As chamadas “tarifas recíprocas” do presidente Donald Trump tiveram um forte impacto — e proporção — na América Latina. Para especialistas, há fatores que explicam esse movimento. Além disso, a maioria das taxas já foi considerada ilegal, segundo um tribunal de apelações dos EUA.
Na perspectiva de Jeff Patzlaff, planejador financeiro e especialista em investimentos, o movimento mais intenso para a América Latina se dá, primeiro, por “um fundo político e ideológico claro”.
“O governo Trump tem se mostrado mais agressivo com países que não seguem a mesma linha geopolítica dos EUA, e o Brasil de Lula, por exemplo, tem reforçado sua aproximação com os BRICS, com a China, com a Rússia e com agendas como o fortalecimento do Sul Global. Isso incomoda a Casa Branca, e as tarifas funcionam também como uma forma de pressão política e estratégica”, explicou.
Recentemente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) marcou a próxima reunião do Brics para a segunda-feira (8), com o objetivo de propor o reforço da OMC (Organização Mundial do Comércio). O movimento foi uma reação ao tarifaço de Trump, que aplica taxas de 50% sobre produtos brasileiros.
A intenção é reunir o maior número possível de líderes do grupo, incluindo Xi Jinping (China), Narendra Modi (Índia), Cyril Ramaphosa (África do Sul) e Vladimir Putin (Rússia). A ideia é que os integrantes mais recentes — Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes, Etiópia, Indonésia e Irã — também participem do encontro virtual.
Além disso, o especialista apontou ainda que “há o fator de competitividade real: produtos brasileiros, mexicanos, chilenos e argentinos ganharam muito espaço no mercado americano”. Adicionalmente, setores onde os EUA lideravam em sua cena local perderam competitividade para empresas internacionais, como as brasileiras.
Trump quer proteger indústrias norte-americanas
Ainda segundo os especialistas, é de conhecimento geral que o esforço de Trump se concentra em proteger a indústria dos EUA e, consequentemente, conquistar o seu eleitorado industrial em estados como Michigan, Ohio e Wisconsin. Esses estados são decisivos nas eleições do país.
Fatores geográficos também pesam na tomada de decisão do presidente norte-americano. O país — que tem economia aberta em vários segmentos — é próximo de muitas nações da América Latina. “É mais fácil atingir e retaliar rapidamente, em comparação com grandes potências como China ou União Europeia, que têm mais poder de barganha e retaliação”, acrescentou Patzlaff.
Adicionalmente, Gianluca Di Mattina, da Hike Capital, pontuou que há um incômodo em relação aos “laços comerciais”. De acordo com o especialista, a presença crescente, especialmente do Brasil, no comércio chinês incomoda Trump, “que usa tarifas como forma de conter a expansão da influência chinesa”, disse.
“Para Trump, impor essas tarifas contra importações latino-americanas reforça seu discurso protecionista, favorecendo a reindustrialização americana”, acrescentou Mattina.
América Latina tem meios de proteção
Diante de tantos percalços, o diretor de Estratégia da Verity, Marcelo Oliveira, apontou movimentações internas que podem proteger empresas e capital estatal da América Latina.
Dentre os pontos levantados pelo estrategista, destacam-se a diversificação de mercados, acordos comerciais e cooperação regional, além de estímulos e ajustes internos.
Diversificação de mercados
Segundo o especialista, redirecionar exportações para outros parceiros comerciais diminui a dependência dos EUA. “Várias nações podem fortalecer laços com a Europa e Ásia, por exemplo, buscando concluir acordos como o Mercosul–UE ou aderindo a parcerias transpacíficas, de modo a abrir novos canais de escoamento para seus produtos”, declarou.
A crescente presença da China na região também oferece alternativa: “Na ausência do mercado americano, produtores latino-americanos podem aproveitar maior demanda chinesa (como ocorreu na guerra comercial anterior, quando a China substituiu importações dos EUA por compras do Brasil e de outros países emergentes)”.
Acordos comerciais e cooperação regional
Firmar novos acordos, bem como atualizar os já existentes, pode ser uma opção viável e com retorno apropriado às circunstâncias.
“México e Canadá, por exemplo, têm usado o USMCA (T-MEC) para negociar isenções, mantendo grande parte de suas exportações livres de tarifas adicionais”, disse.
Além disso, outros países com acordos de livre-comércio vigentes (Chile, Peru, Colômbia) estão relativamente protegidos em suas exportações principais, evidenciando a importância de pactos comerciais. Em paralelo, governos latino-americanos tendem a buscar diálogo bilateral com Washington para excluir produtos específicos das tarifas ou adiar sua implementação.
“A união regional também pode ser uma resposta: embora difícil, posicionamentos conjuntos em fóruns internacionais (OMC, G20) e contramedidas unilaterais podem aumentar o poder de barganha da região”, completou.
Estímulos e ajustes internos
No cenário doméstico, os governos da América Latina podem adotar medidas para sustentar os setores prejudicados. “Isso inclui desonerações fiscais ou crédito facilitado a indústrias exportadoras afetadas, programas de reconversão produtiva e incentivo ao consumo interno”, pontuou Oliveira ao BP Money. A justificativa é que esse movimento pode absorver produtos barrados lá fora.
Políticas de competitividade, como melhora de infraestrutura e redução do custo Brasil, também auxiliam exportadores a manter margem mesmo com tarifa externa mais alta. Além disso, alguns países optam por reformas que atraiam investidores de longo prazo para setores estratégicos — por exemplo, abrir áreas de energia, mineração e infraestrutura a capitais dos EUA e outros parceiros, oferecendo oportunidades que funcionem como moeda de troca para amenizar tensões comerciais.