveis, tendem a ser afetados também”, disse.

Destrinchando os fatores de impulso mencionados pela CNI, no ano passado a trajetória das contas públicas teve mais expansão e causou grandes preocupações entre os agentes do mercado financeiro. No entanto, o governo federal conseguiu cumprir a meta fiscal de zerar o déficit primário, com uma banda de tolerância de 0,25% do PIB, finalizando o ano com R$ 11 bilhões negativos, equivalente a 0,4% do PIB (Produto Interno Bruto).

Sidney Lima avaliou que o  impulso gerado pela expansão fiscal tende a se dissipar, pois os incentivos generalizados serão substituídos por medidas mais específicas. “O setor deverá contar com estímulos pontuais voltados a áreas estratégicas, o que exigirá uma maior autonomia e investimentos em eficiência e inovação para manter o ritmo de crescimento”, projetou.

Luciano Bravo, por outro lado, acredita ser cedo para prover possíveis estímulos ao consumo e à atividade industrial, mas mencionou que, se o governo federal estiver, de fato, buscando o equilíbrio das contas públicas, o espaço para estímulos adicionais deve ser reduzido. 

“Quanto ao incentivo à indústria, há expectativa de programas mais direcionados para inovação, tecnologia e transição energética, mas com menos subsídios generalizados”, mencionou.

Juros pressionam a estabilidade financeira da indústria brasileira

Seguindo o ciclo de aperto monetária adotado desde setembro de 2024, o Copom (Comitê de Política Monetária) elevou a Selic (taxa básica de juros) para 13,25% ao ano na reunião realizada em janeiro. É esperado um novo aumento de 1 ponto percentual na reunião de março, mas passado esse período não há um guidance definido. Porém, se o ciclo continuar apertando, o resultado pode ser um prejuízo para a indústria.

O vice-presidente do Corecon-SP, Haroldo da Silva, afirmou que a expectativa é que o aperto monetário seja de curto prazo, caso contrário, pode haver um “boom” no número de recuperações judiciais do setor. O analista reforçou que no ano passado, esse número cresceu 37%, segundo a Serasa Experian.

“Com um cenário ainda mais restrito. No que se refere aos juros e ao custo de capital, a situação tende a piorar. Primeiro ponto é evitar o capital de terceiros. Mas, nem sempre isso é possível. Algumas empresas conseguem tomar recursos no exterior, embora mais baratos, têm acrescido o risco cambial”, disse.

Combinado a isso, Silva enfatizou ser necessário que as companhias do setor busquem acesso ao crédito a partir de fontes oficiais, como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e outras agências de fomento, com taxas menores.

Luciano Bravo reforçou que a trajetória da Selic é mais um fator de peso sobre os investimentos e a saúde das empresas no setor industrial. Ele reiterou a sugestão de Silva, de que uma possibilidade de atravessar esse problema é na busca pelo investimento estrangeiro.