SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Homens que querem participar ativamente da criação dos filhos e dividir as tarefas com as mães se deparam com dificuldades legais e culturais. A legislação prevê só cinco dias corridos de licença-paternidade remunerada, que podem ser ampliados para 20 se a empresa fizer parte do Programa Empresa Cidadã ?para mães, o afastamento é de quatro meses por lei e de seis nas companhias que aderem ao programa.
Um homem branco vestido com uma camiseta na cor branca está beijando a bochecha de um bebê.
Quem trabalha em uma empresa que oferece licença estendida e opta por ficar fora do trabalho um período maior muitas vezes ouve comentários machistas.
“Já escutei: ?Vai ficar de férias, porque é a sua esposa que vai cuidar?”, conta Felipe Campos, 31, gerente de engenharia de software na SumUp, que tirou 90 dias de licença.
O benefício oferecido pela empresa foi um atrativo para ele retornar ao Brasil com a família, em 2021. Na época, eles moravam no México havia três anos e estavam planejando ter um segundo filho.
“[A legislação] é fruto de uma sociedade que acredita que a mulher tem a incumbência dos cuidados com os filhos e o pai é o provedor”, diz a advogada trabalhista Eliane Gago, do escritório Duarte Garcia Serra Netto e Terra, em São Paulo.
O direito à licença de cinco dias começa a partir do nascimento do filho. Esses dias são custeados pelo INSS, mas o funcionário pode negociar um afastamento maior com a empresa e, nesse caso, o período extra deve ser remunerado pelo empregador. A lei não faz distinção entre pais de filhos biológicos e adotivos.
Para Tiago Koch, idealizador do projeto Homem Paterno, que pretende ampliar as discussões sobre paternidade, o período curto atrapalha a criação de um laço afetivo com o bebê, além de sobrecarregar a mãe.
“É difícil enxergar um desenvolvimento saudável de uma criança e de uma mãe durante o puerpério sem uma rede de apoio e uma pessoa para oferecer um suporte.”
O orientador vocacional Mateus Nani, 33, tirou os cinco dias permitidos por lei para poder ficar com a primeira filha, Giovanna, que nasceu em setembro de 2021. Mas ele queria mais. “Cinco dias de licença paternidade é no mínimo insensível e desigual diante da nova família que está nascendo. Seria muito importante que nós tivéssemos mais tempo juntos”, afirma.
De acordo com um levantamento feito pela Catho, em agosto de 2021 apenas 7,5% das vagas anunciadas na plataforma ofereciam licença-paternidade estendida. O estudo mostrou que, no primeiro semestre do ano, as áreas que mais disponibilizam esse tipo de benefício são informática, administração e comércio varejista.
Gabriel Lopes, 33, que atua como gerente de engenharia na Loft, startup do setor imobiliário, está prestes a tirar sua licença, que pode ser de até seis meses.
A empresa passou a oferecer, em 2020, dois meses de licença-paternidade obrigatória e outros quatro meses opcionais, que o profissional pode negociar com sua equipe. “Eu vou ter tempo para realmente dividir o trabalho. Não vai ser aquilo de ?eu vou te ajudar?”, afirma Gabriel.
Segundo a empresa, 32 homens já usaram o benefício.
“[A política] acaba atraindo muitas famílias. É uma forma de o homem exercer o direito de aproveitar esse momento da vida do filho”, explica Gabriela Cañas, gerente de RH da Loft.
Apesar de querer passar mais tempo com o bebê, os pais têm os mesmos receios que as mães quando ficam afastados do trabalho por um longo período, como medo de perder o emprego, de serem prejudicados nas carreiras ou de serem substituídos.
“A gente pensa: ‘Vou ficar 30 dias fora. Como vai ser quando eu voltar? Será que eu vou ter minha vaga lá ainda?'”, diz Vittor Donato, 27, analista de marketing na Natura, que teve 30 dias de dispensa.
Um estudo de dezembro de 2019 sobre licença maternidade/paternidade e seus efeitos no mercado de trabalho, realizado com 721 profissionais de recursos humanos, mostra que 57% deles não veem pontos negativos no fato de uma empresa adotar licença-paternidade de 20 dias.
O estudo foi realizado pelo Talenses Group e pela Filhos no Currículo, iniciativa que tenta fazer empresas e pais repensarem como unir família e carreira. A pesquisa também elenca os pontos positivos de ter esse benefício, entre eles retenção e atração de talentos, aumento da produtividade, menos desigualdade de gênero e mais mulheres em posição de liderança.
Porém, a ideia de oferecer o benefício ainda encontra resistência em muitas empresas. Segundo o estudo, 39% das companhias que têm ações voltadas para as mães não possuem ações voltadas para os pais.
“A preocupação com o desfalque nas equipes, percepção de perda de rentabilidade e custo associado à licença são empecilhos [para não adotar o benefício]. Mas também há uma questão histórica e estrutural de associar os cuidados dos filhos a uma figura materna”, diz Michelle Terni, idealizadora da campanha Filhos no Currículo.
“A nossa intenção era de que cada vez mais as pessoas compartilhassem, com seus colegas, com seus empregos, as habilidades que passaram a ter depois dos filhos. Como a chegada dos filhos os transformou enquanto profissional”, explica Terni.