SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O último trimestre de 2021 começa com leve recuperação do setor automotivo. Com 177,9 mil unidades fabricadas, a produção de veículos leves e pesados registrou 2,6% de alta na comparação com setembro. Os dados foram divulgados nesta segunda (8) pela Anfavea (associação das montadoras).
Os números estão no centro das projeções feitas pela entidade no início de outubro. A associação calcula que, caso haja uma regularização do fornecimento de semicondutores, cerca de 570 mil veículos deverão sair das fábricas entre outubro e dezembro. Dessa forma, o ano fecharia com 2,219 milhões de veículos leves e pesados produzidos, alta de 10% em relação a 2020.
Na visão mais conservadora, a produção ficará em 2,129 milhões de unidades, um crescimento de 6% ante o ano passado.
As vendas de veículos leves e pesados registraram alta de 4,71% entre os meses de setembro e outubro. O dado foi divulgado na quinta (4) pela Fenabrave (associação que reúne os distribuidores de veículos). Foram comercializadas 162,4 mil unidades.
Os resultados podem até indicar calmaria, mas seguem apontando para um último bimestre difícil. A paralisação dos caminhoneiros autônomos é um novo fator: além da falta de peças, agora há dificuldades na distribuição devido aos problemas no Porto de Santos.
Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, admite que os riscos de paradas nas linhas de produção cresceram. “É o maior porto da América Latina, muitas montadoras já tentaram liberar mercadorias na semana passada.”
Trata-se de mais um fator negativo em um ano cujas vendas de veículos não ultrapassaram 200 mil unidades em nenhum mês até aqui. Os resultados já despertam desconfianças sobre 2022, que deve começar com encarecimento no crédito e baixa confiança na política econômica do ministro Paulo Guedes.
“Em 2016, o Congresso aprovou a PEC do teto, mas, nas últimas semanas o governo decidiu encaminhar a PEC dos precatórios. A reação do mercado foi o dólar subir ainda mais, a disparada dos juros -já tem gente falando em Selic a 12%- e a piora do risco país. Tudo isso traz um ambiente de negócios que não é bom”, afirma Moraes. “Já se fala também em estagnação, recessão ou um crescimento muito baixo.”
A elevação da taxa básica de juros influi diretamente no custo dos financiamentos. Com base em informações do Banco Central, a Anfavea levantou dados sobre os valores médios do CDC (crédito direto ao consumidor), principal ferramenta de parcelamento para a compra de automóveis.
A taxa média atingiu 23,9% ao ano em setembro, contra 22,7% em agosto e 18,6% em setembro de 2020. O patamar atual é o maior para pessoa física desde junho de 2017, e a Anfavea já trabalha com um cenário de CDC a 26% ao ano para 2022.
A alta dos juros se soma à inflação do carro. Os repasses diante das mudanças de regulamentação (que exigem investimentos em segurança e redução de emissões), alta nos insumos e mudanças de estratégia das montadoras devem ter maior efeito sobre o comércio em 2022.
A conta inclui ainda as eleições majoritárias, época em que a incerteza sobre os rumos da política muda o humor de consumidores e investidores.
“Todos os indicativos são os piores possíveis. Os preços subiram um absurdo, e hoje só falta carro porque temos as restrições no fornecimento de semicondutores. Se tivéssemos esses componentes disponíveis, estaríamos em um nível muito próximo ao de 2019”, diz Cassio Pagliarini, sócio da consultoria Bright.
Segundo o especialista, os reajustes nas tabelas dos carros ao longo de 2020 e de 2021 (até agosto) acumulam 18% de alta acima da inflação no mesmo período.
“Eu não acredito em mais de 2,4 milhões de automóveis vendidos no ano que vem, pois haverá ainda os problemas dos semicondutores, os salários não irão recuperar o aumento de preços dos carros e teremos a alta nos custos dos financiamentos”, afirma Pagliarini.
Caso os fatores negativos levem à queda da demanda, a produção será mais uma vez prejudicada. Será um cenário bem diferente do otimismo vivido há um ano, em plena pandemia.
Em outubro de 2020, as montadoras trabalhavam em dois turnos e até aos sábados para conciliar medidas de distanciamento nas linhas de produção e a retomada nas vendas. Não se esperava que a crise sanitária estivesse tão longe de terminar e que ainda se agravaria, nem que a falta de peças seria tão longa.
Voltando mais um ano no tempo, chega-se às 2,55 milhões de unidades produzidas entre janeiro e outubro de 2019. Repetir esse número era o sonho das montadoras para 2021, mas os sinais indicam que, talvez, esse resultado seja utopia mesmo em 2022.
No acumulado deste ano, foram montados 1,83 milhão de veículos leves e pesados. O resultado significa alta de 16,7% em relação ao combalido 2020, mas se a base de comparação for o mesmo período de 2019, há uma queda de 28,2%.
Caso haja a combinação de estabilidade na produção com menor demanda no varejo, as locadoras serão beneficiadas. O setor segue na espera por automóveis novos, embora tenha adquirido cerca de 20% dos carros produzidos no Brasil neste ano.
Os estoques seguem baixos. Segundo a associação das montadoras, há 93,5 mil veículos nos pátios das fábricas e das concessionárias, o que é suficiente para atender a 17 dias de comercialização.
As exportações registraram alta de 26,1% entre setembro e outubro, com 29,8 mil unidades enviadas principalmente a mercados da América do Sul. Chile, Colômbia e Uruguai têm se destacado, enquanto a Argentina segue com volumes mais baixos devido à crise econômica.
“A Argentina tem um problema de divisas, o que não é novo. Há uma diminuição na importância desse mercado, mas o país é muito relevante no total das exportações brasileiras”, diz Moraes.
O Brasil é também o maior comprador dos carros montados no país vizinho, que produz veículos de maior valor agregado -portanto, não precisam de volumes tão altos de produção para atingir a rentabilidade desejada.
A indústria automotiva nacional ainda depende do aumento da produtividade para se tornar lucrativa, principalmente diante da renovação de modelos compactos.
Citroën, Fiat, Volkswagen, Honda, Toyota e General Motors estão entre as fabricantes que preparam novidades para os segmentos de entrada para os próximos dois anos. Só não se deve esperar por modelos com preços inferiores a R$ 60 mil.
“O carro que vendemos hoje não é o mesmo dos anos 1980, não dá mais para imaginar que teremos um automóvel muito simples, há o regulatório e as novas demandas da sociedade”, afirma o presidente da Anfavea. “Queremos estimular [o mercado] a esquecer essa figura do carro popular, isso é passado, não faz mais sentido.”