Moeda única? Guedes e PT "se encontram" em planos para Mercosul

A ideia é defendida por políticos de diversos espectros, mas viabilidade é difícil segundo especialistas

A criação de uma moeda única em países do Mercosul vem ganhando adeptos nos mais diferentes espectros ideológicos no País. No mês passado, foi a vez do ministro da Economia, Paulo Guedes, defender um passo adiante na integração com a Argentina: a criação de uma moeda única. A ideia, porém, é de difícil viabilidade segundo especialistas ouvidos pelo BP Money.

As duas nações, que já fazem parte do Mercosul (Mercado Comum do Sul), poderiam estreitar ainda mais os laços econômicos.

De acordo com o ministro, o projeto em comum entre Buenos Aires e Brasília poderia ser viabilizado nos próximos 15 anos. “Eu acho que vamos ver, provavelmente, o peso-real”, declarou Guedes em palestra no Fórum Econômico Mundial de Davos, que ocorreu entre os dias 22 e 26 de maio.

“A inflação global está subindo, os preços de alimentos e petróleo estão subindo. Águas turbulentas pela frente”, acrescentou o ministro ao defender a criação da nova moeda durante o evento internacional.

A ideia é um desejo antigo do presidente Jair Bolsonaro, que já defendeu a medida inclusive durante uma visita a Argentina, em 2019. Na época, o país vizinho era governado por Mauricio Macri, que estaria mais disposto a fazer a ideia acontecer do que o atual presidente da Argentina, Alberto Fernandez.

“Uma moeda apenas entre Brasil e Argentina é desnecessária, é mais prático fazer um acordo bilateral entre os dois países e aceitar o real e o peso nos dois lugares”, avalia Orlando Assunção, professor de economia da Faap. “Somente isso é suficiente para dinamizar e aumentar o comércio exterior e o turismo entre os dois países.”

Na opinião de Assunção, a criação de uma moeda seria um processo muito burocrático e levaria tempo. “Existem fases até formalizar a integração monetária, isso demora muito. Não pode ser feito de forma rápida”, acrescenta. 

A medida também é defendida por políticos de diferentes espectros, como o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad.

Em artigo assinado na “Folha de S.Paulo” em abril deste ano, Haddad e o economista Gabriel Galípolo afirmam que uma moeda sul-americana poderia impulsionar a integração regional e fortalecer os países da América do Sul, que seguem enfrentando uma série de limitações por conta do fraco peso de suas moedas.

“Um projeto de integração que fortaleça a América do Sul, aumente o comércio e o investimento combinado é capaz de conformar um bloco econômico com maior relevância na economia global e conferir maior liberdade ao desejo democrático, a definição do destino econômico dos participantes do bloco e a ampliação da soberania monetária”, afirmou o artigo na “Folha”.

Segundo Christiano Arrigoni, professor de economia do Ibmec-RJ, o projeto poderia trazer benefícios para a região.

“A ideia faz sentido, porque existem potenciais ganhos comerciais entre Brasil e Argentina ou Brasil e outros países da América do Sul que poderiam ser potencializados caso isso acontecesse.”

A ideia traria vantagens para os países envolvidos com a economia mais forte.“A moeda única acaba tendo um poder de influência maior, traria muitas possibilidades para o Brasil “, afirma Arrigoni.

De acordo com o professor da Faap, uma moeda utilizada em todo o Mercosul seria mais fácil de se fazer, mas teria desafios consideráveis por conta das diferenças entre os países membros.

“Uma moeda no Mercosul teria um passo um pouco mais adiantado por conta da união aduaneira, mas envolver mais países é envolver nações com disparidades econômicas ainda maiores.”

“Para fazer dar certo, é preciso fazer um processo de diminuição das desigualdades dos países, como foi feito na União Europeia. Se não, o fluxo migratório dentro desse Mercosul pode ser enorme para os países mais ricos”, avalia Assunção. “Seria preciso criar bancos regionais de desenvolvimento, FMI da região, Banco Central da região.”

Além disso, caso a proposta seja aplicada, os países que tivessem a mesma moeda perderiam a soberania em relação à política cambial. Por esse motivo, alguns membros da UE (União Europeia), como a Suíça, não adotam o euro como a sua moeda oficial.

Moeda única: economia argentina e falta de sintonia política atrapalham

A Argentina passa por uma crise política e econômica no período pós-pandemia. Em março, os indicadores da inflação do país chegaram a 6,7%, o segundo mais alto do mundo. A taxa de juros da Argentina também bateu recordes negativos ao ser elevada pelo Banco Central do país em abril e chegou a 47%. Buenos Aires também adiou para 2024 o pagamento de sua enorme dívida com o Clube de Paris, que já chega a US$ 2,45 bilhões.

Uma união monetária entre os dois países neste momento poderia prejudicar o Brasil. “Não podemos ter uma diferença tão grande entre a inflação dos países, o Brasil é mais estável que a Argentina, tanto no ponto de vista monetário como fiscal”, analisa o professor do Ibmec-RJ.

Uma medida deste tamanho também precisaria de uma forte sintonia entre os dois países, o que não acontece na prática entre Brasil e Argentina. Bolsonaro, considerado de extrema-direita, torceu publicamente contra a eleição do esquerdista Alberto Fernandez na Argentina. Enquanto os atritos políticos e as disparidades econômicas continuarem, a moeda única fica mais distante.

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