Investidor da Bolsa ainda mira curto prazo e ignora ESG

Companhias com avaliações negativas em índices ESG mantiveram o crescimento na Bolsa nos últimos anos

A ideia por trás do ESG é que os investidores estão considerando os princípios ambientais (E), sociais (S) e de governança (G) na hora de avaliar o risco de uma empresa. Nesse modelo, quem não adota boas práticas perde dinheiro, forçando uma virada sustentável no mundo dos negócios. Mas pode ser que a mão invisível do mercado não seja tão verde assim.

Companhias com problemas socioambientais no histórico e avaliações negativas em índices ESG mantiveram o crescimento na Bolsa nos últimos anos, colocando em xeque a ideia dos investimentos conscientes.

Um dos exemplos é a Vale, responsável pela barragem de Brumadinho (MG) que colapsou em janeiro de 2019, matando 272 pessoas.

De 31 de dezembro de 2015 a 24 de novembro deste ano, as ações da mineradora subiram 444% na Bolsa, segundo levantamento feito pela Folha de S.Paulo.

O desempenho refletiu o aumento da demanda e do preço do minério de ferro, que garante ganhos de curto prazo à Vale e seus acionistas. Se os investidores olhassem a posição da Vale nos sistemas de classificação (rating) ESG, a ação não teria essa alta ou poderia até cair.

No Sustainalytics, um dos principais do mercado, a Vale é avaliada como de alto risco para os investimentos. A nota da companhia juntando os critérios ambientais, sociais e de governança é 39,1 — sendo que, de 40 para cima, o risco muda para severo, o mais alto .

Em nota, a Vale disse que a tragédia de Brumadinho levou a companhia a repensar o seu modelo de atuação e que mapeou 63 “gaps de ESG” após analisar metodologias de provedores como Sustainalytics, Glass Lewis e Dow Jones Sustainability Index.

Segundo a mineradora, 51 já foram concluídos, como transparência na remuneração dos executivos e maior detalhamento sobre plano de emergência de barragens.

“A companhia continua trabalhando com as informações dos principais avaliadores do mercado para tornar suas práticas ESG mais robustas e avançar em seus compromissos com a sociedade”, diz.

Outra empresa que concilia o bom desempenho no mercado de capitais com questionamentos socioambientais é a Braskem.

Em janeiro de 2018, a exploração de sal-gema pela petroquímica em Maceió provocou o afundamento do solo em diversos bairros. O desastre ambiental atingiu cerca de 57 mil pessoas, afetando o funcionamento de comércios e até de um hospital.

No ranking ESG da MSCI, que usa a mesma linguagem das agências de classificação de risco, a companhia tem avaliação B -a segunda pior, atrás apenas do nível CCC.

Embora o sistema aponte fragilidades em temas como governança corporativa e emissões tóxicas, a Braskem acumula um crescimento de 204% na Bolsa de dezembro de 2015 para cá.

Em nota, a Braskem disse que sua estratégia global de desenvolvimento sustentável foi construída a partir da análise de tendências globais, e que segue aprimorando suas práticas ambientais, sociais e de governança.

“Considerando as diversas agências ESG do mercado, a companhia, na média, tem uma classificação em linha com a sua indústria”, diz.

Para Marcos Rodrigues, sócio da BR Rating, agência brasileira de classificação de risco ESG, o fato dessas empresas serem mal avaliadas nos rankings é positivo, pois revela o custo de falhas que elas escondem.

Ele diz que no mercado de auditoria existe a expressão “levar uma canetada”, que é quando algo ruim é identificado por uma terceira parte e a companhia precisa atuar. “No ESG é a mesma coisa, tomara que elas sejam mal avaliadas mesmo para que essas facetas negativas sejam expostas”, afirma.

Rodrigues diz que o bom desemprenho na Bolsa revela que a maioria dos investidores ainda desconsidera o ESG como um critério na definição de onde por dinheiro.

“Eu sou do interior de Minas Gerais e lá tem um ditado que diz: dinheiro não leva desaforo para casa. Ou seja, entre falar que vai investir em empresas com boa avaliação ESG e investir de verdade, há uma distância bem grande.”

Renata Brito, professora da IAG (Escola de Negócios da PUC-Rio), também concorda que a avaliação negativa dessas empresas nos ratings é um bom sinal.

Segundo ela, isso mostra que o mercado financeiro está percebendo que os aspectos sociais, ambientais e de governança são relevantes para um negócio continuar existindo, produzindo e sendo lucrativo.

No entanto, Brito lembra que o ESG não é bala de prata e que as ações de uma empresa também são avaliadas por questões externas. Ela cita o aquecimento do mercado de commodities como exemplo, o que favorece mineradoras como a Vale.

