O leilão de áreas no pré-sal marcado para esta sexta-feira (17) é considerado pelo mercado a última grande oferta de blocos para exploração e produção de petróleo do país, diante do fim do estoque de áreas de elevado potencial no litoral brasileiro e de pressões crescentes pela transição energética.
No leilão, o governo tentará conceder duas áreas já com descobertas na Bacia de Santos, que haviam sido oferecidas ao mercado em 2019, mas não atraíram interesse. Para esta segunda tentativa, o valor dos bônus de assinatura foi reduzido em 70%.
São áreas do chamado excedente da cessão onerosa, descobertas feitas pela Petrobras durante a exploração de blocos que obteve em troca de ações em seu processo de capitalização de 2010, mas que ultrapassam os limites sob domínio da estatal.
Os blocos Sépia e Atapu têm bônus de assinatura de R$ 7 bilhões e R$ 4 bilhões, respectivamente. Em leilões do pré-sal, o bônus é fixo e a disputa é vencida pela empresa ou consórcio que se comprometer a entregar o maior volume de produção ao governo.
Segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), 11 empresas estão habilitadas para fazer ofertas, entre elas a Petrobras, que tem direito de preferência previsto em lei que lhe garante decidir se participa do consórcio operador mesmo em caso de derrota no leilão.
O governo estima que as atividades em Sépia e Atapu demandarão R$ 204 bilhões em investimentos, com a geração de 160 mil empregos. A produção esperada para as duas áreas tem potencial para ampliar em 12% a produção nacional de petróleo.
Para especialistas, os resultados dos últimos leilões e as pressões cada vez maiores por restrições a combustíveis fósseis indicam que o Brasil não terá mais ofertas deste porte. O último leilão realizado pelo governo, em outubro, já havia sido o pior desde a abertura do setor, em 1999.
Nele, foram arrematadas apenas 5 de 92 áreas oferecidas, com arrecadação de cerca de R$ 370 milhões, a menor entre todas as concorrências já feitas pela ANP com oferta de áreas marítimas. O número de participantes também foi o menor da história.
Na avaliação do mercado, o resultado fraco refletiu um menor apetite pelo risco no setor, que vem mirando cada vez mais as energias renováveis e ainda não deu conta de explorar todas as áreas petrolíferas arrematadas em leilões recentes no Brasil.
Além disso, parte das áreas estavam em regiões de alta sensibilidade ambiental, como os arquipélagos de Atol das Rocas e Fernando de Noronha. Os blocos oferecidos nas já conhecidas bacias de Campos e Santos estavam a grandes distâncias da costa, com grandes desafios logísticos.
A escassez de áreas mais atrativas já havia sido sinalizada pelo ex-diretor-geral da ANP Décio Oddone antes do último leilão sob seu comando, em 2019, quando apenas uma das cinco áreas oferecidas foi arrematada por consórcio formado pela Petrobras e pela chinesa CNODC.
Em seu discurso de encerramento do leilão, ele afirmou que a era dos leilões com bônus bilionários estava chegando ao fim. “As áreas conhecidas do pré-sal já foram licitadas e as companhias estão com portfólios grandes no Brasil”, diz ele, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.
Oddone recorda que a descoberta do pré-sal, em meados dos anos 2000, ocorreu em um momento em que o mundo ainda não tinha as reservas não convencionais americanas e a expectativa era de demanda crescente. Por isso, o mundo apostava em novas fronteiras petrolíferas para ampliar a produção.
“O Brasil interrompeu os leilões logo após pré-sal e, quando retomou, não ofereceu áreas de pré-sal, por isso havia uma demanda muito reprimida por essas áreas, que levaram a leilões muito bem-sucedidos entre 2017 e 2019”, diz.
Com o fim do estoque de áreas mais atrativas ou com menor risco ambiental no litoral do Sudeste, a ANP vinha apostando em novas fronteiras, como a bacia da Foz do Amazonas ou blocos localizados além das 200 milhas náuticas que definem as águas territoriais brasileiras.
No primeiro caso, há grande expectativa de descobertas gigantes como as que vêm criando uma indústria petrolífera na Guiana, mas até o momento nenhuma licença ambiental foi emitida para a exploração na região, que já levou a francesa Total desistiu da região a desistir de seus ativos na região.
No segundo, estudos apontam que as mesmas estruturas que geraram o pré-sal se expandem para fora das águas territoriais brasileiras, mas a elevada profundidade e a grande distância da costa demandariam o desenvolvimento de novas tecnologias para viabilizar a extração das reservas.
No cenário atual, porém, o apetite das petroleiras pelo risco vem sendo impactado por uma série de fatores ligados ao processo de mudanças climáticas, como maiores restrições a financiamentos para combustíveis fósseis, pressões de acionistas ativistas e a proximidade do início do mercado de carbono.
O coordenador do Portfólio de Energia do ICS (Instituto Clima e Sociedade), Roberto Kishinami, diz que o Brasil tem que começar a encarar o fim dos leilões como uma possibilidade. Não será um processo de curto prazo, diz, mas “é inevitável”.
“Os campos de exploração mais simples, sem grandes ameaças ambientais e com formações geológicas razoavelmente conhecidas praticamente acabaram”, afirma. “Este será o último grande leilão, estamos apostando nisso.”
O próprio governo vem apostando num novo modelo de concorrência, chamado de oferta permanente, no qual os blocos ficam em uma espécie de vitrine e só vão a leilão após manifestação de interesse por alguma petroleira.
As experiências recentes mostram, porém, que os bônus tendem a ser menores nesse modelo. Na rodada da oferta permanente de 2020, por exemplo, a Shell pagou R$ 12 milhões por um bloco na mesma região de outro adquirido em leilão convencional um ano antes por R$ 550 milhões.
Nesta quinta (16), a ANP abriu o terceiro ciclo da oferta permanente após receber manifestação de interesse de uma empresa. As petroleiras terão até o dia 3 de fevereiro para indicar blocos e a lista final será divulgada duas semanas depois.
A confirmação da expectativa de menor apetite pelos leilões futuros não significa, porém, que a produção de petróleo no país deixará de crescer nos próximos anos, pois o estoque atual de campos em exploração ou desenvolvimento ainda garante décadas de produção.
Em suas projeções de longo prazo, a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) estima que a produção nacional de petróleo chegará a 6,1 milhões de barris por dia em 2050, mais do que dobrando o patamar de 2,7 milhões de barris verificado em outubro.