Inflação e Duck Hunt

No fim, quem “paga o pato”?

Os mais velhos devem lembrar de um famoso lançamento da Nintendo chamado “Duck Hunt”. Lançado em 1984, o jogo desafiava o competidor a acertar todos os patos que voavam ao redor do cenário, com possibilidade de 3 erros. Ao passar dos níveis, o jogador percebia a dificuldade de seus desafios aumentando, com mais obstáculos, diversos patos e cenários caóticos. É dessa maneira que encontramos a situação da atual “fase do jogo” do BCB contra os “alvos da inflação” que, muito parecido com os tais marrecos, se espalham rapidamente, desafiando o órgão monetário a utilizar de todas as armas possíveis e prováveis na escalada dos “níveis”. 

Com a forte recessão provocada pela pandemia, Bancos Centrais ao redor do mundo iniciaram sua saga para evitar uma abrupta queda de renda e liquidez nos mercados globais. No Brasil, observamos cortes consecutivos na taxa básica de juros (SELIC), chegando ao seu menor patamar nominal histórico (2% a.a.), além de diversos instrumentos como a redução da taxa de compulsório (depósito obrigatório dos bancos comerciais frente ao BCB), de 25% para 17%, e diversos movimentos no mercado de liquidez diária dos bancos. Todo esse esforço foi desenhando em cima de um Forward Guidance de redução dos juros e esperada depreciação cambial que, nos termos e relatórios do COPOM, seriam compensados pela retomada econômica e compensação direta do mini-boom de commodities através dos termos de troca (razão entre um mesmo produto exportado e importado).

Para quem não quer entrar na briga com os “patos” da inflação, apostar na depreciação rápida da moeda pode não ser a melhor estratégia. Na medida em que a atividade não foi retomada devido ao atraso na vacinação e, concomitantemente, verificou-se superestimação da retomada global de commodities, os termos de troca pouco fizeram efeito e o dólar disparou. Dado isso, o FG do órgão monetário brasileiro pareceu não obedecer a rigidez dos modelos aplicados e, com a alta da moeda americana, veio o repasse cambial nas importações e lá vieram eles, voando pelo caótico cenário epidêmico e pós-pandêmico com um COPOM surpreso e rendido pelo inimigo que, em tese, não nos faria cócegas em 2021. O primeiro setor a sentir a chegada da alta de preços foi o alimentício, e com ela vem toda a contaminação nas cadeias produtivas e nos insumos.

Agora, com o atual cenário de inflação das cadeias globais (não foi só o nosso Banco Central que apostou de maneira equivocada) os obstáculos e desafios só acrescentam dificuldade na “aventura de fases” contra a inflação galopante (ou deveria dizer: voadora). Nossa caça a esses perniciosos núcleos inflacionários, os quais chamei aqui de “patos”, toma corpo com um cenário de irresponsabilidade fiscal e tentativa populista de reeleição do atual governo (parcelamento dos precatórios, Auxílio Brasil e rompimento do teto de gastos) deixando o BCB sem sua principal “espingarda”: a âncora fiscal (termo utilizado para um instrumento fiscal ou monetário que “ancore”/fixe as expectativas de mercado a respeito do futuro). Resta saber, quantos alvos serão acertados no próximo “level”, qual o estrago que esse cenário de deterioração da renda vai causar e/ou será que teremos uma nova arma? ou a alta dos juros vai ser o único reforço do nosso limitado arsenal? e o mais importante: No fim, quem “paga o pato”?

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