IPCA: por que previsão para inflação cai neste ano e sobe para 2023?

Segundo especialistas, o fato com o IPCA ocorre dados os efeitos da PEC Kamikaze, que deteriou as contas públicas

O mercado segue uma lógica, no mínimo, curiosa. Enquanto que os agentes revisam o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). que mede a inflação oficial, para baixo para 2022, a previsão de alta nos preços não para de subir em 2023. Segundo Carlos Eduardo Drumond, professor de Economia da UESC, o fato ocorre dados os efeitos da PEC Kamikaze, que deteriou as contas públicas para uma melhora no curtíssimo prazo na inflação.

“Até o fim de 2021, acreditava-se que a inflação em 2022 ficaria apenas um pouco acima do intervalo da meta. Com o tempo, o mercado foi revendo essas expectativas para cima conforme a inflação escalava. A mesma coisa, em sentido contrário, aconteceu recentemente, quando o mercado assimilou os efeitos que a redução nos preços dos combustíveis e da energia elétrica teriam sobre a inflação em 2022. O mercado incorporou, nas expectativas, os efeitos das medidas do governo sobre os preços”, explicou Drumond.

“O que ocorre com a inflação de 2023 é um processo parecido. Até o fim do ano passado e o início de 2022, as expectativas de inflação para 2023 eram bem próximas da meta. As pressões inflacionárias de 2022 foram jogando essa expectativa para cima. As medidas de contenção de preços do governo têm, naturalmente, efeito limitado sobre a inflação e a luz das informações disponíveis atualmente mostram que o mercado não acredita que será fácil para o BC entregar a inflação dentro da meta em 2023”, completou o economista.

Foi a a 6ª semana seguida de queda na expectativa do Boletim Focus para este ano, mas a 17ª de alta para a de inflação do próximo ano. De acordo com Drumond, o processo de revisar a inflação para baixo não é muito comum. Segundo ele, o que normalmente acontece é uma projeção menor para, ao longo do tempo, essa revisão ser realizada para cima. 

“O mercado tende a apostar que a inflação estará próxima a meta. Conforme o tempo vai passando, o mercado vai usando as informações disponíveis para rever as projeções. Nesse caso, o mercado não projeta a inflação em 2023 maior que antes somente por conta da PEC. Essa alta já era um processo natural. Entretanto, a PEC é um ingrediente extra porque, além de aquecer a demanda (por causa do dinheiro que chegará na economia), também terá efeitos no cenário fiscal que, quando se deteriora, pode acabar impactando inflação”, explicou Drumond.

Filósofo político e professor da FAAP, Luiz Bueno crê em um cenário desafiador para o próximo governo, devido ao encerramento da PEC em dezembro, que deixará uma “herança” para o novo presidente.

“Elas visam um efeito imediato nos índices de inflação que afeta esse período pré-eleitoral. Como os próprios estudos já mostram, tem um efeito revertido no próximo ano. Será um grande problema para quem quer que seja eleito para lidar com a economia. É possível que haja um  pico inflacionário muito rápido e isso tende a comprometer a imagem de qualquer governo”, ressaltou, Bueno. 

Para Mauro Rochlin, professor de Economia da FGV, com o prazo da PEC indo apenas até o final deste ano, 2023 já conta com uma espécie de “inflação contratada”. “É claro que o preço final do produto não depende só disso, mas de toda maneira, um desses componentes é o imposto e ele irá subir, fazendo com que a previsão para o ano que vem seja bem pior”, explicou Rochlin. 

Ainda de acordo com o professor de Economia da FGV, os efeitos das medidas devem se intensificar neste mês e grupos importantes do IPCA devem retrair ainda mais. 

“Estamos vendo uma inflação cair por conta de uma redução num grupo muito restrito de produtos, mais especificamente, estamos falando de combustíveis e energia elétrica. É claro que está diretamente relacionado a PEC dos Benefícios [também chamada de PEC Kamikaze] que permitiu a redução do ICMS para esses dois produtos. Ainda não vimos todos os efeitos dessas medidas acontecerem. Provavelmente veremos agora em agosto uma nova retração no grupo habitação e transporte”, disse o especialista em entrevista ao BP Money. 

O IPCA, que mede a inflação oficial no País, apresentou deflação de 0,68% em julho na comparação com junho, segundo dados divulgados nesta terça-feira (9) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). 

Para o economista Carlos Eduardo, os efeitos tendem a ser limitados após agosto. “O mais provável é que não verifiquemos deflação nos meses posteriores. Por outro lado, o movimento é de desaceleração da inflação até o fim do ano, com os preços subindo, mas em um ritmo menor do que vinha acontecendo”, afirmou. 

Meta do IPCA deveria ser revista

Mesmo com a forte alta da Selic, a projeção para o IPCA deste e do próximo ano está fora da meta do BC, que é de 3,5% para 2022 e de 3,25% para 2023, com tolerância de 1,5 ponto percentual. Caso o cenário projetado pelo mercado ocorra, a meta será descumprida por três anos consecutivos.

Segundo Rochlin, já foi feito o que podia ser feito para conter a inflação. De acordo com ele, a possível solução era a meta inflacionária ser revista pelo CMN (Conselho Monetário Nacional). 

“Se o Governo não quiser fazer algo que traga um impacto de curto prazo, a gente terá uma inflação em torno de 7% neste ano. O que se pode fazer é o CMN rever a meta. Isso é muito importante, pois mostraria que o Banco Central é realista. Caso isso ocorresse, deixaria o BC mais à vontade para fazer a política monetária compatível com essa nova meta”, destacou o professor de Economia da FGV.

“Estamos com uma meta de 3,5% e uma inflação projetada de 7% para este ano, e de 5,5% para 2023, e uma meta de 3,25%. Para atingir a meta do próximo ano, o BC teria que, desde agora, apertar a política monetária, e deveria, na verdade, não ter encerrado o ciclo de alta. Na ata de ontem, eles disseram que o ciclo de alta deve ter chegado ao seu objetivo e vão se observar os efeitos dela”, completou Rochlin. 

“Se o vencedor for o concorrente do presidente atual, essa herança vai ser muito difícil de ser administrada, e significará, imediatamente, uma queda da popularidade imediata que um presidente eleito normalmente tem, já que sai vitorioso. Mas, com preços que imediatamente sobem e com índices de inflação que reagem muito brevemente, será um grande desafio para a nova administração, seja ela reeleita ou, principalmente, um novo governo”, completou o filósofo político. 

Com a Selic em um patamar de 13,75%, os especialistas não acreditam que o Banco Central irá reduzir drasticamente a taxa de juros após às eleições e em 2023. 

“É difícil acreditar numa queda substancial dos juros em 2023, similar, por exemplo, ao que aconteceu no último ciclo de quedas dos juros no Brasil. Se usarmos o relatório Focus como referência, encontraremos o mercado projetando Selic a 11% em 2023. Ou seja, o mercado projeta queda nos juros básicos, mas não uma queda drástica. Não temos nenhum elemento objetivo para acreditar em queda drástica logo após a eleição”, afirmou Carlos Eduardo.

“O Banco Central não faz movimentos bruscos, para que o mercado não ache que ele pilota a taxa de juros de maneira aloprada. Em momentos de estresses, vira uma exceção, mas não é o que está no radar atualmente. Não acho que cairá drasticamente. Não tem motivo”, completou Rochlin. 

A deflação apresentada em julho foi a menor taxa de IPCA registrada desde o início da série histórica, iniciada em janeiro de 1980. No ano, a inflação acumulada é de 4,77% e, nos últimos 12 meses, de 10,07%.

Acesse a versão completa
Sair da versão mobile