PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou a desestatização da companhia de saneamento do estado, a Corsan, autorizando o encaminhamento da privatização pelo governo Eduardo Leite (PSDB), uma quebra da promessa feita pelo governador na campanha eleitoral em 2018.
Então candidato ao Palácio Piratini, na época, Leite apareceu em um vídeo afirmando: “Pode anotar aí, que eu assino embaixo: no meu governo, Corsan e Banrisul [o banco estadual gaúcho] seguirão públicos, para ajudar no desenvolvimento e na qualidade de vida do estado”.
Com pouco mais de dois anos de governo, em março deste ano, Leite anunciou a intenção de abrir capital e vender o controle acionário da Corsan (Companhia Riograndense de Saneamento), alegando que a empresa precisaria ser preparada para cumprir exigências do novo marco legal do saneamento básico, sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 2020, e dar conta de investimentos de R$ 10 bilhões.
Em uma transmissão no canal oficial do governo no YouTube, nesta terça-feira (31), o governador afirmou que a previsão é que a oferta pública de ações seja aberta no primeiro trimestre de 2022, possivelmente em fevereiro.
O governo calcula ficar com cerca de 30% das ações da companhia. Hoje, a Corsan é uma sociedade de economia mista e capital aberto, com oito municípios gaúchos na estrutura acionária e controle acionário exercido pelo estado.
Leite disse ainda que o Rio Grande do Sul será o primeiro estado do país a tornar a empresa pública privada e ressaltou que as taxas cobradas pela estatal hoje estão entre as mais altas do país.
“[A Corsan] não tem fôlego, não tem capacidade, nem financeira, nem de agilidade, para oferecer o que é demandado, o que é contratado. Diante do novo marco regulatório, se impõe ao estado o encaminhamento para a privatização. É a agenda que nosso governo nunca se negou, pelo contrário, deu velocidade a fazer, reconhecendo que a iniciativa privada pode ser, e é via de regra, mais eficiente na agilidade para fazer as contratações, a modernização”, defendeu o governador.
“A nova Corsan, que vai nascer desse processo, vai ser uma companhia com maior capacidade de investimentos, maior capacidade financeira, para participar do mercado do saneamento básico. Uma empresa capaz de competir com um plano de investimentos audacioso de R$ 10 bilhões, transformando o estado em um canteiro de obras ao longo dos próximos anos”.
Na Assembleia gaúcha, a proposta pela desestatização foi aprovada também na terça-feira por 33 votos a favor contra 19 contrários. A matéria foi encaminhada pelo governo em regime de urgência.
“Eduardo Leite atropelou a votação com o pedido de urgência para evitar o debate, uma vez que as experiências de privatizações do saneamento mostram que, no concreto, oneram a população e não garantem a universalização dos serviços, pois o mercado prioriza onde dá lucro”, diz o deputado estadual Pepe Vargas (PT). Em junho, os parlamentares aprovaram o fim da exigência de plebiscito para as privatizações de três estatais, incluindo a Corsan -a exigência de consulta popular valia desde 2002.
No primeiro ano de governo Leite, a Assembleia já havia derrubado a obrigatoriedade da consulta para o encaminhamento de outras três privatizações, entre elas, a da CEEE, companhia estadual de energia.
A Corsan atende hoje 317 dos 497 municípios gaúchos -307 deles com contratos vigentes. Cidades como a capital Porto Alegre e Caxias do Sul, a segunda maior em população no estado, não fazem parte do sistema da companhia e têm serviços municipais. Uruguaiana e São Gabriel têm contrato com empresa privada.
Depois de uma assembleia realizada na segunda (29), a Famurs (Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul) pediu mais tempo para discutir e debater a questão. A situação e as demandas dos municípios variam muito, segundo o presidente Eduardo Bonotto (PP), prefeito de São Borja, na fronteira oeste do estado.
A maioria dos prefeitos, diz ele, não se colocou contra ou a favor à proposta de Leite, mas queria mais tempo para se aprofundar na discussão.
“Mas foi o encaminhamento da ALRS, do governo do estado. Já é uma pauta superada.Agora temos que discutir os próximos passos e pautas que os municípios colocaram: a tarifa social para famílias em vulnerabilidade, tarifas justas, valorização dos municípios no processo de venda futura”, afirma ele.
Bonotto diz ainda reconhecer que há bons funcionários na estatal, mas aponta que, muitas vezes, há morosidade nos processos internos dela.
Ele citou que a rede de esgoto de um bairro com 20 mil pessoas do município foi finalizada em 2015, mas até hoje, segundo o prefeito, não foram feitas as unidades elevatórias para ligar a rede à estação de tratamento. “Isso é ineficiência, são recursos públicos mal geridos”, avalia.
No mesmo dia em que a Assembleia decidiu sobre a privatização da Corsan, servidores estaduais protestaram no centro de Porto Alegre contra a proposta. A companhia tem hoje 5.681 funcionários, e segundo o governo do estado, o modelo de privatização projetado prevê que ela possa manter o quadro funcional integral.
Arilson Wünsch, presidente do Sindiágua-RS, o sindicato da categoria, diz que Leite usou a promessa de manter a companhia pública para vencer a eleição.
Ele afirma que a estatal é superavitária há 18 anos, chama as falas do governador de falácias e questiona se uma empresa privada concederia, por exemplo, isenção a atingidos por enchentes, durante dez meses, como a estatal já o fez.
“Nosso trabalho como entidade agora é nos reunir com os prefeitos, o que já estamos fazendo desde o primeiro turno da PEC, não querendo convencer os prefeitos, mas fazendo o que o governador deveria fazer, levar a verdade”.