Dentro da história do desenvolvimento de políticas públicas, a Curva de Phillips, assunto da nossa última coluna (ler aqui), teve papel fundamental na modelagem estatística da macroeconomia, focando na relação inversa entre desemprego e inflação. Como já citei, a fundamentação de Phillips mostrou-se pouco factível em um maior horizonte de análise e mais acurada no curto prazo, dada as exceções. O escopo de 1958 foi mantido, mas modificações pontuais, atreladas às evidências da época, foram feitas dentro das descobertas da ciência econômica.
Samuelson e Solow, na década de 60, analisaram as variações entre as duas variáveis e perceberam algumas singularidades no mercado de trabalho americano: Quando o desemprego estava em 6%, reduzi-lo sumariamente em 1 ponto percentual (para 5%) produzia um custo inflacionário de pouco mais de meio ponto percentual (+0,5% ao ano), mas, ao analisar o choque em um cenário de baixíssimo desemprego, o custo de oportunidade para reduzir ainda mais a desocupação seria convertido em quase o dobro de inflação a mais. As conclusões dessa análise mostraram que poderia haver um “limite” para a taxa de desemprego e, ao ultrapassá-lo, a resultante era uma pressão inflacionária direta.
As descobertas provocaram Phelps e Milton Friedman, da Escola de Chicago, a desenvolver uma explicação lógica de endógena ao fenômeno. Dentre as descobertas, fundamentaram a sua teorização sinalizando a ideia de agentes racionais que, ao possuírem salários, ajustam suas expectativas em relação ao salário real, que faz referência ao valor nominal descontada a inflação corrente.
O crescimento real dos rendimentos mensais tornasse uma variável importante dentro da análise e, ponderando as variáveis de mercado de trabalho, sumariamente eles entenderam que uma economia que atinge uma taxa de desemprego natural (o tal “limite”) pode ser afetada, no curto prazo, por uma política fiscal ou monetária que estimule a demanda, assim firmas são incentivadas a subir seus preços e contratar mais trabalhadores, certo? Nesse momento, com receitas ainda maiores e salários mais vantajosos, os trabalhadores sofrem do que chamamos de “ilusão monetária”.
O incremento nos rendimentos mensais tem efeito produtivo ao induzir a melhor produtividade no curto prazo e estimular o consumo desses trabalhadores (com renda maior) em outros setores. No último texto citei o tal “slope” da curva de oferta, essa virada na curva significa que, no longo prazo, os trabalhadores sentiram o efeito da pressão de custos que a política de expansão gerou, assim ofertam menos trabalho (o que é ambíguo e difícil de medir) e desejam continuar recebendo ajustes e correções dentro das novas expectativas de inflação. O slope é justamente a velocidade com que as expectativas se ajustam ao novo cenário, onde o que era crescimento ilusório de salário real, vira crescimento nominal e expectativa de inflação.
Nesse ponto, os sindicatos e associações têm papel importante e, dentro do desenvolvimento da curva de desemprego natural, a presença dos mesmos é uma variável que impede que a taxa seja a menor possível. Resumidamente, o desemprego natural é a taxa de fricção no mercado de trabalho, medindo as variações de demissões sumárias, empresas que fecham as portas e trabalhadores que se deslocam, e, quando estimulada para baixo gera o cenário descrito acima.
A diferença é que, após o ciclo de estímulo, os trabalhadores já reajustaram seus salários nominais para terem valorização real, mas as expectativas de inflação foram ancoradas em um percentual bem maior do que no período
pré-estímulo. Retornaremos ao patamar antigo de desemprego (taxa natural), com salários nominais e inflação maiores.
Lembrar sobre os temas já citados aqui ajuda bastante. Os textos que explicam sobre as âncoras fiscais/monetárias (ler aqui) e inflação (ler aqui) evidenciam como essa relação de curto e longo prazo da NAIRU é modificada com a nova ancoragem de expectativas. Os trabalhadores ancoram sua perspectiva de novos salários precificando uma inflação maior, dada a política de estímulo inicial. Todo esse shift está ligado às expectativas dentro da modelagem estatística do fenômeno.
Logo, existe, de fato, uma taxa de desemprego natural para uma economia, fazendo referência a taxa de desemprego friccional que não gere pressão na aceleração dos preços. Nos EUA, tem o nome de NAIRU (non accelerating inflation rate of unemployment), sinalizando que a referência é um nível de emprego que não gera pressão inflacionária, tendo a ideia de que um desemprego menor pode ser socialmente aceito com um pouco mais de inflação, assim, abandonando o termo “natural”.