“O ESG não é algo que mata uma empresa ou salva a humanidade. O objetivo do mercado financeiro e do ESG não é esse. É precificar essas questões [ambientais, sociais e de governança] dentro do valor da ação”, afirma.

O aquecimento do mercado também é a explicação para o bom desempenho financeiro de outra empresa brasileira: a JBS.

De 2016 para cá, as ações do frigorífico cresceram 193% na Bolsa, apesar das baixas notas em ESG.

No Sustainalytics, a companhia entra na categoria de risco severo, com pontuação de 48,9. No MSCI, a situação não é muito diferente: classificação CCC. De acordo com o sistema, a companhia é considerada retardatária em questões de governança, gestão do trabalho e pegada de carbono.

Em outubro, uma auditoria feita pelo MPF (Ministério Público Federal) do Pará apontou irregularidades nas compras da JBS no estado. Segundo o órgão, 32% do gado adquirido entre janeiro de 2018 e junho de 2019 teriam vindo de áreas com problemas de desmatamento ou outras inconformidades.

Na época, a JBS disse que o resultado da auditoria foi impactado por uma mudança recente de critério adotado pelo MPF, e que já implementou novas medidas de monitoramento.

Em nota, a empresa disse estar em contato permanente com as agências de classificação para mostrar que tem evoluído em questões ESG. Segundo ela, no último rating da MSCI, de julho de 2021, a JBS teve crescimento na média ponderada dos três pilares ESG, em relação a novembro de 2019.

“A companhia confia que, de maneira transparente e colaborativa, demonstrará o seu novo momento e que as agências de ratings conseguirão captar o mesmo movimento que tem sido refletido em outros rankings e ratings bastante relevantes”, afirmou.

Para Alexandre Garcia, professor e pró-reitor da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado), sistemas de classificação, como o Sustainalytics e o MSCI, identificam as contrariedades das empresas no ESG, mas os investidores não estão sensibilizados.

“Empiricamente, a gente tem provas de que essas empresas não foram boas em ESG. Até fazem algumas iniciativas, mas o impacto que elas causam acaba sendo maior que as compensações”, diz

Segundo ele, cabe uma pressão maior da sociedade e do mercado de capitais para que as empresas invistam mais em ações ambientais, sociais e de governança. “Deveria ser a mesma proporção. Se aumentou 15% da lucratividade, investe o mesmo em práticas ESG”, defende.

Fabio Alperowitch, fundador da Fama Investimentos, gestora de fundos com foco em ESG, concorda que são poucos os investidores no Brasil que dão importância para as questões sustentáveis.

Ele cita o exemplo da Petrobras, que recentemente divulgou um novo plano de investimentos que ignora a transição energética e a produção de renováveis.

“A Petrobras está chegando para o mercado e dizendo ‘eu sou como sou, vou continuar com combustíveis fósseis e não estou nem aí para essa agenda de mudanças climáticas’. O mercado não puniu a empresa, e continua não punindo”, afirma.

A companhia é outra que concilia questionamentos ESG com bom desempenho na Bolsa. As ações preferenciais da petroleira subiram 323% de 2016 para cá.

A Petrobras afirmou, em nota, que o ESG faz parte de sua agenda há anos, e tem ganhado importância crescente. A empresa também destacou que voltou a integrar índices de sustentabilidade, como o ISE da B3 e o Dow Jones Sustainability Index World.

Sobre o plano estratégico, a petroleira disse que prevê a ampliação dos compromissos ESG, como o investimento de US$ 2,8 bilhões (R$ 15,6 bilhões) para mitigação de emissões, incluindo a criação de um fundo de para soluções de baixo carbono e o desenvolvimento de bioprodutos, como diesel renovável.

Alperowitch diz ter críticas em relação aos sistemas de classificação como MSCI e Sustainalytics. Segundo ele, os ratings costumam ser baseados em informações públicas e nos relatórios de sustentabilidade das empresas, o que não traz confiabilidade aos dados.

“Os escândalos são fáceis de aparecer nos rankings, porque não tem como evitar. A Vale matou quase 300 pessoas, a Braskem afundou um bairro, então não tem como isso não constar. Agora, se uma empresa tem zero diversidade racial e desperdiça um monte de água, isso não vai aparecer”, diz.

Contudo, Alperowitch acredita que o entendimento do mercado financeiro sobre temas como direitos humanos e meio ambiente deve amadurecer com o tempo.

“Há dois anos ninguém sabia absolutamente nada [de ESG], agora continua num nível superficial, mas pelo menos já ouviram falar em diversidade, mudanças climáticas… Talvez daqui a três anos, a gente veja mais aprofundamento.”

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