Economista e professora de MBAs da FGV, Carla Beni explicou ao BP Money a estratégia utilizada pelo Governo Milei para atingir o chamado “milagre econômico”. A especialista pondera que o presidente vem cumprindo sua promessa de produzir o superávit, mas com alguns custos.
De acordo com Beni, o governo realizou alguns cortes, congelando as despesas e deixando que a inflação de mais de 200% as corroessem, aumentando, assim, a receita via imposto inflacionário.
“Quando se tem um processo inflacionário muito elevado, os impostos sobem sozinhos porque a inflação sobe 250% em um ano. Então se não fizer absolutamente nada, a arrecadação sobe fortemente. Nesse cenário, ele não precisou aumentar o imposto, pois a inflação fez esse serviço para ele sobre a receita. Ele impediu que a inflação corrigisse as despesas”, explicou Beni.
Dentre os cortes realizados pelo presidente argentino está o repasse do percentual de impostos para as províncias, especíe de estados aqui no Brasil. Segundo Beni, a medida utilizada pelo governo federal foi crucial para atingir o superávit.
“Existe um fundo de repasse igual ao Brasil, no qual a União repassa um percentual dos impostos para as províncias. Ele deixou de fazer esse repasse e passou a não corrigir as despesas. Com isso, o superávit acontece naturalmente quando se infla a receita e não corrige as despesas, pois passa a produzir um superávit primário que, por conseguinte, produziu o pagamento dos juros que ele tinha que pagar, tendo um resultado fiscal na última linha”, ponderou a especialista.
Já para o economista e professor da Facha, Ricardo Macedo, o superávit ocorreu mais pela corrosão da despesa do que pelo aumento da arrecadação de imposto inflacionário.
“O Milei está tendo resultados em termos de queda de inflação, mas muito em função de cortes drásticos nas despesas. Ele busca o ‘plano motosserra’ de cortar subsídios, realizar privatizações, congelar despesas, entre outros aspectos, fazendo até com que haja uma recessão, pois demite funcionários públicos, corta programas sociais a fim de reduzir a participação do estado para reduzir a demanda”, pontuou, Macedo.
Superávit de um lado, miséria do outro
Na última segunda-feira (22), o presidente da Argentina, Javier Milei, comunicou, em aparição na TV, que o governo registrou o seu terceiro superávit seguido no mês de março, pela primeira vez desde 2008, no qual o chefe de Estado chamou de “milagre econômico“.
Na contramão da notícia super positiva anunciada pelo presidente argentino está o aumento da miséria no país. Segundo Beni, Milei está produzindo uma população que está indo para a linha da pobreza com seu “plano motosserra”.
“54% da população argentina está indo para a linha da pobreza. Pela primeira vez na história a população está consumindo menos carne. Essa falta de dinheiro para consumir fez a inflação cair”, salientou.
“O varejo está vendendo menos. A inflação diminui porque se tem menos gente com poder de compra para ir ao mercado comer carne. Se está diminuíndo a inflação porque as pessoas estão passando fome. Existem dados de 57% dos argentinos vivendo abaixo da linha da pobreza”, completou Beni.
E o futuro da economia argentina e de Milei?
Mesmo com o superávit, Macedo não acredita numa reação positiva quanto a produtividade, tornando o processo de recuperação econômica na Argentina mais demorado.
“Se desvalorizou cerca de 60% da moeda para estimular a economia, mas só que a gente não vê essa reação grande em termos de produtividade, pois esses dados de primeiro trimestre dão sinais de que a inflação está sob controle, mas a recuperação da economia é que vai demorar”, analisou Macedo.
Segundo Macedo, Milei espera conseguir, com esses resultados, atrair investimento privado, seja doméstico ou não. Para isso, pode radicalizar ainda mais os cortes.
“O que se tem ainda é uma taxa de juros real extremamente alta. Num primeiro momento pode se ter resultado positivo, mas se não houver uma compensação com aumento de arrecadação, esse corte todo vai por água abaixo”, projetou.
Já para Beni, projetar o cenário econômico argentino nesse momento é até mais político. Com uma sociedade mais politizada na Argentina, a especialista traz alguns questionamentos quanto ao futuro.
“Quanto que os setores de apoio do Milei, inclusive os empresários, pois se começa a não ter demanda para os produtos, continuará mantendo suas taxas de lucro? Essa será a medida do apoio ao Milei. O setor empresarial apoia o governo enquanto ele consegue manter suas taxas de lucro”, refletiu.
Beni reforça o grande problema do governo ao bloquear os repasses para as províncias, ação que causou irritação dos respectivos presidentes destes locais. Segundo ela, a grande equação para a manutenção do Milei no poder é o quanto ele conseguirá ter essa rede de apoio para governar.
“As províncias têm um peso enorme. Os presidentes delas trazem um peso grande e estão extremamente irritados com o governo federal em decorrência desse bloqueio de repasses, o que causa um problema de governabilidade”, concluiu.