SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A instabilidade política que tem contribuído para a piora dos indicadores econômicos não deve arrefecer, nem em 2021, muito menos no ano eleitoral de 2022, apesar das declarações mais recentes do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
A afirmação é da economista Débora Freire, professora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Ela é também uma das signatárias do manifesto divulgado em março por diversos agentes econômicos que cobraram o governo federal pela falta de ação durante a pandemia.
Para a economista, é necessário encontrar espaço no Orçamento para recompor a renda do trabalhador, fator que também ajuda a travar a recuperação do investimento, ao lado da crise política. Há o risco, no entanto, de que a expansão fiscal de 2022 seja toda feita em cima de gastos improdutivos, com objetivos eleitoreiros.
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Pergunta – A crise política provocada pelo presidente Jair Bolsonaro, que está contribuindo para uma piora dos indicadores econômicos, pode frustrar a recuperação pós-pandemia?
Débora Freire – A crise política é mais uma fonte grande de incerteza. A recuperação depende fundamentalmente da retomada dos investimentos, que ampliam a capacidade produtiva e de fato vão gerar empregos. Qualquer tipo de incerteza afugenta o investimento produtivo. Temos uma série de fatores que já são bastante complexos, como crise hídrica e energética, inflação, ausência de definições claras sobre política fiscal.
Tudo isso, somado a essa crise política, gera de fato uma receita de instabilidade e de incerteza muito grande para o empresariado, e aí a gente tem esse comportamento mais contracionista em termos de decisões de investimentos. Se a gente não recuperar o investimento, não recupera a economia.
Como conciliar manutenção do teto de gastos, demandas sociais por mais recursos e pressões do Congresso e do governo federal por aumento de despesas no Orçamento de 2022?
DF – Algum jeito de aumentar a proteção social tem de ser alcançado. Não dá para pensar em estabilidade econômica e social com esse quadro de pobreza e desigualdade. Eu vejo a desigualdade também como entrave às decisões de investimento. Assim como a inflação, o empobrecimento de uma camada importante da população deteriora a capacidade de consumo e isso diminui as perspectivas de rentabilidade dos investimentos.
Do ponto de vista social, é inegável que a gente precisa recuperar esse tecido social que tem sido muito prejudicado com a crise. O aumento da pobreza e da desigualdade também podem ser vistos como um entrave à recuperação.
É possível encaixar essa demanda no teto de gastos?
DF – Minha posição em relação ao teto é que ele já não é uma regra fiscal suficientemente crível. O governo já fez várias modificações e deu vários contornos nessa regra fiscal. Quando foi aprovado, em 2016, havia uma perspectiva de que ele iria gerar mais eficiência alocativa. Mas isso não aconteceu. Isso se confirma com essa disputa no Orçamento por esses gastos que a gente pode chamar de improdutivos, como essas emendas e gastos muito ligados a questões eleitoreiras.
A gente precisa rediscutir o teto. Precisamos de uma regra fiscal, é óbvio. Mas de uma regra mais adaptada à experiência internacional e a um contexto que vai exigir uma política fiscal menos austera.
É possível que, a despeito dessas questões políticas, a economia consiga ter uma melhora significativa até 2022, com um recuo relevante do desemprego, por exemplo?
DF – Para este segundo semestre ainda vejo tempos difíceis. Não vejo possibilidade de melhora efetiva. A questão principal é essa instabilidade política que tem gerado esse efeito de desvalorização do real. Não vejo que isso vá arrefecer.
Bolsonaro lançou aquela carta [após as manifestações de 7 de Setembro] tentando amenizar, mas, dado o que a gente viu até agora, posso estar sendo um pouco pessimista, acho difícil um recuo na postura do presidente.
Não vejo uma modificação do perfil do presidente e da crise política que isso gera. É difícil pensar que ele vai mudar seu comportamento no ano eleitoral. Do ponto de vista da instabilidade política, não vejo melhora no cenário para o Brasil nos próximos meses e no ano que vem.
Do ponto de vista de estímulo, a expansão fiscal pode trazer um certo alívio, mas, se a inflação não ceder, pode acabar não adiantando tanto. Do ponto de vista do cenário internacional, talvez a gente tenha perdido uma oportunidade com aquele crescimento da demanda mundial no último trimestre de 2020 e primeiro de 2021.
Não vejo uma recuperação suficiente para puxar o emprego de forma expressiva com o que a gente precisa. Isso tudo considerando que os índices da pandemia continuarão melhorando.
Qual o melhor caminho para a política econômica neste momento?
DF – Os entraves à recuperação são enormes. Então o governo precisa empurrar a economia e também não gerar instabilidade política, para não comprometer ainda mais a moeda, não afugentar ainda mais os investimentos.
Essa crise política só piora nossa situação. Tanto do ponto de vista econômico como político, a atuação do governo agora é fundamental. A gente está diante desse cenário horroroso porque não tem visto boa atuação do governo nessas duas esferas.
A inflação ao consumidor em 12 meses chegou a 10%. Há risco de um descontrole inflacionário?
DF – A gente tem visto uma insensibilidade à taxa de juros, por conta das características dessa inflação. Não vejo um risco inflacionário muito grande por conta da grande capacidade ociosa que tem hoje. Uma vez normalizadas essas situações, com uma queda nos preços de commodities, melhora no cenário hídrico e no cenário político, para afetar menos o câmbio, acredito que a gente possa observar uma melhora nos indicadores de inflação.
Mas temos um ano eleitoral pela frente, possivelmente com expansão de gastos improdutivos. Então o próximo ano não será de inflação baixa. Vamos continuar observando aumento de preços, mas não vejo possibilidade de descontrole inflacionário.
O Banco Central tem condições de trazer a inflação para o centro da meta em 2020 sem que o aumento dos juros trave o crescimento no próximo ano?
DF – O Banco Central vai ter de continuar atuando, porque é o único mecanismo dentro do sistema de metas de inflação. Principalmente por conta desse ano eleitoral, vai continuar utilizando a política monetária para frear o processo inflacionário. A questão é até que ponto a inflação é sensível à taxa de juros nesse contexto com essas outras fontes estimuladoras da inflação.